Afinal, Mãe é Mãe

Domingo é o dia das mães. Eu tenho sorte de ainda ter a minha por perto, me acompanhando em meus cinquenta e quatro anos de vida. Muitas pessoas não têm essa sorte e acabam perdendo as suas quando ainda são muito jovens.

Raramente falo sobre minha mãe, que acaba de completar setenta e sete anos no último dia 4 de maio. Como seu aniversário é sempre encostado ao dia das mães, acontece com ela o que se passa com as crianças que fazem aniversário perto do dia das crianças ou do Natal: ganham um presente só.

Para todos os filhos, nossas mães são sempre as melhores do mundo. E, desconfio, para as mães, os filhos são sempre os melhores filhos do mundo.

Mas, gostaria de aproveitar o dia das mães e fazer uma homenagem à minha mãe e a todas as mães, porque não deve ser fácil cumprir esse papel.

Eu sou o filho mais velho da D. Leonor. Casou-se aos dezenove anos, e quando estava com vinte e dois, eu nasci. Até que eu era bonitinho quando criança. Pelo menos é o que minha mãe me dizia. Até aqui, minha mãe é igual a todas as mães.

Um ano e meio depois de mim, nasceu meu irmão Eduardo.

E fomos felizes por muitos anos, só eu e meu irmão. Brincávamos na rua, íamos ao clube, jogávamos futebol, competíamos no basquete pelo time do clube Esperia e também pela equipe de natação pela mesma instituição.

Quando eu estava com dezesseis anos e meu irmão com quatorze, meus pais foram viajar sozinhos pela primeira vez. Eu e meu irmão estávamos na escola de inglês e tínhamos prova, portanto não pudemos acompanhar meus pais, que estavam de férias. Foi uma nova lua de mel depois de tantos anos sendo atrapalhados pelos filhos. Minha mãe voltou grávida e nasceu minha irmã Daniela.

Minha irmã Daniela, minha mãe Leonor e meu sobrinho Mateus

Depois de tantos anos, minha irmã passou a ser a princesa da casa. Meu pai, que só trabalhava a partir das 3:00 horas da tarde, passava a manhã inteira com a filha no colo, passeando para cima e para baixo com a recém-chegada. Claro, minha irmã ficou mimada como ninguém no mundo. Era impossível suportar tanto dengo.

Para melhorar o problema, minha mãe queria adotar uma criança, para dividir a atenção e o carinho entre duas meninas, o que diminuiria o grau de chatice que minha irmã havia se tornado.

Meu pai, ao invés de adotar uma criança, propôs ter mais um filho.

Quando minha irmã tinha um ano, meus pais foram novamente viajar sem os filhos mais velhos, ou seja, uma nova lua de mel. Desta vez, uma versão meia boca, já que havia minha irmã para atrapalhar um pouco.

Claro, minha mãe voltou grávida novamente. Desta vez, de gêmeos.

O mesmo médico que fez o pré-natal de minha mãe para mim, para meu irmão e para minha irmã, fez o acompanhamento de minha mãe na gestação dos gêmeos.

Quando minha mãe estava no sétimo mês de gravidez, foi ao médico e disse que estava em trabalho de parto. O médico explicou que não. Garantiu que eram gêmeos e que a barriga pesava mais, o que era natural. Que tomasse um remédio que receitou e que tudo ficaria bem. Não a examinou, porém.

Minha mãe tinha razão: ela estava em trabalho de parto e o remédio, que era para segurar o parto, fez com que as crianças só nascessem dois dias mais tarde. Faltou oxigênio no cérebro das crianças e eles nasceram com deficiência mental. O Daniel, que nasceu primeiro e de parto normal, perdeu menos neurônios e, apesar das limitações de locomoção e fazer tarefas do dia a dia, como comer ou banhar-se, consegue andar de muletas, formou-se em direito na faculdade e leva uma vida de muitas dificuldades, mas “normal”. Entre o nascimento do primeiro dos gêmeos e o segundo, o Rafael, a posição da criança no útero de minha mãe mudou e foi necessário fazer uma cesariana. Houve necessidade de chamada de uma equipe para o parto, o que retardou o nascimento em algumas horas. Muito mais oxigênio no cérebro faltou e muito mais neurônios foram perdidos. Rafael, apesar dos seus trinta e oito anos completados em abril, é uma criança com idade mental de um ano. Não anda, não realiza as tarefas do dia a dia, não foi alfabetizado e é um anjo de bondade e inocência.

Meu irmão Daniel (esq), minha mãe Leonor e meu irmão Rafael.

Meus irmãos frequentaram a AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente – por duas décadas. Foram muitas cirurgias, muitos tratamentos, muitas fisioterapias, muitos amigos também com deficiência.

Meus pais passaram a viver em função de meus irmãos gêmeos. Meu pai largou o emprego, já aposentado, e controlava seus horários com base na agenda de seus filhos gêmeos.

Minha mãe cuida deles até hoje. Incansável. Acorda todos os dias às 5:00 e dorme depois de colocar os dois na cama, sendo que tem de cuidar do banho, da higiene pós ida ao banheiro, comida, roupa e tudo o mais para ambos. Uma vida de dedicação exclusiva. Só faz aquilo que as necessidades dos dois permite que ela faça.

Em meus cinquenta e quatro anos de vida, nunca vi minha mãe reclamar da vida. Sempre de ótimo humor, encanta a todos pelo sorriso fácil e doce. Mesmo depois do nascimento de meus irmãos, D. Leonor leva a vida sorrindo. Passa o dia cantando, servindo e cuidando dos filhos. Incansável.

 

Ainda cuida do neto mais novo, o Mateus, filho de minha irmã Daniela. Cuidou das duas filhas de meu irmão Eduardo e cuidou de minha filha Isabella. Sempre que necessitávamos, deixávamos as crianças lá com ela, que dividia o tempo entre os filhos deficientes e os netos. Nunca reclamou, nunca disse não. Sempre de ótimo humor, cantando com e para os filhos, com e para os netos.

Minha mãe é a melhor mãe do mundo. Faço essa homenagem a ela como forma de carinho a todas as mães bom-despachenses. Àquelas que não estão mais conosco e às que continuam a nos bajular como os melhores filhos do mundo.

Parabéns a todas as mães! Especialmente, à minha sogra, que é minha mãe bom-despachense!

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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