As caras de Bom Despacho
Em Bom Despacho eu mantenho uma rotina diária quase imutável. Quatro vezes por semana levanto-me bem cedo e por volta das 7:00 horas estou correndo com minha namorada bom-despachense em uma mata fechada. Independente de correr, às 9:00 horas entro em reunião com meus patrões chilenos.
Às segundas-feiras, passo a manhã em reunião com os chilenos e vou à academia na hora do almoço. Nos outros dias da semana, costumo ir à academia logo após o final de minha reunião das 9:00. Volto para a casa de minha namorada perto da hora do almoço e trabalho forte a tarde toda. Tirando a reunião matinal, mantenho a rotina nos fins de semana, inclusive de trabalho. Gosto de trabalhar e adianto o trabalho da semana seguinte nos fins de semana, o que me permite trabalhar menos horas nos dias úteis.
No final da tarde, quase todos os dias, eu e minha namorada bom-despachense saímos para caminhar entre quatro e seis quilómetros.
Todos os dias, caminho entre a casa e a academia, algo em torno de quatro quilómetros.
Nestas caminhadas diárias, a ida para a academia e a junto com a namorada, ando entre oito e dez quilómetros pela cidade de Bom Despacho. Vejo muitas coisas e muitas pessoas. Não sei por que exatamente, mas algumas pessoas me impactam positivamente pelo esforço diário que testemunho ao cruzar com essa gente nas ruas.
Entre essas figuras, algumas que nem sei o nome, gostaria de dividir com o raro leitor e a rara leitora, minhas percepções.
A primeira que me vem à cabeça é o Tõe. Todos os dias, mesmo quando soube que seu pai havia falecido, encontro o Tõe em sua carroça, com seu cavalo e o reconhecível teto azul de seu veículo. Muitas vezes o vejo na ida e na volta da academia, em pontos diferentes do bairro Esplanada. Sei que tira o leite de suas vacas de madrugada e bem cedo pela manhã sai pelo bairro vendendo o leite e queijos para as pessoas. Vejo-o muitas vezes parado em frente a algumas casas, entregando seus produtos, anotando a entrega em seu caderno. Sempre levanta sua cabeça quando passo e me dá “bom dia”. Quando minha filha veio a Bom Despacho, Tõe deixou que eu a levasse para seu sítio e a deixou acompanhar a tirada do leite, que mexesse nos bezerros, enfim, apresentou minha filha para um mundo que ela nunca teve acesso morando em São Paulo.

Outra pessoa que sempre vejo no bairro Esplanada é o Joãozinho. Com seu carrinho de verduras, que ele mesmo planta e vende na vizinhança, Joãozinho é figura permanente em meus dias. E, ao contrário do Tõe, que tem seu cavalo, Joãozinho empurra seu carrinho pelas ladeiras do bairro. E que força tem de fazer nas subidas! Outro dia o encontrei fazendo uma força enorme para subir a ladeira. Ofereci ajuda e ele disse que já estava acostumado. Agradeceu e continuou sua hercúlea tarefa. Fico muito feliz quando o vejo em frente a casa de minha namorada entregando seus deliciosos produtos. Guarda em sua memória quanto estamos devendo a ele e passa no trabalho de minha namorada para receber o merecido pagamento de suas vendas.
Claudio é uma figura que encontro com alguma frequência. Sempre andando pela cidade, muitas vezes sem chinelos ou sapatos, sempre pelo meio da rua, sempre a um passo de ser atropelado por algum motorista distraído. Esta semana o ajudei a atravessar uma rua perto da Praça da Matriz. Agradeceu a ajuda e seguiu seu caminho. Por que anda o dia todo? Como vive? São perguntas que me ocorrem quando o vejo.

Mãe e filha que recolhem lixo reciclável pela cidade são duas mulheres que fazem parte da minha vida cotidiana. Eu as encontro em várias partes da cidade, em horários diversos, sempre remexendo o lixo, sempre empurrando seus carrinhos carregados. Minha namorada costumava guardar muitos materiais recicláveis para elas, mas como elas demoravam muito para buscar as garrafas, embalagens e caixas diversas, acabou optando por outra forma de reciclagem. Mas, elas continuam firmes em sua tarefa diária. Sempre que as vejo, também me pergunto como vivem? Em que horário descansam? Se tem o suficiente para viver, entre outras perguntas que não me largam.
Seu Tarcísio é outra figura que faz parte de minhas caminhadas. Ele é caixa no Xuá Lanches. Muitas vezes o encontro indo para o trabalho, quando eu estou voltando para casa, depois de ir à academia. Na maioria dos dias, eu o encontro em minha caminhada no final da tarde, já no caixa da lanchonete. Independente do horário de meus encontros com ele, seu Tarcísio está sempre com um largo sorriso no rosto, nunca nega um “boa tarde” ou “boa noite”. Outro dia, comentei com minha namorada bom-despachense que havia encontrado seu Tarcísio na Rua Coronel Tininho (ele subindo por um passeio e eu descendo pelo outro lado), que eu havia dito um “boa tarde” e que ele não havia escutado e, portanto, não havia respondido. Minha namorada comentou com ele sobre esse fato, em tom de brincadeira. Seu Tarcísio ficou arrasado. Só sossegou quando me encontrou e pediu desculpas. Eu, claro, o tranquilizei e disse que havia visto que ele não havia me escutado. Vejam a preocupação dele! Uma figura adorável!
As figuras que representam Bom Despacho para mim são todas humildes, trabalhadoras, sofredoras, que lutam pelo pão de cada dia. É assim que vejo esta cidade maravilhosa e sua população.