Dorvelino e D. Sãozinha: exemplos para toda a vida

 

DAMIÃO ALVES DE AZEVEDO – Quando me pediram pra escrever um texto sobre meus pais, comemorando os 74 anos de transmissões da Rádio Difusora, a primeira dificuldade que me ocorreu foi como descrever, sem bajulação, um casal de radialistas paradoxalmente avessos à comunicação. Uma família sustentada por publicidade, mas que leva vida reclusa. Refiro-me ao casal porque, embora quando se fale da Rádio Difusora Bondespachense (RDB) pensem só no meu pai, Dorvelino, a rádio não seria possível sem o apoio silencioso e incondicional de minha mãe, D. Sãozinha.

Poderia falar sobre sua discreta participação em alguns episódios da história de cidade. Como o fato do Dorvelino ter intermediado os primeiros contatos entre autoridades de educação da cidade e o deputado Bonifácio de Andrada, pouco depois dele ter sido Secretário do Interior e Justiça de MG. Contatos que anos adiante resultariam na instalação de uma unidade da UNIPAC. Nesse episódio, como em outros, Dorvelino saiu de cena antes das coisas se concretizarem. No primeiro mandato de Geraldo Simão na prefeitura, meu pai teve modesta participação, redigindo discursos e dando a voz da RDB para apoiar algumas iniciativas. Mas tão logo alguns pensaram que poderia ter pretensões eleitorais, imediatamente abandonou a cena política.

Os paradoxos na sua personalidade não se resumem à vida profissional. Sempre me pareceu difícil entender que alguém tão radical em posturas religiosas, com valores morais tão rigorosos, fosse simultaneamente tão tolerante, respeitoso e acolhedor com todos, independente de comportamento ou das crenças. Quando a cidade era minúscula e todos se conheciam, os “marginalizados” eram facilmente apontados na rua. Dona Teresa, conhecida como Tê, era uma velha prostituta, proprietária de um bar próximo ao trevo da BR 262. Em tempos de muito conservadorismo, meu pai era o contador que aceitava a escrituração do barzinho da D. Tê. Lá no escritório exigia que todos a tratassem por D. Teresa. Quando o – hoje lendário – Zé Toniquinho, ainda adolescente, escandalizou a cidade ao assumir publicamente sua homossexualidade, muitas “pessoas de bem” lhe viraram o rosto. Mas meu pai jamais deixou de tratá-lo com respeito. É um sujeito difícil de definir. Então seria inútil um esboço biográfico. Melhor lembrar um episódio só.

De vez em quando recebíamos a visita de um senhor que morava em BH. Chegava numa camionete cabine dupla, um luxo na época. Só mais tarde descobri quem era. Havia sido aluno de meu pai. Fora um menino pobre, que na adolescência trabalhava como charreteiro. Sua mãe falecera quando era pouco mais que um bebê e não se dava muito bem com sua madrasta. Seu pai, por sua vez, tinha fama de ser homem severo. O moço queria abandonar a escola e sair de casa. Havia conflitos familiares de que não vale a pena tratar aqui. Numa noite, minha mãe ficou preocupada quando meu pai demorou a chegar da escola, onde dava aulas no noturno. Meu velho ficara até muito tarde conversando com o moço, depois da aula, para juntos descobrirem uma estratégia dele superar os conflitos em casa. Os conselhos funcionaram. O rapaz conquistou a amizade de seus irmãos pequenos, filhos de sua madrasta, e, por esse meio, conquistou o respeito dela e de seu pai. Meu pai o ajudou com material de estudo e o moço, disciplinado e persistente, passou num concurso do Banco do Brasil. Muitos anos depois, vivendo fora, voltava a BD pra nos visitar, trazendo seu pai e sua madrasta, como forma de agradecer o acolhimento lá na adolescência.

Eu, menino, achava estranho que aquele pai, tão “bravo” em casa, fosse admirado por vários de seus antigos alunos como professor doce e carismático em sala de aula. Ouvi outras histórias como aquela, vindas de pessoas que não sabiam que era seu filho ou contadas longe de mim, ditas a terceiros, que as me relatavam curiosos. Então me perdoem se não sei explicar pra vocês como é esse homem. Ele tem sido difícil de decifrar pra mim também. Um pouco disso vale pra minha mãe. Mas muito mais importante que as lições que me deram, foi aquilo que me mostraram sem querer ensinar. Como disse uma vez minha irmã. “exemplos para toda a vida”.  (Portal iBOM – Damião Alves de Azevedo é advogado, filho de Dorvelino e D. Sãozinha, atualmente residindo em Brasília/DF / Foto: arquivo família).

 

2 thoughts on “Dorvelino e D. Sãozinha: exemplos para toda a vida

  • Pingback: Difusora Bondespachense, “1540 quilos de sucesso” - iBom

  • 2 de maio de 2024 em 14:07
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    Saber reconhecer as origens e trazer os bons costumes e exemplos vividos para os dias atuais e replicar bons exemplos e fomentar as tradições familiares. Cada vez que aconselhamos filhos, sobrinhos e amigos tendo por Norte os ensinamentos paternos estamos trazendo.à vida a imagem destes entes tão queridos. Aos que já se foram, são mais fortes estes sentimentos. Aos que ainda por aqui estão, é a mais puro a prova de que acertaram na criação e educação dos filhos – o reconhecimento em vida de uma vida comedida e de união e paz familiar. Parabéns pelo texto, e replique em sua jornada social, familiar e laboral, os exemplos por eles ensinados, mesmo que eles estivessem apenas sendo pais. O filho está sempre honrando os pais ao replicar as tradições e bons exemplos com eles aprendidos.

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