Biblioteca Pública 60 anos. Onde, por que e para quem?
VANDER ANDRÉ – A Biblioteca Pública de Bom Despacho já está em sua nova sede – que será oficialmente inaugurada nesta sexta-feira, 15 de março -, oferecendo empréstimos de livros. Ela fica num prédio localizado na esquina da Rua Coronel Tininho com a Praça da Matriz. Neste ano celebraremos seu 60º aniversário, o que me motiva a escrever sobre sua importância para escritores, leitores, estudantes e pesquisadores de nossa cidade.
- VEJA TAMBÉM: Biblioteca Pública ganha nova sede na Praça Matriz.
O projeto da Biblioteca Pública de Bom Despacho foi apresentado pelo então vereador Tarcísio Ferreira Leite em 10 de junho de 1963, sob o número 161, que “criou a biblioteca municipal”, conforme consulta à ata daquela reunião. Ela foi inaugurada em 7 de setembro de 1964, na gestão do prefeito Dr. Roberto de Melo Queiroz, médico e pai da professora pesquisadora da língua da Tabatinga, Sônia Queiroz.
No final dos anos 1970, com a pesada pasta escolar nas costas, juntamente com outros colegas, eu subia a escadaria que levava à Biblioteca Municipal, após as aulas, naquele prédio da esquina da Praça da Matriz com a Rua Alferes Tavares, em Bom Despacho, onde hoje parece funcionar uma academia (de ginástica!). Contemplava as prateleiras repletas de livros e me dedicava à leitura da edição completa das obras de Monteiro Lobato, aquela com capa dura e ilustração esverdeada que tanto nos encantava.
Era mais uma viagem ao Sítio, que não era bem a roça na região da Prata onde vivia até anos atrás. Esse era o poder da leitura para mim naqueles tempos sem Internet, que me permitia mergulhar nas fantasiosas aventuras de Emília, Cuca, Saci e Visconde, Pedrinho, Narizinho e tantos outros personagens que me transportavam, vejam só, da nossa Bom Despacho até o Minotauro, em um roteiro inebriante. Dessa coleção, parti para a Coleção Vagalume e muitas outras leituras frequentes durante minha infância e adolescência.
A Biblioteca mudou-se posteriormente para o local onde hoje funciona o Bradesco, também em um espaço bastante acolhedor. Antes do banco ali funcionou a Sapataria da Dona Celina, A Principal. Pessoas como Naná, Vanderley e Evânia sempre estavam por lá, disponíveis para nos receber e ajudar na escolha certa do livro e no local exato onde encontrar nossas fontes de pesquisa, em uma época em que nem sonhávamos com o Google e tínhamos que nos contentar com a Enciclopédia Barsa ou o Almanaque Abril.
Já no Colégio Miguel Gontijo, o professor de história Vicente de Paulo Teixeira Leite nos solicitava biografias semanais, que deveriam ser copiadas à mão para serem vistas no Caderno Nobre, “valendo ponto”, com direito a foto da personalidade e bandeira do país de origem. Era na Biblioteca que eu encontrava as respostas para essas tarefas. Ainda me lembro do dia em que tive que pesquisar sobre Otto von Bismarck, o “chanceler de ferro”, estadista mais importante da Alemanha do século XIX, e acabei me aprofundando em sua Kulturkampf, a luta pela cultura.
Ao revisitar a Biblioteca, meses atrás, naquele espaço onde funcionou a Prefeitura, próximo da Rodoviária e da Secretaria de Saúde, já com minha ficha de cadastro em mãos, tomei alguns livros por empréstimo, doei outros, e comecei a me questionar sobre a razão de termos uma Biblioteca física, localizada em um prédio central da cidade, com um acervo considerável, em uma era digital na qual muitos preferem a leitura de ebooks, kindles e outras formas não impressas.
Como escritor, e após lançar meu terceiro livro, sobre o qual falarei mais à frente, sinto uma tristeza diante da possibilidade remota de perdermos qualquer Biblioteca neste mundo digital, ainda mais essa que me abrigou durante grande parte da minha vida, quando necessitava de um ponto de apoio para estudos, pesquisa e leitura, num ambiente silencioso, limpo e com os livros à disposição, dos clássicos aos lançamentos. Portanto, é importante reconhecer, valorizar e visitar mais a nossa Biblioteca Pública de Bom Despacho, transformando-a num local de encontros enriquecedores e proveitosos para a nossa formação educacional e intelectual.
Espero sinceramente que a Associação de Amigos da Biblioteca retome suas atividades, incentivando o hábito da leitura, promovendo doações e contribuindo para manter o acervo de mais de 35 mil livros atualizado. Além disso, é desejável que a Secretaria de Cultura continue seu trabalho de valorização do espaço, renovando o acervo e fornecendo recursos para uso coletivo, como rede Wi-fi e outras tecnologias necessárias ao seu bom funcionamento.
A discussão sobre o tema é válida, ao mesmo tempo que cabe a reflexão sobre a importância histórica e pedagógica das bibliotecas na formação de sujeitos emancipados, em ambiente de socialização de experiências e saberes. Mesmo digital, o livro pode e deve ser lido num ambiente coletivo como o de uma Biblioteca, em que as trocas compartilhadas de experiências e prazeres que só a leitura pode fornecer ao indivíduo, devem ser colocadas em pauta, estimuladas pelos pais, amigos e professores nas Escolas.
Em visita ao novo local destinado à Biblioteca, com janelas de frente para a Igreja Matriz, ciceroneado pela Diná, ao observar uma estante intitulada “Escritores Bom-despachenses”, percebi a importância do espaço público para o reconhecimento dos talentos locais. Um lugar onde nós, escritores, podemos nos sentir em casa, contribuindo para a memória e história da cidade por meio de romances, contos, poesias e outros gêneros textuais. Foi lá, nessa estante, que orgulhosamente encontrei dois exemplares de cada um dos meus livros já publicados.
Com imenso prazer de leitor, agora na condição de escritor, compartilho com a comunidade o meu terceiro livro, um romance intitulado “Sobre mim uma sentença”. Ele aborda questões sociais como racismo, homofobia e outras formas de preconceito. Meu novo trabalho explora o multilinguismo, valorizando a riqueza linguística dos quilombolas e incorporando palavras da língua da Tabatinga, dos Negros da Costa, que foi recentemente reconhecida como patrimônio cultural do Município. SAIBA MAIS sobre o livro clicando AQUI.
Minha expectativa é que também esse novo livro integre o acervo de nossa Biblioteca, ficando disponível para consultas, empréstimos e leituras por todos aqueles que, seguindo o conselho do poeta Drummond, decidirem penetrar “surdamente no reino das palavras”. Vida longa à nossa Biblioteca Pública de Bom Despacho! (Portal iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Fotos: Vander André).
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Nos anos 70 os alunos das séries iniciais (falava-se Grupo Escolar) recorriam muito à Biblioteca Pública para realizar as pesquisas escolares, já que era muito difícil para as famílias pagar por enciclopédias como Barsa e Mirador (eram o Google da época), que eram caríssimas.
No Colégio, 1º e 2º Graus, as escolas adotavam livros de Matemática (famoso livro dos Sete Autores), Geografia, História, Biologia, Química; muitas vezes era preciso recorrer a eles na Biblioteca Pública ou comprar de segunda mão.
Funcionou um tempo no andar superior da antiga COBAL (extinta Companhia Brasileira de Alimentos do Ministério da Agricultura), perto do Bar do Jaú, e depois foi transferida para um salão ao lado do Império dos Armarinhos e Armarinho Paula. Por ali também havia uma Escola de Datilografia da Prefeitura, já que datiografar era um diferencial naquele tempo.
Muito legal ver como a rede de computadores, a capacidade de armazenamento e processamento, as conexões de banda larga, os dispositivos mobile (tablet, smartphones, notebooks, GPS, smartwatches) moldaram a disseminação de conhecimento e a realização de tarefas, os investimentos, a mobilidade, as compras, os serviços, o noticiário, os treinamentos, os cursos acadêmicos, dentre outras atividades do vetor tecnológico.
Ao mesmo tempo é ótimo acessar o livro físico, discos de vinil, antigas edições físicas de jornais e revistas, o velho radinho, o telefone fixo.
Muito obrigado pelo comentário, Alex! Você trouxe informações complementares e valiosas para o texto!