Graça Epifânio era um orgulho para Bom Despacho

 

Graça era uma heroína. Mulher negra, pobre e umbandista, que apesar da lista de características que fazem as pessoas brancas a julgarem como uma pessoa que não será nada na vida, venceu. Estudou, desenvolveu sua vida acadêmica, foi aluna de uma renomada universidade estadunidense e fez sucesso internacional. Sua morte foi uma perda para o Reinado, para a cultura negra, para Bom Despacho, para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo.

ALEXANDRE MAGALHÃES – No ano passado, minha namorada bom-despachense envolveu-se com a Festa do Reinado. Fez questão de entrar em um grupo “Moçambique de São Benedito” e optou pelo famoso corte da Dona Sebastiana.

Por causa disso, acabei conhecendo melhor o que é o Reinado. Acompanhei esse corte da Dona Sebastiana em vários eventos em bairros diferentes, igrejas que eu não conhecia, participei da “comilança” pós as danças em casas de pessoas que eu não conhecia, fui à subida e descida do mastro, fui várias vezes à sede do corte de Dona Sebastiana, fui acolhido por muitos dos integrantes, que fizeram questão de me mostrar o terreno do quilombo.

Chorei muitas vezes ao ver o fervor que os membros deste corte dedicam às danças e aos cantos durante as apresentações. Pessoas que largam tudo no período do Reinado, para poder dedicar-se a sua cultura, sua paixão. Foi um período muito rico em minha vida, pois em São Paulo não existe a Festa do Reinado, pelo menos nos ambientes que frequento em minha terra natal.

Em algum momento, minha namorada bom-despachense apresentou-me a Graça, filha de Dona Sebastiana. A apresentação foi no restaurante Fazendinha, em um domingo. Restaurante lotado, muito barulho, ambiente difícil de conversar e entender o que a outra pessoa está dizendo.

A Graça estava em pé, ao lado de uma mesa onde estavam alguns parentes e amigos. Confesso que não consegui conversar muito, pois o barulho estava muito alto. Depois que saímos do local, a caminho de casa, minha namorada bom-despachense explicou-me que a Graça era uma heroína. Mulher negra, pobre e umbandista, que apesar da lista de características que fazem as pessoas brancas a julgarem como uma pessoa que não será nada na vida, venceu. Estudou, desenvolveu sua vida acadêmica, foi aluna de uma renomada universidade estadunidense e fez sucesso internacional.

Emocionei-me ao ouvir o relato de seu sucesso. Não percebemos muitas vezes como é difícil para os brasileiros negros vencerem o preconceito estrutural de nosso país. Quando ouço alguém dizer que estou exagerando, sempre repito a mesma história. Começo contando uma breve história pessoal para meu interlocutor: “estudei nove anos na USP, durante o período que fiz o mestrado e o doutorado”. Em seguida, pergunto ao interlocutor: “sabe quantos alunos negros fizeram o mesmo curso que eu?” Diante do silêncio, apresso-me e respondo: “Um aluno negro em nove anos”. Em seguida arremato com essa pergunta: “sabe quantos professores negros eu tive nesses nove anos na FEA-USP (Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração da USP)?”. Diante do silêncio ainda presente, encerro a conversa: “nenhum professor negro em nove anos”.

Portanto, o que a Graça fez é uma enormidade, uma vitória ímpar, ainda muito rara em nosso país. Felizmente, casos como o da Graça estão começando a aparecer, mas ainda são raríssimos, infelizmente.

A triste notícia

No fim de semana de seis de julho, eu, minha namorada bom-despachense e muita gente da cidade fomos a Diamantina para correr uma prova subindo e descendo montanhas.

Em algum momento deste fim de semana, encontrei minha namorada bom-despachense chorando. Perguntei sobre o motivo da tristeza e ela me respondeu: “a Graça, filha da Dona Sebastiana, morreu”. Na hora, não consegui raciocinar direito, e não identifiquei aquela mulher jovem, cheia de energia e um enorme sorriso no rosto, que conheci no restaurante Fazendinha, como a Graça. Quando entendi quem era a pessoa, não pude acreditar. Perguntas foram brotando de minha boca: como é possível? o que aconteceu? estava doente?

Ouvi várias versões sobre as causas de sua morte, mas isso é o menos importante. O que vale a reflexão é a perda dessa pessoa tão relevante para o Reinado, para a cultura negra, para Bom Despacho, para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo. Tão relevante, que a ministra Anielle Franco, do Ministério da Igualdade Racial, fez uma manifestação de pesar.

Pena! Que surjam muitas outras Graças em Bom Despacho e no Brasil!

CorreBom fazendo sucesso em Diamantina

Só para variar, Bom Despacho brilhou na prova de corrida em Diamantina dia 6/7. Além de ser representada por um grupo grande e muito divertido, vários pódios foram conquistados. Espero não esquecer de ninguém. Meus novos amigos Jésus Geraldo Rodrigues (14 km – terceiro na categoria) e Welington César de Freitas, o conhecido Lôlo (8 km – terceiro na categoria), além de Ana Paula Campos (14 km – terceira na categoria), Vitor Soares Ramos (14 km – terceiro na categoria), Roberta Fabiana Neves (8 km – primeira na categoria), Carolina Góes Silva (8 km – primeira na categoria, sendo esta a primeira prova dela na vida), Laura Soares Ramos (8 km – terceira na categoria), Julio Teodoro dos Santos (24 km – segundo na categoria).

Parabéns, Bom Despacho! Parabéns, CorreBom. Parabéns para a Renatinha, incansável organizadora de tudo, tudo mesmo!

(Portal iBOM / Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por BD e SP / Foto: Wallison Braga).

 

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