Receita de D. Prosperina virou “comida di buteco” em BH
ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Não é segredo para ninguém que, como bons mineiros, somos famosos por nossos pratos e quitandas. Nossas delícias fazem parte de quem somos, da nossa história, e traduzem-se na soma do nosso jeitinho manso misturado às muitas influências que sofremos de outras culturas: portuguesa, indígena, africana…
Nossa comida é tratada quase como um patrimônio imaterial.
Saborear bons pratos mineiros deixou de ser apenas sentar-se à mesa e comer. A experiência de degustar os sabores da nossa culinária passou a ser quase uma programação turística e integra hoje o roteiro de eventos das cidades.
O evento Comida di Buteco surgido em Belo Horizonte no ano de 2000 é prova disso.
Atualmente esparramado Brasil afora, esse evento tem papel importante na ressignificação e divulgação dos nossos pratos e especialidades. Passou de um fenômeno gastronômico a uma experiência sócio-cultural.
Até Bom Despacho já tem no seu circuito anual uma data para o saboroso evento.
Mas, hoje, a história não é sobre o evento anual aqui realizado. É sobre uma receita que atravessou continentes, tornou-se bom-despachense ao pousar na cozinha da Dona Prosperina Teixeira Leite e agora, como boa andarilha, voltou a circular em outras plagas.
A receita da Dona Prosperina, de origem provavelmente africana, denominada “Ôlha”, é um cozido feito com ingredientes simples, facilmente encontrados em quaisquer de nossos mercados e, em parte, parecidos com o de uma saborosa feijoada: pé e joelho de porco, costelinha, pernil linguiça e, acrescido a tudo isso, banana, mandioca e couve.
Nos últimos dias, o prato típico deixou as cozinhas da família Teixeira Leite, ultrapassou fronteiras e foi encher de prazer outros degustadores e novas mesas.
Isso porque a comida di buteco deste ano, escolhida pelo bar Ember Meat House, localizado na Rua São Romão, 460, bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte/MG, foi a receita bom-despachense da Dona Prosperina, apresentada aos donos do bar pelo seu filho Paulino.
Irmã do meu avô Domingos Leite e de Nicolau Teixeira Leite, Prosperina Teixeira Leite era famosa por sua beleza. Foi a primeira mulher a trabalhar no comércio em Bom Despacho. Ajudava a tocar os negócios da família, na antiga Casa Assumpção, que ficava na Praça da Matriz e, como a gente brincava antes, vendia “tuquantoá”.
A informação sobre essa participação da receita no Comida di buteco chegou a mim pela minha prima, amiga e colega de trabalho Heloisa Ferreira Xavier Carvalho, a Ló do Frasqueira. Além de neta, era, como meu pai, afilhada da Dona Prosperina.
Heloísa, no último final de semana, foi em comitiva com a família e os amigos prestigiar o evento, degustar o prato e, claro, matar, de alguma forma, as saudades da avó.
A apresentação da receita ao público contou até com folder explicativo sobre a iguaria e a dona da receita.
Não se sabe como a delícia saiu da África, atravessou o mar, viajou continente afora e veio pousar na mesa da família de Dona Prosperina, aqui, bem no miolinho do interior mineiro.
Fato é que veio e é apreciada por todos. Atravessou gerações, chegando agora, através dos descendentes, às mesas do bar Ember Meat House, para ser apreciada como mais uma das nossas deliciosas comidas di buteco.
A culinária passada e repassada por gerações tem uma beleza ímpar e reflete os costumes de um povo, valoriza culturas e perpetua memórias, além de agregar famílias.
Que saibamos honrar nossas memórias, nossas histórias, nossos ancestrais e a nossa rica culinária.
Hum!!! Fiquei curiosa para experimentar. Como boa mineira e parte da família da dona Prosperina, convidei meu pai para, qualquer dia desses, irmos a Belo Horizonte, no bar Ember Meat House e degustarmos a delícia vinda direto da África para a mesa da Madrinha dele. Todos convidados. (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos: arquivo da família).