A florzinha de plástico no mastro de Nossa Senhora

Neste texto, Roberta conta a emocionante história do idoso que insistentemente lhe pedia uma florzinha do mastro de Nossa Senhora durante o encerramento da Festa do Reinado no distrito do Engenho do Ribeiro, em Bom Despacho/MG. Quando finalmente o idoso revelou o motivo do pedido, ambos se abraçaram chorando. “Entreguei a ele uma flor de plástico e vim embora do Engenho com o coração cheio de aprendizado e gratidão”, conta Roberta.

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRAMuitas vezes, no curso dessa vida agitada e desse mundo meio torto de valores, damos grande importância para coisas desnecessárias, deixamos de valorizar o essencial e passamos despercebidos pelas pessoas que nos cercam ou que cruzam nosso caminho.

Ainda bem que, se estivermos atentos, há sempre um detalhe, alguém ou um simples acontecimento para nos fazer sair do automático e refletir sobre o real sentido de estarmos nessa Terra.

Gostaria de dividir com todos uma história que aconteceu comigo. Um desses episódios que faz a gente parar, se emocionar e refletir. Eu, na verdade, se tivesse um outdoor estamparia essa história mundo afora, pela beleza do ocorrido, por ter me proporcionado emoções tão delicadas e por todo o aprendizado que me trouxe.

Domingo, dia 24 de setembro, foi a descida dos mastros da Festa do Reinado, lá no Engenho do Ribeiro. O sol estava escaldante, o pessoal do meu corte, com a dedicação de sempre, dançou o dia todo. Eu, em virtude de um compromisso anteriormente assumido, cheguei um pouco mais tarde, logo após o almoço.

O Engenho estava lotado, muitas pessoas na rua, barraquinhas, gente por todos os cantos. 

Muitos passaram o dia cantando e louvando, outros proseando e diversos curtindo a festa popular, bebendo uma cerveja nos bares locais ou debaixo das árvores da pracinha.

No final da tarde, deu-se início à descida dos mastros. Quatro no total. São Benedito, Nossa Senhora das Mercês, Santa Ifigênia e Nossa Senhora do Rosário. 

Eu estava de pé, junto com o pessoal do meu corte, ao lado do mastro de São Benedito, que contava com uma haste grande, toda coberta de florezinhas de plástico vermelhas e brancas e no alto do mastro, a bandeira do Santo. Deu-se início aos rituais que antecediam à descida. Muita gente em volta, cantava e louvava. 

Atrás de mim, um senhor, com cerca de 70 anos, inquestionavelmente bêbado e cheirando fortemente a cachaça. Cada pequeno intervalo, cutucava meu ombro e, quando eu virava, me dizia: será que eu posso pegar uma florzinha dessa aí do mastro? Eu, sem saber muito o que fazer, respondia: olha, sou nova por aqui, é meu primeiro ano, mas penso que não. 

Ele não desistia. A cada cinco minutos eu sentia de novo a cutucada no ombro, me virava e a pergunta se repetia de novas e variadas formas: será que se eu pegar uma florzinha dessa tem problema? E eu, já quase sem argumento, dizia: acho melhor não. Já pensou se todo mundo quiser uma florzinha, o mastro vai ficar pelado.

Lá pela décima abordagem, pensei: “o que vale uma florzinha?”.

Sutilmente me sentei ao lado do mastro e, tentando não me fazer notar, “roubei” uma florzinha do mastro para ele. Parei ao seu lado, abri sua mão, pus discretamente a flor e a fechei. Sorrimos uma para o outro e pensei: missão cumprida. Agora ele vai me dar sossego. Dei as costas e continuei participando dos rituais. 

De novo, senti a cutucada. Virei e, para meu espanto, ele estava em prantos. Chorava profundamente. 

Sem que eu tivesse tempo de pensar ele me abraçou e disse: Tenho 50 anos de casado. Minha mulher vai fazer uma cirurgia muito grave essa semana. Precisava de uma florzinha da Nossa Senhora para protegê-la. Você me deu um presente. Agora sei que essa flor vai ajudar na cirurgia dela e vai ficar tudo bem. 

Choramos juntos, abraçados por alguns minutos. Ele, pela certeza que só a fé nos dá, de que basta confiar e entregar, que vai dar tudo certo. Eu, pela beleza da circunstância que tinha acabado de viver. Por estar diante de tamanha delicadeza e honestidade. Ele não ousou pegar, sem autorização, uma florzinha de plástico do mastro que acreditava que protegeria a esposa da qualquer mal no delicado momento da cirurgia. 

Tudo aconteceu tão rápido que não me lembrei de perguntar seu nome ou pedir seu telefone para saber o resultado da cirurgia. Espero que tenha sido um sucesso e que Nossa Senhora tenha protegido a esposa dele de todos os males.

Pra mim, ele deixou um registro inesquecível de honestidade, fé e delicadeza. Entreguei a ele uma flor de plástico e vim embora do Engenho com o coração cheio de aprendizado e gratidão. (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Foto ilustrativa)

 

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