Graça Epifânio: “não queremos nada demais”

 

“Queremos apenas que parem de nos olhar de cima para baixo, que nos respeitem como iguais que somos e que permitam que nossas crianças e nossos afins tenham oportunidades de acesso à Justiça, à Educação, à Saúde e a uma vida digna, tal como qualquer outro”, diz a líder comunitária.

[ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA]  Maria das Graças Epifânio da Silva, conhecida por todos como Graça, nasceu em Contagem, aos 28/09/1971. Frequentou Bom Despacho por muitos anos, visitando a mãe, antes de aqui se estabelecer, aos 18 anos. De lá pra cá, enfrenta uma bela e histórica batalha junto aos seus, contra o enraizado preconceito racial que habita dentro de cada um de nós e atinge proporções alarmantes no País.

Filha de Waldemar Epifânio Ribeiro da Silva e Sebastiana Geralda Ribeiro, a famosa Dona Sebastiana da Tabatinga, Graça se engajou na luta da mãe, guerreira, benzedeira, espiritualista, ativista e dançadeira de reinado, de quem fala com muita saudade e orgulho. 

A luta, em Bom Despacho, começou modesta, na associação de bairro, por melhores condições para os moradores. Com o empenho de muitos, conseguiram que a região que envolve a área da Tabatinga, e um dia funcionou como um quilombo, fosse reconhecida pela Fundação Palmares como área quilombola. Em decorrência desse reconhecimento, e com base no Decreto 4887/2003, foi instituído o Quilombo Carrapato da Tabatinga, cuja sede está localizada na Associação Comunitária, possibilitando ao bairro uma enormidade de direitos e garantias.

As batalhas travadas por Graça e toda a família seguiram os passos da Dona Sebastiana, que fazia sempre questão de ressaltar: “minha filha, estou lutando para deixar um mundo um pouco melhor para vocês. E vocês têm a obrigação de continuar esta luta e deixar um mundo ainda melhor para essas crianças que virão”. E, juntos, eles lutam para cumprir esse legado. Batalham, dançam, cantam, mantém vivas suas tradições, sua religiosidade, seus costumes e enfrentam, de peito aberto, uma comunidade ainda conservadora e em processo de amadurecimento.

Diversidade e desigualdades

Imagino que a trajetória não tem sido fácil. Afinal, apesar do Brasil contar com uma história de miscigenação, ainda não fomos capazes de usar essa diversidade em nosso favor e eliminar as desigualdades existentes. Há muito o que fazer e construir. Ainda hoje, no âmbito educacional, é possível observar a falta de representatividade negra nos livros didáticos. Muitas crianças negras são alvo de preconceito. No mercado de trabalho, a discriminação também é evidente, contando a população negra com menos oportunidades de emprego e salários menores. Isso não é diferente na saúde e até no sistema de justiça. Dados apontam que a população negra é a mais afetada pela violência policial, pela superlotação nos presídios e pela falta de acesso à justiça. 

 Mas Graça – mãe de Marcele, Dandara e Francis – não desiste da batalha e vem, até aqui, construindo uma trajetória de sucesso. Em 2003, passou a trabalhar como técnica na Saúde Bucal. Em 2005 participou do 1º Encontro da Funarte, organizado pela Fundação Palmares, evento que deu a ela forças para manter-se no movimento e compreender que não estava sozinha na guerra. Percebeu que muitos, em âmbito nacional, estavam caminhando no mesmo sentido. 

Na gestão do prefeito Fernando Cabral, Graça foi convidada a gerir a nova pasta de Desigualdade Racial. Desde então, desempenha um trabalho incansável. Traçou um plano municipal, realizou o evento Beleza Negra, que foi um sucesso desde sua primeira edição e contou com 269.000 visualizações em redes sociais, divulgando e ampliando a necessidade da inclusão de tais projetos na sociedade. 

No âmbito federal é coordenadora da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), à frente do GT de saúde. Reúne-se, às vezes, em Brasília, com ministros e autoridades em busca de oportunidades e novas vivências para serem implantadas em Bom Despacho. Pretende engajar-se na política municipal, chegar a vereadora e, quiçá, alçar voos mais altos.

Bolsa de estudos

Hoje, para nosso orgulho, Graça estuda em uma das mais conceituadas universidades do mundo. Ganhou uma bolsa parcial de estudos e faz o curso Afro Latino Americano na Universidade de Harvard. A oportunidade veio através da CONAQ, que ganhou 30 bolsas e dividiu entre os diversos GT(s) que são os grupos de trabalho que se dividem em áreas como saúde, comunicação e educação. Uma dessas bolsas veio parar no colo dela. As aulas são à distância e Graça me diz, quase eufórica, da possibilidade de participação em um dos módulos que se dará em São Paulo e, também, de uma visita presencial no interior da universidade, que fica na cidade de Cambridge, nos EUA. 

Graça é mais uma nessa luta desigual. Narra, durante nossa conversa, muitos eventos de discriminação, intolerância, preconceitos e vivências tristes, tanto pessoais como experienciadas pelos seus, pelas crianças do seu entorno ou por sua família em decorrência do preconceito racial. “Não queremos nada demais”, diz ela, “apenas que parem de nos olhar de cima para baixo, que nos respeitem como iguais que somos e que permitam que nossas crianças e nossos afins tenham oportunidades de acesso à Justiça, à Educação, à Saúde e a uma vida digna, tal como qualquer outro”.

Pode parecer modismo ou mesmo, para alguns, “mimimi”, mas é urgente combater o preconceito racial dentro de cada um de nós. Nesta altura do campeonato, ainda nos pegamos repetindo ou ouvindo frases e piadas de nossos antepassados e jargões que já não cabem mais na vida atual, como “isso é serviço de preto”.

O papel de pessoas como a Graça é importantíssimo dentro de uma comunidade como Bom Despacho, ainda presa no conservadorismo e carente de revisão de conceitos. É fundamental que políticas públicas de inclusão sejam promovidas, garantindo a igualdade de oportunidades a todos, além da ampliação da representatividade negra nos espaços de poder e nas tomadas de decisão.

Graça e sua família vêm cavando essas oportunidades a unha. Urge nos unirmos a eles na busca de mais respeito à diversidade e maior compreensão das demandas dessa parcela da população. O preconceito racial já não cabe nos dias de hoje.

Essa luta não é somente da Graça e da sua linda família, com a qual estou tendo a honra de conviver de perto por causa do reinado. Essa luta é de todos e de cada um de nós e precisa ser enfrentada e superada.

(Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos arquivo pessoal Graça)

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