Crepúsculo e nova aurora do meu avô Mário Morais

Dias atrás fiz um passeio que há anos queria fazer: ir a Santo Antônio do Monte ver o Museu Magalhães Pinto, onde há um quadro do meu avô Mário Morais. Visitei também a casa de meu tio Bil, que está agora ficando muito em “Samonte”, junto ao filho Daniel. Na ocasião, Daniel mostrou-me uma carta que vovô Mário dedicou a ele, intitulada Aurora e Crepúsculo, datada de 1986: “meu neto Daniel completa três anos. Criança inteligente, saudável, irrequieta. Habituado a ver sempre satisfeitos os seus menores desejos, por vezes torna-se voluntarioso e tirano e destrói impiedosamente os seus melhores brinquedos.”

 

A pintura do rosto de meu avô, baseada numa foto, de autoria de Ivo Morato, está no museu José de Magalhães Pinto, situado no centro de Santo Antônio do Monte. O governador que deu nome ao museu, político da União Democrática Nacional, foi governador de Minas Gerais.

 

Foi emocionante ver o destaque que a cidade de Santo Antônio do Monte deu a Mário Morais, com seu retrato ao centro de uma sala e muitos livros, dentre os quais os seus, num antigo armário ao fundo. O casarão onde está o museu é o lugar onde nasceu José de Magalhães Pinto.

 

O ex-presidente da Academia Mineira de Letras, Vivalde Moreira, também montense, igualmente foi ali homenageado. A Academia foi chamada, anedoticamente, de “Academia Moreira de Letras”.

 

Na morada de Bil Morais, dei uma lida em seus muitos livros, entre os quais os de Pedro Rogério Couto Moreira. Pedro, jornalista de origem em Bom Despacho, trabalhou na Rede Globo nos anos 70 e teve muitas histórias para contar em seu livro Jornal Amoroso.

 

Em uma delas, Pedro Rogério conta que o presidente João Figueiredo era parente do escritor Guilherme Figueiredo, autor de um livro chamado Tratado Geral dos Chatos, ou seja, era alguém sem medo de gerar polêmica, característica que tinha em comum com seu primo presidente. A esposa de Figueiredo sentia-se retratada, junto ao marido, no casal do prefeito e da esposa do prefeito Odorico Mendes na telenovela O Bem Amado. E ficava incomodando Figueiredo. Ele estava lá na sauna e ela vinha aborrecê-lo, falando: “venha ver o que estão fazendo com a gente na televisão!”. O presidente Figueiredo, furioso, reclamou então junto de Roberto Marinho, que disse que, infelizmente, não poderia interferir na telenovela de Dias Gomes, pois poderia prejudicar o andamento do programa e causar-lhe prejuízos. Diretor de novela tinha um poder que hoje não tem.

 

Foi também encantador visitar a historiadora e escritora Dilma Moraes. Dilma já ocupou a secretaria de Cultura e Turismo de Samonte e é respeitada conhecedora da história de Santo Antônio e região. Recentemente resenhei o seu livro Laços de Amor e Chá Verde aqui nessa coluna, uma edição muito cuidadosa, com inúmeras fotos e texto primoroso. Foi citada, recentemente, na biografia de Hélio Garcia realizada pelo jornalista Itamar “Brasinha”. Dilma é nossa prima. Santo Antônio do Monte foi também a terra natal do poeta surrealista Bueno de Rivera (1911-1982), que hoje dá nome à sua biblioteca pública. Dilma Moraes, em seu livro Santo Antônio do Monte: Doces Namoradas, Políticos Famosos, destacou o poema Olhos Secos:

 

Não chego a ser um gemido entre o choro geral,

olhos enxutos, mãos no bolso, a displicência.

Vejo o baile nas janelas acesas.

Quanta alegria nos homens sem memória!

Outras janelas, o caixão, as velas no silêncio.

As cortinas como almas libertadas,

a lágrima da mãe no lenço preto.

Os meus passos doem, cantando na calçada.

As estrelas quietas ruminando as horas,

mas meus olhos aflitos e ninguém percebe.

O nó na garganta, o grito parado,

a brasa na cinza…

 

O poeta surrealista Bueno de Rivera hoje está muito esquecido (foi difícil encontrar o nome do poema, que não consta no livro de Dilma) e Bil contou-me que ninguém sabia onde ficava a biblioteca local, a biblioteca Bueno de Rivera. Em nosso encontro com Dilma, amadurecemos a ideia de um relançamento do livro Coqueiros e Outras Histórias, de Mário Morais, uma vez que em Santo Antônio do Monte ele foi reconhecido como o escritor/historiador que melhor tratou de Samonte nos anos 30, período em que viveu na cidade. Meu avô Mário Morais nasceu numa fazenda no distrito de Coqueiros, em Samonte. Ele chegou a voltar lá onde viveu sua infância, mas a fazenda deixou de existir e agora o lugar onde morou quando criança já era uma área tomada por um matagal.

 

Espero, então, em futuro breve ver o relançamento de Coqueiros, memórias de Mário Morais, há muito esgotado. Informarei meus leitores a respeito. Mário, que já teve seu crepúsculo, terá oportunidade de uma nova aurora. (Portal iBOM / Foto: Arquivo Lúcio Emílio Júnior).

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