Escolhas, conquistas e a moto da Rosângela

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Falar sobre beleza estética feminina e autoestima parece ser sempre um lugar comum e óbvio. Tudo que pode ser dito a respeito soa como clichê. No entanto, cada vez mais, acho necessária essa abordagem.

Que tenhamos espaço para cuidar desse tema, seja em locais públicos, em assuntos privados, em debates ou simples rodas de conversa, desenvolvendo nosso olhar para o que de fato é belo e importante.

Os padrões de beleza não são estáticos, tampouco tratam-se de uma invenção atual. Cada tempo, a seu modo, teve sua exigência e seus padrões de beleza.

Hoje, no entanto, com a facilidade da circulação de imagens e amplificação da exposição nas redes sociais, a exigência do “esteticamente belo” parece ter se intensificado.

A busca pelo corpo sarado, os filtros das redes sociais, os procedimentos cada vez mais modernos, as técnicas de maquiagens, cirurgias, academias… tudo isso pode ser maravilhoso, mas nos tem imposto, de forma progressiva e assustadora, uma ditadura da beleza, limitando nossas escolhas e inibindo nossas belezas e talentos naturais. Passamos a exigir de nós e dos que nos cercam que sejamos todos lindos, maquiados, magros e felizes.

Para muitos e, particularmente para as mulheres, tem sido difícil manter a sanidade em um mundo tão competitivo em termos estéticos, onde a mídia produz uma avalanche de itens consumíveis e milagrosos de imagens padronizadas.

Passamos a travar, além de todas as outras lutas diárias, que não são poucas, uma batalha cruel contra nós mesmas, contra a ação do tempo, contra nossas pequenas imperfeiçoes e peculiaridades.

Passamos a duvidar da nossa beleza, do nosso brilho, das nossas capacidades, caso eles não estejam vinculados aos padrões pré-determinados.

O grupo Omana

Aqui em Bom Despacho temos um grupo muito especial de mulheres que se chama Omana. Nos encontramos poucas vezes, mas a ideia é amiudar o intervalo entre as reuniões, conversar e trazer à tona o feminino e suas essências.

Trocamos informações sobre livros, experiências, alegrias, batalhas, limitações.

A pretensão é, cada uma com sua contribuição, criarmos juntas uma rede de apoio e fazermos um movimento reverso a esse que vem nos sendo imposto historicamente.

A partir desse grupo eu entendi por bem eleger mulheres que admiro, contar suas histórias, suas lutas e expor suas belezas.

Rosângela Santos
Rosângela Santos

Rosângela Cristina dos Santos, nascida em 30 de setembro de 1986 é filha caçula de Margarida Alexandrina Rosa dos Santos e Pedro Afonso dos Santos, irmã de Rone e Rodrigo e mãe “solo” de Lucas e Victor.

Rosângela transita, lindamente, entre suas escolhas. Sempre foi uma espoleta, morena, cabelos cacheados e dona de uma possibilidade de comunicação única.

Meu ponto de encontro com ela é, geralmente, na Praça da Matriz, onde faz a limpeza diária do entorno, como funcionária concursada da prefeitura, no cargo de serviços gerais, desde 2007.

Criada na religião católica e, hoje, umbandista por opção, narra, de forma emocionante a redescoberta de sua religiosidade, dos tambores, da espiritualidade e dos rituais da nova fé que professa.

Conta que explicou à sua mãe, inicialmente chocada, que a forma de professar sua fé não passava por uma alteração dos seus valores, do seu caráter e de sua afetividade. Que ela era a mesma Rosângela, fiel, amorosa, dedicada e temente a Deus. Apenas encaixava-se melhor naquela outra forma de fazer contato com o divino.

Criou com toda sinceridade, garra e sabedoria os seus dois filhos, hoje quase adultos. Dentro de suas possibilidades, mostrou-lhes o mundo, as lutas necessárias e as essências da vida. Mesmo com o pouco que ganhava e sem a ajuda dos pais biológicos dos meninos, achou tempo e dinheiro para proporcionar-lhes viagens em excursões locais, idas a pizzarias e sorveterias e até uma visita ao mar.

Há pouco mais de um ano, depois de muitas frustrações e sofrimentos na vida afetiva, encontrou seu novo companheiro de vida, Kauan, um menino trans, 13 anos mais novo, que só faz acrescer aos seus projetos de vida. Todos os dias, Kauan ajuda Rosângela a compreender o quanto ela é linda e o quanto é gostoso sentir-se amada.

Há pouco tempo Rosângela comprou uma moto. Essa moto possibilita uma infinidade de coisas, inclusive levar ao médico, à hidroginástica e a simples passeios a sua mãe, que mesmo com 70 anos de idade percorre toda a cidade na garupa da filha.

Sonhos Rosângela ainda tem muitos: acabar de direcionar os filhos, que aos poucos estão tornando-se independes, adquirir uma casa própria, comprar duas cadeiras de balanço para sentar-se com o Kauan na porta de casa, fazer curso superior de Assistente Social e seguir curtindo a vida junto aos seus.

Simples e verdeiro assim. Sem filtros, sem exigências mirabolantes, sem imposição de perfeição. Apenas buscando conquistas, afetos, crescimento, descobertas e prazeres diários. (Portal iBOM / Fotos: Arquivo pessoal Rosângela Santos).

Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal

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