O que ir buscar um cigarro não é capaz de causar na vida

ALEXANDRE MAGALHÃES – Há exatos três anos, no dia 24 de outubro, minha vida começou a mudar. Neste dia de 2017, conheci minha futura namorada bom-despachense. Pobre dela e feliz de mim!

Como já contei neste espaço, adoro entender como a vida vai sendo construída por pequenos encontros e desencontros. Nesta minha história com e em Bom Despacho, muitos encontros aconteceram. Apesar de alguns dos raros leitores e raras leitoras já conhecerem alguns dos pormenores desta história, sempre gosto de repeti-la.

Primeiro, quero relembrá-los de como entendo a vida: como uma sucessão de pequenos acontecimentos. O melhor exemplo disso é o filme “Smoking, non smoking” (fumar ou não fumar) do cineasta Alain Resnais. No filme, uma mulher está em casa e decide sair para ir ao centro da cidade. Ela chega até o portão da casa e repara que está sem o maço de cigarros. Aqui o filme de Resnais bifurca pela primeira vez: 1) ela volta para dentro de casa para pegar os cigarros e ao sair novamente encontra um jardineiro que se oferece para cuidar de suas plantas. Com o tempo acabam se apaixonando; 2) ela não volta para dentro de casa para pegar os cigarros e vai ao centro, planejando comprar novos cigarros lá. Ela, portanto, não encontra o jardineiro e não se apaixona por ele.

O filme continua com ela casada com o jardineiro e com ela sem ter conhecido este profissional. Acontecem fatos simples e cada história vai bifurcando. O filme termina com dezesseis finais diferentes, pois cada decisão da personagem acaba mudando sua vida.

A vida, para mim, é exatamente assim. Vou contar o meu “Smoking, non smoking” para vocês que me dão a honra da leitura.

Em 2017, prometi a minha filha Isabella, então com doze anos de idade, que a levaria para ver as baleias em Abrolhos. Querendo aproveitar as férias de julho, tentei comprar o pacote para ficar em alto mar (Abrolhos é um parque no meio do oceano Atlântico) alguns dias. Tudo lotado. Comprei, então, muito a contragosto, um pacote para outubro. Queria ir no começo de outubro, mas não havia barco saindo na data que eu queria, já que fora da temporada de férias diminuem os clientes e, por consequência, o número de barcos fazendo o passeio. Comprei para a única data disponível, 19 de outubro, apesar de ser no meio do período letivo da Isabella, que é aluna, e do meu período letivo, que sou professor.

Chegamos, eu e minha filha, dois dias antes da data da saída do barco, para conhecer a região, ficar na praia e, enfim, curtir um pouco a vida. Na segunda noite na cidade de Caravelas, conheci um pastor evangélico no restaurante e ele, segundo me contou a garçonete, com sérios problemas mentais, assediou minha filha, exigindo que ela desse o número de seu celular para que ele pudesse enviar mensagens religiosas. Prometi nunca mais voltar àquele restaurante.

Depois de passar quatro dias em alto mar com minha filha, voltamos para a cidade de Caravelas e ainda teríamos uma noite lá antes de voltar a São Paulo. Como havia prometido não ir mais ao primeiro restaurante, perguntei ao piloto do barco se havia outro restaurante na cidade. Apesar de Caravelas ser muito pequena, havia outro restaurante. Fomos jantar nele. O local estava às moscas, apenas eu e minha filha jantando. Aparecem minha futura namorada bom-despachense e sua filha em idade escolar, portanto, não deveria estar ali e sim na escola. Percebo que querem informação sobre a viagem de barco até Abrolhos. Eu e minha filha ficamos na dúvida se chamaríamos ou não aquelas duas desconhecidas para conversar sobre o passeio. Acabamos pedindo para a garçonete perguntar a elas se não gostariam de sentar-se conosco, pois poderíamos ajudá-las com informações sobre a aventura até Abrolhos. Elas aceitaram.

Nossas filhas acabaram trocando seus números de WhatsApp, o que levou os adultos a terem contato alguns dias depois. Desse contato surgiu um convite para ir a Bom Despacho, o qual foi aceito. Depois de três anos desse encontro fortuito no restaurante em Caravelas, estou eu aqui contando a história desse começo de namoro.

Vejam quantos pequenos “voltar ou não voltar para apanhar o cigarro dentro de casa” ocorreram: 1) se houvesse vaga para viajar durante as férias escolares, que era minha preferência, não teria encontrado minha futura namorada bom-despachense e, provavelmente, morreria sem ter ouvido falar em Bom Despacho; 2) Se tivesse qualquer outro barco saindo antes do dia 19 de outubro, eu teria preferido, pois as baleias vão embora ao final de outubro. Como não havia outros barcos, mas apenas o que comprei o pacote turístico, acabei voltando para Caravelas no dia 24 de outubro, dia do jantar; 3) se o pastor evangélico não tivesse aparecido no primeiro jantar, eu e minha filha teríamos voltado para o mesmo local quando desembarcamos; 4) minha futura namorada bom-despachense foi de taxi para Caravelas, pois sua filha havia perdido o RG e não conseguiram embarcar no ônibus que as levaria de Porto Seguro a Caravelas. Se tivessem ido de ônibus, talvez estivessem mais cansadas e decidissem comer na própria pensão que se instalaram; 5) se tivessem desconfiado de mim e de minha filha, algo que eu faria por viver em São Paulo e ver maldade em todas as pessoas, não teriam sentado à nossa mesa; 6) se eu tivesse levado à sério minha promessa de nunca mais namorar depois que me separei da mãe de minha filha, não teria aceito o convite para ir a Bom Despacho; 7) se eu não tivesse ido naquela data para Caravelas, não tivesse conhecido o pastor evangélico, não tivesse trocado de restaurante, eu não estaria ocupando este espaço no Jornal de Negócios.

Não sou daqueles que acreditam no destino. Acredito que cada ação que faço muda um pouquinho minha vida futura. As ações que me levaram a estar em Caravelas no dia 24 de outubro de 2017, me fazem hoje um dos homens mais felizes de São Paulo e de Bom Despacho!

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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