Presentinhos de Papai Noel: vivendo experiências incríveis
ALEXANDRE MAGALHÃES – Há quase quarenta e dois anos, em 1983, recebemos dois presentes da vida. Ao abrir os dois pacotes, minha mãe e meu pai perceberam que os presentes tinham pequenos defeitinhos, não de fabricação, mas arranhões e amassados adquiridos alguns dias antes da entrega, fruto da imperícia de um profissional experiente que havia ajudado a entrega de três outros presentes em anos anteriores.
Apesar dos defeitinhos, minha mãe e meu pai amaram os presentes, que se tornaram os seus preferidos durante toda a vida a partir daquele momento. Os presentinhos nunca foram consertados e acompanharam meu pai por 34 anos ininterruptamente. Minha teve mais sorte e brincou com os presentinhos por quarenta anos. O amor pelos presentinhos foi tamanho que tanto minha mãe, quanto meu pai não passaram um único dia sem brincar com eles, sem cuidá-los, sem limpá-los, sem observá-los, sem lutar para que os presentinhos ganhassem autonomia, tivessem amor e não se estragassem mais.
Quando meu pai, no começo de 2017, parou de brincar com seus presentinhos favoritos, minha mãe quis continuar brincando com eles e não aceitou que os outros filhos cuidassem dos presentinhos. Ela achava que os presentinhos, por terem pequenos defeitinhos, só ela sabia brincar direito com eles. Brincava todos os dias, desde muito cedo, acordando umas 5:00 horas, e não os largava até a hora de deitar-se, nunca antes das 23:00 horas. Sempre que os outros filhos tentavam ajudar na brincadeira com os presentinhos, ela não permitia. Julgava que os defeitinhos eram muito especiais e que só ela deveria ter o prazer das brincadeiras e alegrias proporcionadas pelos presentinhos.
Quando minha mãe, no final de 2023, parou de brincar com seus presentinhos favoritos, finalmente os outros filhos puderam brincar com eles. No começo, não foi fácil aprender a brincar, entender como funcionavam aqueles presentinhos tão diferentes daquilo que a maioria considera um presente normal.
Nestes quatorze meses de aprendizado diário, muitos botões foram apertados incorretamente, muitas alavancas foram apressadamente puxadas, erros que meu pai e minha mãe não cometiam, experientes que eram no cuidado diário de seus presentinhos.
O maior aprendizado nestes quase quarenta e dois anos é que muitas vezes Papai Noel entende errado nossas cartinhas e pedidos. Ou, quem sabe, a verdade seja que quem recebe os presentes da vida muitas vezes tenta mudar as características de seus presentinhos, ao invés de aceitá-los como são.
Muitas vezes, ao não entender direito como funciona cada presentinho ganho, perdemos a chance de viver experiências incríveis, alguns momentos maravilhosos. Alguns momentos são experiências duras, que mudam nossas vidas por completo.
Alguns presentes são para uso ocasional, enquanto outros são para uso constante. Alguns presentes são de uso pouco intenso, enquanto outros são para estarem intensamente em nossas vidas. Alguns destes presentinhos não nos marcam muito, quase não deixam lembrança. Outros, ao contrário, são lembranças diárias, horárias, minuto a minuto nos trazendo ações necessárias e muitas emoções.
Não dá para negar que quando os presentinhos com pequenos defeitinhos chegaram, houve revolta, choro e questionamentos. Mas, também não dá negar que ao olhar meu pai e minha mãe mudando totalmente suas vidas, aceitando que a partir daquele momento as brincadeiras seriam outras, diferentes, inigualáveis, muitas vezes incompreensíveis para a grande maioria das pessoas, aceitássemos aquilo que a vida nos reservou.
Assim como é impossível entender como o Papai Noel escolhe quem recebe cada presente, é impossível imaginar minha vida sem a convivência diária com os presentinhos recebidos por meu pai e minha mãe há muitos natais, lá nos idos de 1983.
Para os raros leitores e raras leitoras que estão meio perdidos neste texto: meu pai Celestino e minha mãe Leonor tiveram dois filhos gêmeos, o Daniel e o Rafael, que por erro médico nasceram com deficiência mental. Mais leve no caso do Daniel, que nasceu primeiro e de parto normal, e muito severa, no caso do Rafael, que nasceu de parto cesárea. Os outros filhos, eu, Eduardo e Daniela, continuamos o trabalho de meus pais e brincamos com esses presentinhos especiais diariamente.
Pelo segundo ano seguido, carrego um dos presentinhos para passar o Natal em Bom Despacho, cidade onde o Rafael se sente muito melhor que em São Paulo, pois há muito mais gente para brincar com esse presentinho tão especial. Esse ano, o Daniel não veio, e está brincando com meus outros irmãos.
Feliz Natal a todos os bom-despachenses! Especialmente para aqueles que tiveram a sorte de receber do Papai Noel presentinhos com pequenos defeitinhos. E que todos os presentes sejam sempre especiais! (Portal iBOM / Alexandre Sanches Magalhães / Foto: arquivo da família).