Os escritos vivos de Herbert Magalhães

 

LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – “O resgate de nossas origens é de fundamental importância para as futuras gerações. Garimpar e guardar aquilo que nos representa tem um valor sem preço.” Essa frase – poderia ser o lema de minha coluna – é que abre o livro Escritos Vivos (Divinópolis, 2021, Editora Adelante), de autoria do recentemente falecido coronel Herbert Magalhães. O nome “Geração Pita” é o título do capítulo inicial, uma homenagem ao pai, Epitácio, apelidado Pita, jogador de futebol na juventude (considerado um craque na cidade). São muito encantadoras essas crônicas, que são uma verdadeira cápsula do tempo:

“Naqueles anos 50, correr para detrás do muro da Vila, ver o carro de bois gemer; assistir às jardineiras que transitavam na mesma estrada poeirenta com destino a Abaeté, Dores e Martinho Campos; fugir dos deveres escolares para jogar bola e ficar na espera do Pita aparecer para buscar-me pelas orelhas; fugir até o goiabal para colher frutas, enfim muitas saudades”.

Herbert guardava a lembrança do bangalô onde viveu com a família, Chalé 6, rua Tenente Garro, Vila Militar. Mudaram-se para um bangalô. Herbert recolhe a doce lembrança de sua mãe, dona Nenzinha, a costurar junto a seus filhos. Como eram nove irmãos (!) ele recorda como a situação da família era apertada, inclusive tinha de comer, por vezes, mamão verde “afogado”, pois nem sempre comiam carne. O pai, curiosamente, tentou criar porcos em casa, mas isso trouxe mosquitos e mau cheiro.

Muito emocionante para mim foi reencontrar no livro de Herbert a lembrança de um personagem com que meu pai, Lúcio do Espírito Santo, iniciou seu breve período como cronista aqui no Jornal de Negócios, o “Fidirico”, o “Alemão da Colonha”. Esse personagem foi homenageado numa crônica chamada Bolo do Fridrico:

“Também não esqueço do Fidirico, o “Alemão da Colonha”, quando aparecia no final da rua, montado em seu burro vindo entregar o leite, na porta de cada um. A meninada atrás cobrando o bolo por ele prometido. Às vezes premiava um deles (MAGALHÃES, 2021, p. 15)”.

Curiosamente, meu pai foi citado elogiosamente nesse livro de Herbert Magalhães. Essas suas memórias são preciosas como memórias do passado de nossa cidade. Ele recorda o “Tirobis”, rapaz que marcou época nos anos 60 e 70. Ele andava com estilingues pendurados no pescoço e papavento na mão. Dava um tapa no traseiro dos passantes. Tirobis foi cunhado de Herbert Magalhães e, embora desse trabalho para a família, era uma boa pessoa, temente a Padre Libério. Herbert foi a missas de Padre Libério e relata sua voz mansa e suas desventuras. Padre Libério, a seu ver, foi deslocado de Leandro Ferreira para Pará de Minas, pois a Igreja buscou reverter a situação, não acreditando em seus milagres. Dona Nenzinha, mãe de Herbert, chorou de alegria ao descobrir que havia o processo de beatificação de Padre Libério. Era marcante, para ele, a “Procissão do Enterro”. Ela acontecia depois da Procissão do Encontro. Era uma procissão que tinha imenso significado, a cidade toda participava. Ela ia da Matriz até a Igreja do Rosário. É interessante a memória sonora:

“A banda do Batalhão tocando marchas fúnebres. As matracas assustando e acordando os bebês. A coleta de donativos passando continuamente. Todos fiéis com velas acesas. Alguns fiéis pagando promessas. Outros fazendo os percursos descalços, com um peso na cabeça e outro tipo de castigo. Rezar o terço e a ladainha era uma visão fantástica. Na Matriz os sinos tocando (MAGALHÃES, 2021)”.

Além da recordação da quarentena “infantil, doce e santa”, Herbert sente grande carinho e preocupação pelo patrimônio representado pela Vila Militar. Ela começou, segundo ele, em 1921, como Vila Operária, para abrigar os operários da Estrada de Ferro Paracatu. A Vila Militar, propriamente dita, começou com um batalhão de caçadores. Ele foi instalado em 1931 pelo governador Olegário Maciel, preocupado com as iniciativas dos paulistas, como Sétimo BCM. Ele contava que ela é constituída de “Bangalô” e “Vila”. No passado, inclusive, havia uma divisão muito notável no futebol: “era um jogo duro, mas leal, naquele campinho de terra, atrás do muro”. É muito oportuno que Herbert Magalhães tenha escrito essas crônicas e lembranças. Que Epitácio e Nenzinha, seus pais, estejam abençoando esse grande cronista Herbert Magalhães.

Recentemente, Herbert nos deixou, para tristeza de uma legião de amigos que aqui ficaram. No céu uma comitiva o esperaria, liderada por Pita e Nenzinha. Lá estaria Tirobis e o seu bodoque, uma fileira de tios e primos em revoada, amores idos e vividos, enfim uma grande e celestial recepção.  (Portal iBOM / Lúcio Emílio Júnior é filósofo, professor e escritor / Foto: arquivo da família).

 

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