Natal tropical: uma estrela maior para todos nós
Mesmo sob o calor tropical, às vezes acompanhado de chuvas torrenciais que nos mantêm ilhados em casa (…), o Natal em Bom Despacho é uma celebração única
VANDER ANDRÉ – O calor é intenso, o sol brilha radiante. Neve? Isso é coisa distante, algo que nunca se viu por aqui, desde que me entendo por gente, exceto nos filmes comuns nesta época como o icônico “Esqueceram de mim” numa requentada (com o perdão do trocadilho) sessão da tarde global. Ainda assim, os sinos tocam jingle bells e o espírito natalino toma conta de Bom Despacho, trazendo a magia do Natal mesmo sob o clima tropical. É uma celebração amplamente valorizada entre os cristãos que aqui vivem.
As vendas aquecem o comércio local, que resiste ao crescimento exponencial das compras virtuais. As lojas, protegidas por toldos gigantes que sombreiam as calçadas (nem sei dizer se eles são permitidos em leis municipais, apesar de necessários), enfrentam a sazonalidade com criatividade. Entre as vitrines decoradas, destaca-se uma ostensiva homenagem à cultura finlandesa e aos lapões: são pinheiros, cenários de nevasca, bolas coloridas, laços, fitas e muito mais, complementados por presépios, anjos e outros enfeites natalinos, em sua maioria made in China, quem diria, onde o cristianismo nem é uma religião predominante.
Na Praça da Matriz, cujo projeto arquitetônico foi assinado nos anos 1970 pela renomada arquiteta Freusa Zechmeister, figurinista do Grupo Corpo — falecida no último dia 7, a quem presto esta homenagem póstuma —, um trenó de acrílico puxado por uma rena colorida rouba a cena durante o dia, pois à noite são as luzes que se prestam a “natalizar BD” e atrair a curiosidade de toda a gente. O cenário desperta sorrisos e encantamento não apenas nas crianças, mas em muitos adultos, esperançosos por mais um bom Natal, repleto de lembranças e, por que não dizer, presentes de amigos ocultos ou não.
Entre os frequentadores da Praça da Matriz, destaca-se Lalado Vaz, figura singular da comunidade e mestre das prosas ao entardecer naqueles bancos em frente ao antigo Hospital Doutor Miguel. Com sua gentileza característica e sorriso largo, ele encarna o papel de Papai Noel dos trópicos. Sentado em um trenó que soa exótico para quem cresceu ao som de carros de boi e charretes, Lalado convida todos a celebrarem a união e a alegria desta época do ano, além de aproveitar o vídeo que viralizou nas redes sociais para ouvir seus causos no podcast PodBom e reclamar da falta de energia (quem diria, nesta época, tão vital) da Cemig. ASSISTA CLICANDO AQUI.
Curioso que sou, fui pesquisar a origem da imagem do Papai Noel em seu trenó puxado por renas e descobri que ela foi popularizada em 1822 pelo professor de literatura grega Clemente Clark Moore. Ele escreveu o poema Uma Visita de São Nicolau para seus seis filhos, difundindo a ideia do bom velhinho viajando pelos céus. O icônico traje vermelho e branco do Papai Noel, para frustração dos que desejam reinventá-lo, travesti-lo em cores exóticas, incluindo o verde ou o neutro branco, nada tem a ver de ideologias comunistas, longe de qualquer associação política. As cores ganharam notoriedade em 1931, graças a uma campanha publicitária da Coca-Cola, que deu nova vida à criação do cartunista alemão Thomas Nast, de 1863.
Além da Praça da Matriz, outros pontos turísticos de Bom Despacho brilham como o Sol, nossa estrela maior, com a iluminação natalina. A Capela da Cruz do Monte, a Igreja do Rosário, do São Vicente, a Maria-Fumaça, o Engenho do Ribeiro e até a Câmara Municipal e sua árvore locada, reluzem, tornando-se cenários mágicos que encantam moradores e visitantes, que não economizam em selfies e fotos publicadas e marcadas com hasthags memoráveis na instantaneidade do “insta”.
Mesmo sob o calor tropical, às vezes acompanhado de chuvas torrenciais que nos mantêm ilhados em casa (ah, que privilégio) e estimulam a compra de sombrinhas e guarda-chuvas, o Natal em Bom Despacho é uma celebração única. Une tradições universais ao acolhimento e à vibração típicos da nossa terra, aqui no cerrado das Gerais, adaptando com criatividade os elementos pomposos da tradicional cultura do hemisfério norte à nossa realidade cotidiana. Como diria o escritor modernista Oswald de Andrade, isto é antropofagia cultural em ação por aqui nos trópicos, onde temos, sem necessidade de importação, um sol para cada um… (Portal iBOM / Vander André Araújo / Foto: arquivo).