Ainda sobre as diferenças entre Bom Despacho e São Paulo

 

ALEXANDRE MAGALHÃES – No artigo anterior abordei algumas diferenças culturais entre os nascidos em Bom Despacho e São Paulo. Digo nascidos e não moradores, pois há uma quantidade enorme de imigrantes e migrantes, que carregam sua cultura pelo resto da vida, mesmo morando em São Paulo.

Abordei no último texto as diferenças de conviver com aniversários, padrinhos, olhar as pessoas nos olhos, andar no passeio ou na rua e o número de animais domésticos, como cachorro e gato, nas ruas.

Hoje, vou tratar de mais algumas diferenças culturais entre minhas duas cidades preferidas, Bom Despacho e São Paulo.

 

Resolver problemas com órgãos públicos

Em São Paulo, pelo tamanho da população, com vinte milhões de pessoas morando no centro da cidade ou na Grande São Paulo, quase não temos contato com decisores públicos, como prefeito, secretários, chefes de gabinete, decisões de órgãos federais ou estaduais. Por isso, a maneira mais comum de resolvermos problemas que envolvam órgãos públicos, como aposentadorias, consultas médicas, multas municipais, estaduais ou federais, entre muitas outras situações, é pegar a fila e esperar nossa vez.

Em Bom Despacho, vejo muita, mas muita gente resolvendo seus problemas buscando os decisores diretamente. Como a cidade é menor e as relações familiares contam muito, ouço relatos de pessoas que conversam com amigos influentes e “somem” com o problema. As histórias que ouvi e ainda ouço envolvem passar na frente dos outros em filas, ser perdoado em multas e taxas em geral, ajeitar uma aposentadoria que está demorando muito, encontrar um caminho mais curto para ser atendido, entre muitas outras narrativas.

Estes dias, uma senhora conversava com um conhecido meu, natural de Bom Despacho, e pedia a ele que ligasse para um sujeito muito conhecido no município e um decisor de sua área, para pedir um favor para resolver um imbróglio envolvendo um órgão público. Em algum momento, achando a situação muito constrangedora, comentei com a senhora que o favor solicitado era crime, pois beneficiaria a ela, mas prejudicaria outras pessoas. Ela, sem demonstrar nenhum abalo, comentou que sabia que era ilegal o que pedia, mas que em Bom Despacho era assim e arrematou: “aqui, quem tem contato e família ‘boa’, resolve tudo mais rápido”.

Quanta diferença!

 

Conversar ou não na academia

Em São Paulo, o único barulho ouvido em uma academia de ginástica é o som dos ferros batendo um no outro, além da tradicional música de academia. Raramente, escutamos gente conversando durante o treino. Geralmente, as pessoas falam “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” ao chegarem e deixam um “tchau” quando saem do local. Sempre apressados, o paulistano quer terminar logo a “obrigação” e sair o mais rápido que puder, ou para trabalhar, ou para voltar a sua casa ou para um compromisso.

Aqui em Bom Despacho, frequentei alguns anos a academia Boa Forma e há pouco mais de um ano, uso a academia da Praça de Esportes. Em ambas, as pessoas revezam conversas e exercícios. Algumas pessoas vão sempre em grupo para malhar, o que nunca observei em São Paulo, onde a musculação parece ser uma atividade bem individual.

Acho muito diferente o hábito de conversar à distância na academia, com as pessoas (não apenas duas pessoas, mas muitas vezes um grupo de conversadores) mantendo diálogos com cada membro em uma parte da academia. Divirto-me com isso, pois é muito diferente da maneira paulistana de conversar.

Também é muito impactante para mim perceber que na academia quase todos são conhecidos ou amigos, pessoas da qual conhecemos a família, o marido, a esposa, os filhos e dados da vida privada. Em São Paulo, apesar de frequentar a mesma academia há uns cinco anos, sei o nome de umas três pessoas, mas de nenhuma delas eu conheço detalhes da vida, como situação marital, filhos, profissão ou outros dados. Na verdade, só conheço um pouco mais o dono da academia, mas nada muito profundo.

Quanta diferença!

 

Comer frutas apanhadas no pé

Em São Paulo, frutas são compradas no mercado ou na feira pública. Raramente, alguém tem árvores frutíferas em seus quintais (ou terreiros, como dizem em Bom Despacho), pelo simples fato de que uma parte enorme da população vive em edifícios e não em casas. E, quando vivem em casa, como é o caso de minha mãe, o quintal é coberto com piso e não com terra, o que facilita ser limpo e serve para guardar o veículo da família. Sem árvores frutíferas.

Na avenida onde moro em São Paulo, há alguns pés de frutas plantadas pela prefeitura. Há jaqueiras, pitangueiras, limoeiros, laranjeiras, amoreiras, framboeseira, goiabeiras, entre outras opções, mas raramente as pessoas param para apanhar as frutas. Tenho a impressão de que muitos até têm vontade de saborear o delicioso presente da natureza, mas sentem uma certa vergonha de fazer isso em público.

Em Bom Despacho, ao contrário, vejo pessoas sob as árvores apanhando as frutas e as comendo ali mesmo. Meu sogro e minha namorada, na época das goiabas, chegam a mudar de caminho, só para consumir o maior número de goiabas possível, sejam brancas ou vermelhas. E o fato de o pé da fruta estar em um quintal privado, não impede o ataque feroz à delícia.

Já presenciei um grupo sob uma goiabeira que indicavam uns aos outros onde havia outros pé da fruta no bairro.

Quanta diferença!

 

Sentar-se à porta das casas

Em São Paulo, há muitos anos não vejo paulistanos sentados à porta de suas casas em alegres conversas. Primeiro, porque os vizinhos não se conhecem e nem têm muita vontade de saber quem são aquelas pessoas que moram perto. Segundo que o risco de assalto para pessoas paradas no portão de suas residências é alto.

Já contei aqui neste espaço que morei sete anos no mesmo andar de outras três famílias e nunca soube nada sobre estas pessoas. Típico de um paulistano.

Em Bom Despacho, é muito comum encontrar pessoas sentadas em frente suas casas, especialmente à noite, em conversas com seus familiares ou vizinhos.

O hábito é tão arraigado, que há vários bancos fixos na porta de várias casas, lugares que ficam 24 horas à disposição dos moradores.

Quanta diferença!

Como comentei no artigo anterior, nenhuma das diferenças é necessariamente boa ou má, são apenas maneiras culturais de encarar a vida. Que bom que posso viver nas duas cidades simultaneamente. Que sorte!

E quanta diferença!

 

 

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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