Pelé não morreu e não morrerá. Pelé é eterno.

 

ALEXANDRE MAGALHÃES – A música “Pelé”, composição do grupo Palavra Cantada começa com o narrador Pedro Luiz dizendo: “Orlando para Pelé, Pelé domina no peito, toca de calcanhar para Zagalo, Zagalo prepara-se, vem Pelé, levantou, Pelé entrou de cabeça para o arco e goooolllll, Pelé, com uma cabeçada extraordinária marca o quinto gol do Brasil. Brasil campeão do mundo”.

Ao final desta curta narração do quinto gol de Pelé na final da Copa do Mundo da Suécia, em 1958, primeiro torneio vencido pelo Brasil, começa a canção “Pelé”, que tem esta letra: “Você aí que diz que sabe tudo de bola / Que é craque até em jogo de botão / O que eu vou te contar / Não se aprende na escola / São coisas de uma outra dimensão / Aconteceu no tempo em que seu pai ainda era um garotão / E o futebol passava só no rádio / Nem tinha televisão / Era um moleque negro / Que brilhava nos campos / Tão pobres lá de Três Corações / Foi contratado pra jogar no time dos Santos / E convocado pra seleção / Com dezessete anos era um craque / Como nunca ninguém viu / E o mundo inteiro descobriu o Brasil / Ele é ele é ele é / O nosso rei da bola, o rei Pelé / Ele é ele é ele é / O rei de toda a Terra / Que conquistou a coroa / Pelo toque de seu pé / Quando ele entrava no campo / O outro time tremia / Só de ver o rei se aquecer / Por que nesse momento / Todo mundo sabia Que com ele era pra valer / Tinha goleiro que até rezava / Para ele não se aproximar / Tinha zagueiro mau que quando entrava / Era pra machucar / Nenhum grandão inglês / Nem cabra pernambucano / Ninguém intimidou nosso rei / E ainda mais se o cara fosse corintiano / Aí ele entortava de vez / Se ele decidia ir sozinho / Não dava pra segurar / Mas era generoso e dava a bola / Pr’um companheiro marcar / Ele é ele é ele é / O nosso rei da bola, o rei Pelé / Ele é ele é ele é / O rei de toda a Terra / Que conquistou a coroa / Pelo toque de seu pé / Como é que uma canção pode contar a magia / Da cada toque que ele inventou / Num monte de palavras e numa só melodia / Num dá pra descrever nem um gol / E olhe agora o que eu vou te dizer /Você não vai acreditar / Porque ele marcou mil e tantos gols / E foram todos de arrasar / E pra comemorar ele saia correndo / Com todo time dele atrás / No auge da alegria ele vibrava pulando / No alto dava um soco no ar / Um soco da glória da vitória / De quem sabia ganhar / E pra ganhar tem que saber perder / Para poder se superar / Ele é ele é ele é / O nosso rei da bola, o rei Pelé / Ele é ele é ele é / O rei de toda a Terra / Que conquistou a coroa / Pelo toque de seu pé”

O raro leitor e a rara leitora podem ouvir esta música CLICANDO AQUI. 

Edson Arantes do Nascimento deixou-nos na quinta-feira, 29 de dezembro de 2022. Nunca vi Pelé jogar presencialmente. Não me lembro da Copa do Mundo de 1970, pois tinha três anos de idade à época. Quando comecei a amar o futebol, Pelé já havia parado de jogar.

Porém, Pelé sempre foi a referência esportiva, a meta a ser atingida.

Neste triste texto, vou tentar dividir memórias minhas que envolvem o eterno rei no futebol.

Quando eu era criança e Pelé tinha acabado de parar sua gloriosa carreira como profissional do futebol, minha mãe dizia para todos que nos visitavam: “você viu que agora toda igreja tem uma foto do Pelé?” E completava a piada: “é que ninguém acredita em Santos sem Pelé”. Claro, nesta idade eu não tinha ideia de quem era o craque.

Meu tio Wladimir, casado com a irmã de meu pai, minha tia Maria Alice, era um corintiano doente. Mas, contava muitas histórias de partidas que viu Pelé jogar. Repetiu durante toda minha infância a história de um Corinthians X Santos, na Fazendinha, minúsculo estádio do Timão, com capacidade para dez mil pessoas apenas. Segundo meu tio Wladimir, o Corinthians ganhava o jogo por 1 X 0 e Pelé recebeu a bola na defesa do Santos, driblou o time adversário inteiro e não fez o gol. A torcida do Corinthians, que ficava muito perto do campo, já que o estádio era minúsculo, começou a provocar o Rei. Em algum momento, Pelé teria olhado para a torcida e feito gesto pedindo para esperarem um minuto. Repetiu a jogada, driblou a todos e desta vez, fez o gol. Segundo meu tio, olhou novamente para a torcida e disse algo como: “esperem que tem mais”. Fez mais um gol e o placar final foi Corinthians 1 X 2 Santos, com dois gols de Pelé. Segundo meu tio, Pelé era sobre-humano.

Quando eu era bem jovem, tínhamos um vizinho que era executivo de uma empresa multinacional que patrocinava o Pelé. Em casa nos referíamos a ele como o marido da Ludoerte, sua esposa. Minha mãe e a Ludoerte eram muito amigas e eu, ocasionalmente, ia com minha mãe à casa do casal. Sempre que entrávamos na sala, minha mãe comentava, olhando uma fotografia enorme na parede que mostrava o marido da Ludoerte e Pelé: “que inveja de seu marido, queria eu conhecer o Rei”. Recordo-me que havia outras fotos nas paredes da casa, todas muito menores do que aquela na qual aparecia Pelé. Ludoerte e filhas tinham pequenos retratos e aquilo me incomodava. Um dia perguntei a minha mãe por que a família tinha retratos pequenos e um estranho tinha uma foto gigantesca no local mais nobre da sala. Minha mãe respondeu um pouco impaciente: “qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, se tivesse uma foto com Pelé, a colocaria no centro da sala. Pelé é Pelé”. Hoje, entendo perfeitamente o raciocínio de minha mãe.

Uma vez, quando eu trabalhava no IBOPE, ajudei o jornalista Juca Kfouri com uns dados de pesquisa. Gentil que é, Juca me convidou para um almoço. Durante a refeição, contou-me muitas histórias. Como eu sabia de sua longa e profunda amizade com Pelé, perguntei sobre o Rei a ele. Juca me contou várias coisas públicas e privadas de sua relação com Pelé. Em algum momento da conversa, ele disse algo que me marcou profundamente: “Pelé é tão maior que tudo e que todos, que serve de referência para entendermos a grandeza dos outros esportistas e não esportistas. Jordan é o Pelé do Basquetebol, Senna é o Pelé do automobilismo. Só Pelé é Pelé, sem comparação”. Verdade verdadeira. Até hoje, quando queremos saber se Messi ou Maradona são bons, os comparamos com Pelé. Juca também comentou que Pelé sempre atendia a todos os fãs. Todos. Contou que quando Fernando Henrique Cardoso o indicou para ministro dos esportes, Pelé chegou duas horas atrasado para a posse, deixando FHC esperando, pois ao sair do hotel, havia uma fila de trabalhadores querendo falar com o Rei. E Pelé atendeu um a um, com paciência. Só depois, foi ser ministro.

Sou membro fundador de um grupo que estuda futebol. O Grupo de Literatura e Memória do Futebol – Memofut para os íntimos – existe há 16 anos e faz reuniões mensais, sem nunca ter falhado uma sequer. Fazem parte do grupo jornalistas esportivos, estudiosos do assunto, escritores, historiadores, ex-jogadores profissionais, profissionais do esporte, filósofos que estudam a relação do futebol e sociedade, antropólogos, sociólogos etc. Recebemos jogadores, técnicos e outros profissionais para contarem suas histórias. Há tempos fomos visitados por alguns ex-profissionais que jogaram com Pelé: Coutinho, Dorval, Mengálvio e Dalmo Gaspar. Fiz uma pergunta aos quatro sobre como se sentiam ao ver o Pelé cheio de patrocínios de empresas, bem de vida, e eles (que haviam contado que viviam com o dinheiro contado), que ajudaram Pelé a brilhar em campo, sem ter o mesmo reconhecimento e fama. Coutinho e Mengálvio responderam que Pelé era sobre-humano e merecia ser tratado diferente. Dorval optou por não responder. Dalmo, lateral esquerdo, responsável por bater o pênalty do título mundial do Santos contra o Milan, começou a falar e iniciou um choro compulsivo. Disse que vivia na miséria, que entendia que Pelé era muito melhor que todos, mas que as empresas poderiam usar a todos do Santos em suas propagandas. “As pessoas só olham para o Pelé”, arrematou. É verdade. Pelé é tão maior que todos, que acabou virando uma espécie de Sol, ao redor do qual giram todos os outros astros.

O que teria sido Pelé se jogasse hoje, com bolas mais leves e à prova d’água, com uniformes que não retem água e suor, com chuteiras de material leve, com câmeras espalhadas pelos estádios, impedindo tanta violência contra os atacantes, e, principalmente, com a existência de cartões amarelos e vermelhos, que inibem a violência? Na época do rei, batia-se muito no Pelé e não existia expulsão. Portanto, continuavam batendo e tentando parar o Rei. Imaginem isso…

Pelé foi recebido por presidentes de países, de empresas, por autoridades, parou a guerra de Biafra na Nigéria, pois os exércitos de ambos os lados queriam ver o Santos jogar, marcou 1.282 gols, encantou a todos, fez santistas e adversários chorarem, fez o Brasil ser tricampeão mundial. Foi eleito o atleta do século XX, entre todos os esportistas de todos os esportes, é considerado o maior jogador de todos os tempos. Homenageado por adversários, que sempre o colocavam acima de todos. Como costuma dizer Pépe, ponta esquerda do famoso time do Santos de Pelé: “eu sou o maior artilheiro humano no Santos. Pelé não conta. Ele não é humano”.

Em 29 de dezembro de 2022 morreu Edson Arantes do Nascimento. Pelé não morreu e não morrerá. Pelé é eterno.

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