As mulheres da minha vida …

Neste mês da mulher eu queria falar de algumas mulheres importantes de minha vida. Gente como minhas avós Maria e Diva, minha mulher Alcione, minha filha Ana, minha mãe, Maria de Castro, minha professora D. Zinha, minha mentora D. Helena Antipoff, e tantas outras. No entanto, minha atenção foi desviada pelos absurdos ditos por um deputado paulista dias antes da data em que se comemora o dia mundial da mulher. Todas as mulheres da minha vida — como todas as que fazem parte da vida de cada um de nós — mereciam uma homenagem especial. No entanto, com a agressão que sofreram na fala do deputado, a maior homenagem que posso lhes prestar é expressar meu profundo repúdio ao que ele disse e por tudo que atrasado que ele representa.

Dia 4 de março, ao voltar da Ucrânia, o deputado estadual Arthur do Val disse coisas bárbaras a respeito das mulheres ucranianas. Num ato de machismo explícito, misoginia extremada e completo desrespeito com todas as mulheres, ele afirmou que as ucranianas:

“São fáceis, porque elas são pobres.”

A frase é cruel, maldosa, insensível e preconceituosa.

Cruel, porque ele se referia a mulheres em fuga sofrendo a agonia de uma guerra sangrenta promovida por um inimigo muito mais forte e determinado a impor sua vontade a ferro e fogo.

Maldosa e insensível, porque interpretou como indicativo de disponibilidade sexual o comportamento educado, tímido e amedrontado das ucranianas que encontrou em situação de perigo.

Preconceituosa, porque associa disponibilidade sexual com pobreza.

Nos dois primeiros itens, o que se vê é a manifestação do machismo puro e simples do deputado Arthur do Val. Aparentemente ele não consegue ver as mulheres como companheiras dos homens, como pessoas. Em particular, no caso das ucranianas, como pessoas que estão vivendo o intenso sofrimento de ver seu país atacado, suas casas destruídas, seus maridos, pais e filhos convocados para a guerra.

Contudo, é no terceiro item que surge um dos preconceitos mais arraigados nas elites brasileiras: a de que mulher pobre é mulher fácil. Preconceito que vem desde a época dos portugueses que impunham sua lascívia às negras e às índias. Mulheres pobres que também sofriam a violência quotidiana da escravidão e da servidão, tal qual as ucranianas sofrem hoje a violência quotidiana da guerra.

Talvez o deputado não saiba, mas, segundo o IBGE, neste ano de 2022 o Brasil deixou 50 milhões brasileiros — ou 25 milhões de mulheres — abaixo da linha de pobreza. A prevalecer a visão preconceituosa do deputado Arthur do Val, seriam 25 milhões de mulheres brasileiras fáceis porque são pobres.

Esta visão ofensiva e aberrante não decorre de um defeito isolado do caráter do deputado. Na verdade, ela faz parte de um preconceito maior, que tem o complicado nome de aporofobia, que significa horror a pobre.

Pessoas que sofrem de aporofobia acham que os pobres servem para prestar serviços braçais e atividades domésticas. No caso dos homens como o deputado, as mulheres pobres servem também para serem usadas sexualmente.

Mas, infelizmente, o deputado não se limitou a dizer que as ucranianas são fáceis porque são pobres. Ele foi além. Ele disse que tão logo chegasse ao Brasil, compraria passagens para voltar à Ucrânia ano que vem para fazer o turismo das loiras. Ou seja, com o objetivo específico de fazer sexo com as loiras do leste europeu.

De passagem, ele desdenhou das mulheres brasileiras. Disse que até as pobretonas da Ucrânia são mais bonitas do que as “minas” (palavra dele) das “baladas” (palavra dele) de São Paulo.

Ao que tudo indica o deputado não conhece o amor das mulheres.

O áudio que Arthur do Val mandou para seus amigos vangloriando-se das suas intenções de tirar proveito das fugitivas de guerra que são pobres estende-se por vários minutos. É um triste espetáculo de desrespeito com todas as mulheres. Não apenas as ucranianas, mas todas as mulheres do planeta.

Algumas expressões que ele usa são tão baixas, tão grosseiras, tão escabrosas, tão libertinas, que não se pode publicá-los num jornal que chega a casas onde há crianças. É muita baixaria.

Mas, quem é este deputado?

Arthur do Val tem 35 anos, é deputado estadual, foi candidato à prefeitura de São Paulo e agora se apresentava como candidato ao governo do Estado de São Paulo. No seu grupo de youtube, ele tem quase três milhões de seguidores.

Quando candidato à prefeitura de São Paulo, teve uma votação expressiva que chegou a praticamente 10% dos votos. Não é pouco.

Enfim, trata-se de um deputado eleito com votação ponderável, candidato à prefeitura de São Paulo — maior cidade do Brasil — e pré-candidato ao governo do Estado de São Paulo com números importantes nas pesquisas de opinião. Não é um Zé Desconhecido entre os eleitores paulistas. Mas, quando se trata dos seus valores éticos e morais, comportou-se como um Zé Ninguém.

O que muita gente se pergunta é por que o eleitor continua elegendo este tipo de pessoa. É difícil saber ao certo, mas uma parte o faz porque não conhece a vida pregressa do candidato nem sabe como ele é na vida privada. Outra parte o faz porque não se importa.

O deputado deverá sair ou ser expulso do seu partido. Mais incerto é o castigo que a Assembleia Legislativa de São Paulo lhe dará. O histórico da Casa lhe é favorável. Afinal, um deputado que passou as mãos nos seios de uma colega, no plenário, sob as vistas de todos e das câmaras de televisão foi punido apenas com uma suspensão de alguns dias.

Neste cenário, mesmo sendo bizarra, a defesa do deputado pode funcionar. Ele diz que não roubou, mas mesmo assim querem que ele seja punido. Parece que ele não sabe que para ser deputado, o cidadão tem que ter decoro. Decoro é compostura, é decência, é atitude respeitosa, exatamente o que lhe faltou.

As palavras do deputado mostram, mais uma vez, como as mulheres ainda não conquistaram o seu lugar ao sol na vida brasileira. Avançaram. Avançaram muito. Mas ainda há homens que não mostram o respeito que lhes é devido. Isto se reflete em várias áreas. Uma delas, os menores salários que elas recebem quando comparadas com colegas homens que exercem a mesma função. Outra delas, nos postos de comando das empresas. Ali elas são minoria, mesmo algumas já tendo demonstrado que não ficam nada a dever como executivas de empresas de todos os portes. Outra, ainda, na área política, onde são minoria nas câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional.

Ofensas como aquelas proferidas pelo deputado Arthur do Val entristecem, mas não tiram a esperança nem a certeza de que a marcha das mulheres pela igualdade continuará avançando, vitória após vitória. As mulheres não serão contidas, reprimidas ou retardadas por pronunciamentos ou mesmo ações de personalidades medíocres, retrógradas e misóginas. Continuarão avançando por mérito próprio, não por favor ou condescendência dos homens.

Devido à violência praticada pelo deputado, hoje deixo de falar nas mulheres da minha vida. Mulheres como minhas avós Diva e Maria; minha mãe, Maria de Castro; minha filha Ana; minha companheira Alcione e tantas outras. Deixo de falar nelas porque preciso manifestar minha solidariedade a todas as mulheres do mundo, especialmente as pobres, que foram tão insultadas pelas palavras do deputado Arthur do Val.

Episódios como este mostram os tempos obscuros que ainda estamos vivendo. Eles nos roubam a esperança de os tempos de violência contra as mulheres já terem passado. Mas as tantas conquistas já feitas nos dão a certeza de que as mulheres continuarão usando cada ofensa, cada direito negado, cada agressão, como uma pedra a mais na escada que levará a novas e maiores conquistas.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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