Primeiro a obrigação. Mas, e depois, vem a diversão?…

PAULO HENRIQUE ALVES ARAÚJO – Minha mãe tem frases que, em si, já dariam um livro interessante. Provavelmente a sua também… Lembro-me de uma série de frases que marcaram e marcam a forma como eu e meus irmãos encaramos a vida. Uma recorrente era “primeiro a obrigação, depois a diversão”. Não adiantava querer dar jeitinho ou discutir, todos tínhamos deveres a cumprir – incluindo os escolares, mas além deles. Não obstante, sempre nos era garantido o direito a diversão, ao lazer.

Recentemente, meu irmão esteve em BD com a família e me pediu indicações de locais para dar um passeio com seu filho de 2 anos. O garoto já estava um pouco enjoado de correr pela Praça da Matriz, daí o pai queria dicas sobre outros locais para onde ir com ele. Sugeri a pracinha que existe em frente ao Miguel Gontijo, que acho bem agradável, e aquela pista de skate na Avenida Doutor Roberto. Ah, falei também da Praça de Esportes, mas aí na dependência de conseguir convites com algum sócio do clube. E parei por aí. É pouco, não? Para uma cidade de 60 mil habitantes, são poucas opções de que me recordei para sugerir a ele.

Fiz então um exercício de me lembrar como era na nossa infância. A Praça de Esportes era figurinha carimbada, fomos sócios por toda minha infância, ia lá com frequência. Lembro também que andávamos de bicicleta pela linha e íamos até o Campo de Aviação. Jogávamos bola em diversos campinhos pela cidade, frequentávamos as praças da Matriz, Inconfidência e Rosário, passeávamos também pela Vila Militar. Havia ainda o Recanto das Palmeiras – clube da Cooperbom, a AABB – do Banco do Brasil – e o Cine Regina, sala gigante (pelo menos para minha percepção) bem no centro da cidade. Ah, sim, e depois chegou o Ipê, clube novinho em folha que teve seu tempo áureo na minha adolescência (e está um tanto decadente nos dias atuais). Lembro também de grupos locais de teatro e peças de fora se apresentando no Salão São Vicente, de participar de grupos de jovens católicos, coordenados pelo Roda Viva e pelo nosso querido Padre Jaime, se reunindo em diversos locais. Tudo bem, os grupos de jovens não eram só lazer, mas estavam muito longe de ser só dever, divertíamo-nos à beça juntos!

O que houve com as opções de lazer em Bom Despacho? Públicas ou privadas, parece-me fácil chegar à conclusão de que as opções encolheram. Por exemplo, frequentador assíduo que era da Praça da Inconfidência, me entristece ver seu ar de abandonada atualmente. Entristece-me saber que o Cine Regina, onde aconteceu o tão esperado primeiro beijo, fechou suas portas há anos e não viu nenhuma outra sala de cinema surgir em substituição. Fico feliz em ver o quanto prosperou a Praça de Esportes, mas o que aconteceu com o Ipê, Recanto das Palmeiras e AABB? Por que a Mata do Batalhão ainda é apenas uma mata, porque não é ainda um parque ambiental urbano de verdade, com opções de lazer públicas para os bom-despachenses?

Vamos às minhas hipóteses: primeiro, houve um esvaziamento de Bom Despacho, principalmente da sua população mais jovem e com mais disposição para o lazer em espaços públicos. Até a última década, os jovens de Bom Despacho, quando não saíam para estudar fora, saíam para trabalhar fora. A demanda por opções de lazer “fora de casa” diminuiu. As pessoas se reuniam em casa, no sítio, na fazenda, e simplesmente não demandavam esses espaços coletivos. A maioria parou de usá-los e de prestar atenção neles. Por consequência, foram definhando sob nossos olhares distantes.

Segundo, quem deveria cuidar da manutenção e desenvolvimento desses espaços estava nessa mesma comunidade que parou de utilizá-los e de prestar atenção neles. Espaços privados foram fechados por inviabilidade econômica. Novos não foram abertos pelo mesmo motivo. Os espaços públicos foram para o final da fila de prioridades do poder público, porque o gestor público gosta de investir onde os olhos da população estão focados. Que o diga um amigo que apostava na construção de barraginhas para melhorar a qualidade e a retenção de água no nosso solo e desistiu depois de ver o maquinário da prefeitura ser deslocado para obras na cidade um sem número de vezes. Por quê? Porque ninguém vê a água no lençol freático e ainda não sabemos comunicar que falta água em Bom Despacho porque não retemos água no nosso subsolo. Mas esse é outro papo.

Voltando ao lazer em Bom Despacho, iniciativa privada e poder público pararam de investir porque não havia demanda. A questão, entretanto, é que o quadro mudou recentemente. Além de termos um centro universitário que tem retido e até trazido jovens para Bom Despacho, as pessoas estão redescobrindo os benefícios de viver no interior, especialmente agora que o teletrabalho e o trabalho autônomo ganharam força.

Então, hoje, fazem falta sim espaços públicos mais adequados para lazer em Bom Despacho. Fazem falta praças mais bem cuidadas, e o poder público começa a se mexer nesse sentido revitalizando espaços como a Praça da Matriz e a Praça do Rosário. Fazem falta mais lanchonetes e restaurantes, e novos estabelecimentos estão sendo abertos mesmo em meio à pandemia. Lembro-me de um tempo atrás quando andava aqui por Bom Despacho e ficava imaginando onde os jovens da cidade se encontravam para se divertir, bater papo, dançar, paquerar. Dizia a meu pai que tinha medo de saber onde estava a turma entre 14 e 20 anos de idade em BD…

Então o movimento já está acontecendo? Sim, está começando. Mas acredito que há espaço para sermos mais arrojados. Por exemplo, acredito que é hora de transformar a Mata do Batalhão num parque ambiental urbano com infraestrutura de restaurante, lanchonete, pistas de caminhada e ciclismo, quadras, arvorismo, tudo em sintonia com a natureza e bem no centro da cidade. E que tal salas de cinema ou até mesmo um shopping center? Ou um teatro, com escola e companhia de teatro, com espaço para o fortalecimento do Coral Voz e Vida?

“A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte.”

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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