As frutas de nossas vidas: atração quase infantil por goiabas

ALEXANDRE MAGALHÃES – Antes de entrar no tema de hoje, gostaria de avisar aos raros leitores e raras leitoras que fiz meu terceiro teste de covid-19 e, novamente, deu negativo. Comento isso, porque em minha coluna da semana passada eu havia comentado que havia tido contato com uma tia de minha namorada bom-despachense, a qual estava contaminada com covid-19 e, sem saber, nos havia recebido em sua casa. A tia está bem e eu não fui contaminado, para minha sorte.

Desde que comecei a frequentar Bom Despacho, e lá se vão quase quatro anos, percebo mais claramente as estações do ano e as paixões pelas frutas que essas mudanças nos meses do ano trazem aos bom-despachenses.

Em uma das primeiras vezes que vim a Bom Despacho, em novembro de 2017, lembro-me de estar fazendo uma corrida com minha namorada e, de repente, ela parou o exercício, pegou um pedaço de madeira longo, e começou a derrubar e comer mangas maduras de uma mangueira que estava no meio do caminho. Achei aquilo engraçado, sob vários aspectos: 1) porque parou a corrida no meio para comer dezenas de frutas; 2) por ter percebido que a mangueira estava ali e que havia frutos maduros; 3) pela habilidade demonstrada por ela na arte de derrubar e comer as frutas; 4) a falta de cerimônia em pegar frutas de uma árvore que não estava em seus domínios e comê-las sem ao menos pedir permissão ao dono.

Claro, essas estranhezas só aconteceram porque sou paulistano. Um paulistano raiz, nascido e criado na cidade, não pega frutas nas ruas. Primeiro, porque elas são raras; segundo, porque não consegue distinguir uma mangueira de uma galinha ou de um cabrito; terceiro, porque há uma norma implícita na sociedade que rege o que podemos fazer e pegar algo que não nos pertence é mal visto. Portanto, pegar frutas que estão no quintal de outra pessoa, não passa na cabeça de um paulistano. Se o pé de fruta está em uma praça ou rua, o paulistano médio não pegará as frutas por falta de tempo ou porque, como eu, prefere deixar para os pássaros ou acha que é “humilhante” ficar dando pauladas em uma manga ou goiaba à vista de todos para comê-la.

Também me fascina ver a paixão que meu sogro e minha sogra têm por jabuticabas. Quando as jabuticabeiras do sítio ou da casa da cidade dá frutos, eles passam a comer quilos do doce fruto, sem limites, como crianças que se encontram diante de um pote de sorvete cremoso.

No final do ano passado, várias vezes vi meu sogro “mamando” jamelão, como ele mesmo diz, no jambolão, nome da árvore que dá esse fruto, que é conhecido por vários nomes, tais como jamelão, jambolão, jamborão, baguaçu, jalão, joão-bolão, topin, manjelão, azeitona-preta, ameixa roxa, baga-de-freira, oliveira, azeitona-roxa, brinco-de-viúva ou guapê, dependendo da região da pessoa. Eu mesmo, depois da insistência de meu sogro, passei vários dias comendo o jamelão debaixo da própria árvore. Delicia!

Minhas frutas preferidas desde minha infância são o figo e a jaca. O figo é a fruta mais doce e mais deliciosa que conheço. Não estou me referindo ao figo em caldas, mas ao figo in natura. Claro, pego meus figos no supermercado ou nas feiras livres, e nunca em uma figueira. Em São Paulo, os figos são vendidos em caixinhas de papelão com oito frutas. Fiquei pasmo quando soube que minha namorada bom-despachense jamais provou um figo na vida, limitando-se a consumir a versão em caldas, que nada tem a ver com a fruta in natura.

A jaca é minha segunda fruta preferida. Especificamente a jaca mole, mas não rejeito a variedade jaca dura. A fruta madura exala um cheiro inebriante que divide a humanidade em duas partes: os amantes da jaca e aqueles que a odeiam, mais ou menos como acontece em Bom Despacho com os pequis. Tenho em minhas lembranças várias ocasiões nas quais comprei meia jaca e passei oras lambuzando os dedos ao retirar as partes comestíveis e comendo com muito gosto. Que maravilha!

Estou escrevendo sobre este tema por um motivo muito específico: a paixão quase infantil que minha namorada bom-despachense tem com as goiabas. Sempre a via pegar goiabas no pé e comê-las avidamente. Porém, nunca tinha vivenciado tamanha dependência química, quase um vício. Com a pandemia, passei a ficar períodos muito maiores em Bom Despacho e a observar mais de perto essa estranha atração que as goiabas exercem sobre ela.

Comecei a desconfiar de algo errado, quando ela passou a mudar o caminho tradicional de nossas caminhadas. No começo, parecia apenas uma vontade de andar por ruas diferentes. A coisa ficou mais clara em um dia, há cerca de um mês, quando eu propus passar por uma rua e não pelo local que ela queria. “Queria passar ali”, ela balbuciou. “Já passamos ontem por esse caminho, vamos mudar de trajeto hoje”, respondi inocentemente. “É que ali… tem um trem que eu quero”. O trem eram goiabas maduras em uma casa que fica em uma praça, perto de sua residência. Deste dia em diante, passei a perceber que ela atacava os pés de goiabas, brancas ou vermelhas, com ou sem bicho, sem a menor cerimônia. Percebi que seus caminhos eram escolhidos com base na localização dos pés de goiaba.

Outro dia, encontramos um rapaz, que também é apaixonado por goiabas. Passaram dez minutos trocando dicas sobre os locais onde havia frutas maduras. Ambos haviam mapeado a cidade toda e sabiam onde estavam as melhores goiabas brancas e vermelhas para serem colhidas em cada dia da semana, de acordo com o quão maduros estariam os frutos.

A cada caminhada que fazemos, agora que descobri seus segredos, quando passamos perto de uma goiabeira carregada, ela age como uma zumbi, parte em direção à árvore e a depena. Não tenta mais disfarçar seus “crimes” como antes. E não importa se estamos à pé ou de carro. O ataque às goiabeiras acontecerá do mesmo jeito. Percebi que o caso estava perdido há cerca de uma semana, quando voltando para casa vi meu sogro e minha namorada bom-despachense trepados em uma goiabeira, feito crianças, apanhando e comendo o maior número possível, como se no próximo ano não fosse mais existir aquela fruta.

Não há certo, nem errado, apenas questões culturais envolvidas. Essas questões são aprendidas, quando a mãe ou o pai ensina à criança, e apreendidas, quando vemos alguém fazendo e imitamos. São essas questões culturais que tornam a vida tão rica e com gente com gostos tão diferentes…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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