Esse calor sufocante e a falta que a sombra de uma árvore faz

Um tema espinhoso é meio ambiente. A impressão que tenho é que falta moderação nas discussões. Ou se encara o tema como totalmente supérfluo e desnecessário ou se antevê o fim próximo do mundo. E a falta de moderação, de parte a parte, traz prejuízos reais e perceptíveis agora para as nossas vidas.

Semana passada, para ir da Praça da Matriz até a Rua Vigário Nicolau, ao lado ali dos Correios, andei os 400 metros mais quentes da minha vida! Exagero à parte, pergunto-me por que removemos quase todas as árvores da região central de Bom Despacho. Observe as filas em frente à Caixa para receber o auxílio emergencial e você verá dezenas de pessoas sob o sol escaldante. Até montaram uns toldos brancos em frente à agência para aliviar os últimos metros de espera e proteger os funcionários do banco e da prefeitura que estão ali organizando a fila. Mas a maior parte do percurso tem sido sob sol escaldante. Percorra outras vias centrais importantes como a Coronel Tininho, a Faustino Teixeira, a Rua do Rosário ou a querida Avenida das Palmeiras, o cenário é basicamente o mesmo. Adotamos o concreto e o asfalto no centro de Bom Despacho.

Lembro-me de quando chegou o asfalto na cidade, na década de 1980. Ficamos extasiados, fascinados com aquelas máquinas, a massa feita com piche e brita, o cheiro forte e característico. Era época em que íamos a pé para a escola e as primeiras vias que me recordo de ver sendo asfaltadas são a Praça da Matriz e a Rua Doutor Miguel Gontijo. O calçamento com paralelepípedos regulares das principais vias da cidade não atendia mais. Cidades grandes tinham asfalto, piso lisinho em que o carro rolava macio, sem trepidação. O mesmo piso que escondeu nosso solo, tornou parte de nossas cidades impermeáveis e provocou uma série de “pequenas” tragédias nas chuvas entre o final de 2018 e começo de 2019 em Minas Gerais.

Mas, voltando à década de 1980, naquela época a gente tinha umas árvores pelo caminho que permitiam que a caminhada em Bom Despacho alternasse sombra e sol em quantidade suficiente para manter nossos níveis de vitamina D sem ninguém correr risco de insolação. Hoje, todas as fachadas e placas são visíveis na Doutor Miguel, árvores não mais. A prefeitura chegou a editar e publicar a Cartilha Passeando, com diretrizes para o plantio de árvores nas nossas calçadas, mas nosso cenário continua muito árido. Até acredito que essas recomendações sejam seguidas nas novas áreas que vêm sendo urbanizadas agora, mas precisamos pensar em algo mais ativo para recuperar nossas vias que perderam a cor e o frescor das árvores.

O que perderíamos se transformássemos algumas vagas de estacionamento na área central em canteiros para árvores e jardins? Os benefícios seriam vários. Além do alívio da sombra, recuperaríamos a permeabilidade do nosso solo, melhoraríamos a qualidade do ar e o bem estar de quem caminha por aqui. “Ah, mas as raízes das árvores podem comprometer a estrutura dos prédios, as copas das árvores poderiam colocar em risco a rede elétrica e esconder as fachadas, as folhas vão cair e sujar nossas ruas” – podem ponderar algumas pessoas. Tudo administrável num processo planejado, com apoio de ciência para escolher as plantas adequadas e de urbanismo para selecionar os locais para suas inserções.

Cidades desenvolvidas têm sim muito concreto e asfalto, têm também muita tecnologia, mas também se esforçam para conviver bem com o meio ambiente e investem na recuperação do verde, inclusive porque isso conta para a imagem da cidade. O mundo dos negócios já aprendeu há muito tempo que o embrulho faz diferença, que o traje adequado e a apresentação bem feita vendem. Alguns municípios também. Ações como a recuperação de matas, o tratamento adequado de rejeitos, a adoção de práticas como a coleta seletiva (com reciclagem) e o tratamento de lixo orgânico (com produção de energia) tem não só a simpatia, mas o investimento de grandes empresas. Até porque é crescente a pressão de consumidores – individuais, corporativos e, principalmente, internacionais – para que as empresas adotem e cobrem de suas comunidades práticas sustentáveis. Em alguns mercados, estas práticas são critérios para eliminar um potencial fornecedor para importação, por exemplo.

É muito mais do que ambientalismo ou choro de um colunista que voltou com a camisa encharcada depois de 800 metros de caminhada. Esqueça Green Peace, não estou falando disso. Estou falando do nosso bem estar, aliado a oportunidades de desenvolvimento. Precisamos cuidar da qualidade de vida de nossos moradores e melhorar nossos cartões de visita. Que tal se árvores fossem plantadas e mantidas pelos moradores ou empresas em troca de algum incentivo fiscal municipal? A gente podia ainda colocar um banquinho circular em torno do tronco da árvore, de concreto mesmo, para nos sentarmos de vez em quando e descansar um pouco, bater um papo, tomar um sorvete ou observar as pessoas, os carros e o tempo passarem.

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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