Tenho passado algumas vergonhas em São Paulo

Há três semanas voltei a São Paulo, depois de seis meses ininterruptos em Bom Despacho. O motivo de minha volta a São Paulo foi a necessidade de fazer meu exame demissional em uma das faculdades nas qual eu lecionava, a Sumaré, e ir presencialmente até a sede da instituição para assinar minha rescisão e tirar dúvidas sobre as verbas rescisórias. O exame demissional eu fiz na semana que cheguei aqui e a rescisão foi homologada no dia 5 de outubro.

Durante esta minha longa estada em Minas Gerais, fotografei ou gravei vídeos com as paisagens que me deparei ao correr ou pedalar com minha namorada bom-despachense pelas estradas de chão na cidade ou ao redor dela. Muitas destas paisagens apareceram em textos que escrevi para este espaço no Jornal de Negócios.

Para meus amigos paulistanos, as fotos ou filmes mostrando os rios Pará e Lambari, ou ainda a cachoeira Tróia, são as que mais chamaram a atenção deles, especialmente, porque não há rios limpos na cidade de São Paulo.

Ontem, enquanto aguardava para ser atendido pelo RH da faculdade, encontrei-me com alguns dos destinatários de minhas fotos e vídeos de Bom Despacho e arredores. Todos que me cumprimentavam perguntavam se eu não pretendia mudar definitivamente para Bom Despacho, falavam do encantamento de olharem aquelas fotos e vídeos, da inveja que sentiram de mim ao me ver mergulhado em um rio limpo, entre outros comentários.

No dia anterior, domingo, tomei umas cervejas com dois ex-alunos de outra faculdade na qual trabalhei, a Trevisan Escola de Negócios, e com um ex-professor da mesma instituição. A mesma história: “que lugares maravilhosos que você visitou”, “você deveria mudar para lá”, “aquilo que é vida”, e mais dezenas de comentários similares. Deu vontade de chamar um taxi e rumar para Bom Despacho na mesma hora. Resisti, pois ainda tinha a rescisão no dia seguinte…

Nos dois dias ficou claro para mim como os paulistanos enxergam Minas Gerais, em geral, e Bom Despacho, em particular: terra da culinária. Apesar de todos os elogios às paisagens deslumbrantes, aos rios limpos ou aos bichos que encontro sempre que me exercito pelas estradas de chão, é na culinária que a maioria de meus amigos se apega ao falar de minha vida dupla neste momento, dividindo o tempo entre São Paulo e Bom Despacho.

No domingo, com meus ex-alunos, gastei duas horas explicando por que eu me tornei vegano (quem não come carne, ou qualquer outro produto de origem animal, como leites, queijos, ovos, mel ou sabonetes ou shampoos que contenham banha animal ou corantes a base de insetos, por exemplo). “Como assim “virou vegano? Em Minas Gerais? Minas é a terra do torresmo, do queijo, da carne de porco. Você está louco?”. Não adiantou muito eu explicar que são dois pilares nesta mudança: não maltratar os animais e cuidar melhor da saúde. Eles não aceitavam minhas explicações. Um deles emendou: “em São Paulo eu até entendo virar vegano, pois há muitas opções de bons restaurantes e boas comidas sem produtos animais, mas em Bom Despacho? Com aqueles queijos maravilhosos, cada um com um tipo de cura diferente? Sem falar no torresminho…”. Desisti.

Na segunda-feira, ainda frustrado com as discussões do dia anterior, encontrei meus amigos professores. Um deles, o Ricardo Craveiro, que é uma das pessoas do meu contato pessoal que mais entendem de culinária, achou que eu estava brincando: “vegano? No final do ano comemos um montão de carne na casa do Zé Carlos, naquele churrasco que você levou sua namorada bom-despachense… o que mudou de dezembro para cá?”.

Expliquei ao Craveiro que eu já havia tentado ser vegetariano (não come carne, mas consome queijos e ovos, por exemplo) há alguns anos, mas que não resisti às tentações e voltei a comer carne. Mas, que há três anos minha filha Isabella havia se tornado vegana e que eu prometi a ela que até 2026 eu me uniria a ela nesta dieta. “Mas, estamos em 2020!”, berrou ele, como que me alertando que eu havia errado a data. Argumentei que eu havia assistido a três documentários um pouco antes de tomar a difícil decisão e que precipitei a entrada do veganismo em minha vida por causa destes filmes. “Que filmes são esses? Jogue-os no lixo! Vegano! Isso é coisa de gente que não tem o que fazer”, sentenciou. Ainda tive uns minutos para nominar os filme para ele: “Cowspiracy”, “What the health!” e “A dieta do gladiador”. “Estão todos na Netflix”, tentei convencê-lo inutilmente. “Não vou ver isso, não! Você é quase mineiro e não come mais carne, nem queijo, nem ovos! Isso é um crime contra Bom Despacho e sua namorada bom-despachense. Uma afronta!”, bateu o martelo.

Quando encontrei o Mario Ievienes, professor com o qual planejei durante meses fazer um curso de charcutaria (a arte de preparar embutidos, como linguiças, produtos feitos à base de carne ou de miúdos de porco (afiambrados, defumados, salgados, patês) e salsichas), temi que apanharia deste meu amigo. Depois de ouvir sobre meu veganismo de quase quatro meses, Mario sorriu e sentenciou: “azar o seu! Vai sobrar mais para mim, quando você for me visitar”. Quando, depois de uma hora que eu o havia encontrado, nos despedimos, Mario perguntou: “é sério sobre o veganismo?”. Diante de minha afirmativa, ele apenas balbuciou: “incrível!”.

O pior de toda esta história é que ainda vou encontrar um monte de amigos que ainda não sabem de minha decisão. Serão necessárias muitas horas de explicação para convencer a todos que ser vegano e morar parte do tempo em Bom Despacho não é uma loucura tão grande assim. Mas, que eles têm uma dose de razão, isso eles têm…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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