A tragédia da perda de vidas jovens

 

Recentemente Bom Despacho perdeu muitas vidas jovens. Lamentavelmente, as causas mais comuns foram doenças evitáveis ou tratáveis, como complicações da dengue. Eram pessoas talentosas e cheias de energia. Foram levadas por intrigas, por negligência ou pelo destino insondável. São tragédias que cortam o coração. São esperanças e sonhos destroçados e perdidos. Para as famílias, o vazio da ausência dolorida que se sabe eterna. Para a sociedade, a perda de dons que não se realizaram, talentos que feneceram sem dar os frutos que prometiam. Para a economia, são perdas de muitos bilhões de reais por ano.

FERNANDO CABRAL – A vida é precária, sabemos todos. Como nos ensinam os salmos, a vida é um sopro; é uma sombra passageira. Aceitamos esta ideia e nos conformamos com ela. Mas, quando morre um jovem, sentimos que se rompeu o pacto tácito que a natureza parecia ter feito conosco: o de que pais devem morrer antes dos filhos.

Por causa deste pacto — por mais tristeza que nos cause — passamos a vida nos preparando para o inevitável: vermos partir nossos avós, nossos pais, nossos tios mais velhos. Todavia, nenhum pai, nenhuma mãe se prepara para a partida precoce de um filho.

A dor dos pais

Quando acontece a tragédia, os pais se questionam: poderia ser diferente? Havia algo que se pudesse fazer? Mas, raramente há respostas. Se há, não as conhecemos. Talvez não queiramos conhecê-las.

Esta quebra do que nos parece a ordem natural das coisas, somada à falta de respostas, aumenta o sentimento familiar da tragédia que nunca esperamos nos atingir.

Tragédia cuja dor o tempo amortece e mitiga, mas nunca afasta por completo. É uma sombra que nos persegue, é uma dor que se abranda, mas que continua sempre na espreita e novamente aflora aqui e ali, para nos assombrar.

A perda para a sociedade

Mas a tragédia da perda de vidas jovens não é apenas familiar. Ela é, também, social. Quando morre um jovem, todos perdem. O mundo perde. Talentos ainda em desenvolvimento se perdem. Energias acumuladas se esvaem. Vontades e determinações em processamento chegam ao fim.

Quantos frutos a sociedade deixa de colher!

O custo para os profissionais de saúde

Os profissionais de saúde também reconhecem o pacto que a vida tem conosco: os mais idosos devem ir antes dos mais jovens. Quando colocam sob seus cuidados uma pessoa provecta, adentrando os noventa anos, a despedida final é possibilidade inafastável. Entretanto, quando se trata de um jovem, a esperança e a expectativa são de pronta recuperação. Esperança e expectativa que não é só do profissional, mas também da família e da sociedade.

Por isto, quando veem partir uma vida jovem, por uma doença que não puderam atalhar, ou de um acidente cujas consequências que não puderam evitar, sobrevém o sentimento de frustração.

Por mais que estes profissionais convivam todos os dias com a ideia da precariedade da vida, eles não se tornam insensíveis e indiferentes. Assim como o resto de nós, eles também aprenderam a aceitar que o sopro que deu vida ao barro um dia se extingue e o que antes era pó, ao pó retornará. Mas, também como o resto de nós, eles aprenderam que os jovens têm a promessa de uma vida longa pela frente. Quando esta promessa é quebrada em suas mãos, diante dos seus olhos, e sob seus cuidados, não há como evitar a tristeza.

A solidariedade

Como sociedade, temos o dever de apoiar as famílias que perderam um filho ou filha. Esse apoio pode assumir muitas formas. A mais fundamental delas, a que precede todas as demais, é o respeito que todos devemos mostrar pela dor que sentem. Perceber quão profunda e debilitante ela pode ser.

Mas — não menos importante — é nossa obrigação oferecer o ombro amigo, deixar aflorar nossa empatia e nosso acolhimento incondicional.

Perdas Evitáveis

Estamos conformados com a ideia de que a vida é tão fugaz quanto inevitável. Mas, quando um jovem sucumbe devido a uma doença, se imola por causa de um sofrimento intenso, ou é vítima de um acidente fatal, somos tentados a pensar se todas estas perdas são inevitáveis.
Este assunto é, a um só tempo, espinhoso e complicado. Espinhoso, porque envolve sentimentos profundos; complicado, porque nem sempre a situação está bem delineada. Mas há casos que nos permitem avaliar a existência de mortes evitáveis. Um deles são as mortes por acidentes de trânsito.

Em 2023 o Brasil perdeu 34 mil vidas em acidentes de trânsito. Destes, 17 mil (40%) eram jovens entre 15 e 29 anos. Mas a situação é mais dolorosa do que estes números revelam à primeira vista. Poucos sabem que os acidentes de trânsito são a principal causa de morte entre crianças de cinco a 14 anos!

É uma situação muito triste.

Enquanto os jovens de 15 a 29 anos morrem dirigindo carros e motos, ou andando como passageiros, as crianças de cinco a quatorze se dividem entre passageiros e pedestres atropelados. Acima de cinquenta anos, poucos são os motoristas que causam acidentes. Eles morrem como passageiros ou como pedestres. Especialmente quando vão além dos sessenta.

Mas, não importa como se olhe, no trânsito, os jovens de 15 a 29 são os principais causadores de morte e também as maiores vítimas. Mortes que estão associadas ao consumo de álcool, uso de drogas ilícitas, excesso de velocidade e manobras proibidas.

Por serem estas as principais causas, podemos dizer que são mortes evitáveis. Mas, para acontecer, família e autoridades de trânsito teriam que fazer um trabalho cooperativo. Todavia, neste particular, as famílias costumam se aborrecer quando as autoridades de trânsito fazem seu trabalho com relação aos jovens imprudentes. Estes — como é típico da sua idade — quem explorar os limites da invulnerabilidade que acreditam ter. O resultado é este: no Brasil, todos os dias o trânsito mata 100 pessoas por dia; 40 delas são jovens entre 15 e 29 anos.

O estudo da situação em outros países mostra que são mortes evitáveis. No Brasil, todos os anos, de cada 100 mil habitantes, 16 morrem em acidente de trânsito. Nos países nórdicos, são três por cem mil. No Japão, são dois por 100 mil. Isto não acontece porque suas rodovias são melhores; acontece porque os motoristas são mais educados e respeitam as leis. Sabemos disto porque, nos Estados Unidos, onde também há boas rodovias, a mortalidade é de 12 por 100 mil.

Não há dúvida: são perdas evitáveis.

Mas, há perdas evitáveis também na área de várias doenças, especialmente as endêmicas e as crônicas decorrentes de maus hábitos. Entre elas, a gripe, o sarampo, a dengue, a COVID 19, o câncer de pulmão dos tabagistas. Umas são evitáveis mediante vacinação; outras, evitáveis por mudanças do hábito de vida; outras, ainda, evitáveis mediante atendimento rápido e correto.

Infelizmente, também nesta área o Brasil tem falhado. As mortes por dengue se multiplicaram nos últimos anos. Também são ponderáveis o aumento das mortes por doenças para as quais há vacinas eficazes faz décadas e até séculos.

O custo para a economia

A tragédia familiar e social das mortes prematuras têm também um custo direto na economia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2017 o Brasil perdeu R$ 50 bilhões (bilhões!) só com as vítimas de acidente de trânsito.

Para se ter ideia do tamanho deste prejuízo, basta pensar que este valor é trinta vezes maior do que toda a riqueza que Bom Despacho produz em um ano.

Há muitos motivos para a sociedade olhar com atenção as tragédias das mortes jovens que nos corroem a economia, angustiam nossas almas, tocam nossos corações e abalam nossas famílias.

A idade nos traz a morte certa. Há mortes por causas insondáveis e há mortes inevitáveis. Quanto às demais, devemos criar mecanismos que permitam adiá-las.  (Portal iBOM / Fernando Cabral / Foto ilustrativa arquivo).

 

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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