Difusora Bondespachense, “1540 quilos de sucesso”
VANDER ANDRÉ – “Oh, larai!” – assim começava mais um programa de Silvério Santos na Rádio Difusora Bondespachense, sintonizada em 1540 quilohertz. Questionado sobre o bordão da rádio, repetido várias vezes pelo locutor e que se tornou uma famosa interjeição na cidade, Damião, filho do atual proprietário, o Prof. Dorvelino Azevedo, pondera ao discutir o tema com o divertido locutor. Ele sugere que “talvez ele possa ter origem na música ‘Eu sou do Lari-Larai’, de Jacó e Jacozinho, além de um programa de rádio paulista dos anos 60, no qual os caipiras adotaram a expressão ‘Lari Larai’ para zombar do ‘iê-iê-iê’.”
Fundada em 1948, a Rádio Difusora é uma das mais antigas empresas estabelecidas em Bom Despacho e continua em atividade até hoje. Iniciou suas transmissões em 30 de abril de 1950, “de forma precária na Rua Flávio Cançado Filho, ao lado do antigo Hotel Xavier”. Naquele primeiro local, a Rádio contava com um salão de baile onde eram realizados eventos que marcaram época em Bom Despacho, incluindo shows de artistas renomados como Luiz Gonzaga. Foi José Adair de Lacerda, o irmão mais velho da mãe de Damião, quem compartilhou essas memórias com ele, revelando assim parte do rico legado histórico que permeia a trajetória da rádio e sua relação com a comunidade.
Operou assim por cinco anos, sendo desativada e posteriormente reaberta em 1965, pelos irmãos contadores Dorvelino e Augusto, que alteraram a estrutura de sociedade anônima para limitada. “Foi do tio Augusto a ideia de propor ao Geraldo Fidélis (até então o dono da maior parte do capital) a reabertura da rádio, que estava fechada há uns dez anos”, conta-me o filho Damião. Essa sociedade perdurou até 1978, quando o audacioso, “impulsivo e cheio de ideias” Augusto mudou-se para Belo Horizonte.
Dona Sãozinha, esposa do Professor Dorvelino, se tornou sócia e participava, à sua maneira, do dia a dia da Rádio, conforme relatado por Damião ao recordar suas memórias afetivas: “Meu pai costumava pedir à minha mãe, enquanto estava em casa com o rádio ligado e sintonizado nas ondas da Difusora, para fazer o controle dos anúncios. Ele queria garantir que os locutores estivessem transmitindo os anúncios na periodicidade e no horário corretos. Para isso, ela utilizava uma tabela de amostragem e realizava um monitoramento minucioso, como parte do processo de fiscalização”.
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Questionado sobre a entrada do Prof. Dorvelino e seu irmão Augusto, nos anos 1960-70, Damião comentou que ela “trouxe consigo uma mudança significativa no perfil político da cidade. Apesar das bravatas e ameaças vindas de alguns setores, eles optaram por se manterem alheios a esses conflitos e aceitaram anúncios de todos, tanto do PSD, que até então ‘apadrinhava’ a Rádio, quanto da UDN, detentora de maior poder e prestígio à época em Bom Despacho.
Foi notável o pioneirismo deles ao quebrar com a polarização típica do coronelismo local e abrir espaço para todos, independentemente de sua orientação política”.
Damião me contou que o Prof. Dorvelino sempre foi indiferente à programação, preferindo valorizar a liberdade do time de locutores nesse aspecto. Por outro lado, ele também nunca se envolveu como locutor da rádio, exceto por uma única chamada que gravou: “Rádio Difusora Bondespachense 1540 quilos de sucesso para você”, uma vinheta que marcou o início dos anos 80.
Nos anos 1980, a rádio Difusora não era o ponto de encontro dos grandes artistas, mas acabou se tornando um espaço vital para aqueles que estavam no início de suas carreiras. Bandas como Rádio Táxi marcaram presença no estúdio antes dos shows na cidade, com sucessos como “Moreno alto, bonito e sensual”, enquanto promoções movimentavam a cena radiofônica. As duplas sertanejas também encontraram ali um espaço, e figuras como o locutor Célio Sérgio têm lembranças vívidas de artistas como Gino e Geno, Gian e Giovani, Ataíde e Alexandre, nestes tempos fervilhantes da música popular brasileira.
No âmbito religioso, Padre Jayme, o fundador do Movimento de Jovens Roda Vida, ligado à Igreja Católica, apresentou um programa diário na Rádio Difusora por mais de 30 anos. Damião me contou que a presença dos evangélicos na programação da Rádio, como a do Pastor Manoel Batista, gerou certo tensionamento, em uma época em que o catolicismo era mais preponderante na região. No entanto, a rádio abriu as portas para essa diversidade religiosa, rompendo com paradigmas provincianos. A inesquecível líder quilombola, Dona Sebastiana, mencionou em um documentário disponível no YouTube, durante uma entrevista na Rádio Difusora, que “foi lá que ela encontrou espaço para divulgar seu trabalho, ressaltando a importância da estação como pioneira em dar voz às diferentes expressões culturais da comunidade”.
No documentário “A Filha de São Sebastião” (2014), da Caturra Filmes, um coletivo de profissionais da área de cinema, produção e história, da cidade de Belo Horizonte, há uma passagem interessante em que Dona Sebastiana se apresenta na Rádio Difusora e comenta que se sentia genuinamente acolhida naquele lugar que sempre lhe deu voz: “Boa tarde Kallifa, prof Dorvelino, boa tarde Difusora e ouvintes da Rádio, dessa nega veia, preta, dentro do lar de cada um, do meu povão, tá eu de volta aqui trazendo uma coisa muito boa, porque nossa querida Bom Despacho, nós temos que trazer coisas boas, jovem, maravilhoso, um trabalho maravilhoso, então eu tenho o prazer em subir essa escada da menina dos meus olhos, que se chama Rádio Difusora, pra trazer coisa boa porque onde tem coisa boa, tem progresso, esperança e realização.” Confira o documentário e veja essa passagem a partir do minuto 38 CLICANDO AQUI.
A Rádio Difusora transmitiu na frequência AM até dezembro de 2022, quando migrou para 91.1 FM, já em sua atual localização na Rua Dr. José Gonçalves. Com “uma programação sintonizada com os desejos dos ouvintes de várias cidades do centro-oeste mineiro, a rádio se destaca por valorizá-los, na melhor expressão de respeito, com profissionalismo e ética.” Hoje, com a internet, alcança grande público, ultrapassando as fronteiras territoriais, ao disponibilizar-se para todo o mundo através do seu site. ACESSE O SITE CLICANDO AQUI.
A mudança de frequência há dois anos suscitou diversas manifestações dos ouvintes. Na página Bar do Tonhão, um comentário ressaltou: “Dos programas de auditório, noticiários, entrevistas, transmissões de futebol até os tradicionais anúncios de notas de falecimento, a Difusora AM contribuiu para o desenvolvimento da sociedade e fez parte do crescimento de várias gerações.”
Joaquim Cardoso assim se manifestou: “A Difusora AM fez parte importante da minha vida, inesquecível, muito obrigado Professor Dorvelino e funcionários. Como tenho saudades dos shows no Cine Regina”. Ao que o locutor Ronald Teixeira respondeu: “Esses shows aos domingos chamavam-se Prelúdio à Fama” e o pessoal brincava dizendo “Prelúdio à Fome”, pois acontecia após a missa das 9:30h na Matriz. Foi a Jovem Guarda de BD”. Já Sérgio Lopes Cançado afirmou: “Marcante em minha infância. Não me esqueço do programa O Disco da Juventude, apresentado ao meio dia”.
Entre folclore e histórias sobre a Difusora, ouvi o relato de Benício Cabral, que me disse: “O rádio de pilha e as rádios não tinham alcance. A não ser aquelas ondas tropicais, né, que eles chamavam de ondas longas, sei lá, que pegavam à noite. Nas fazendas, a antena era um arame, que desenrolava assim: punha dois bambus. À noite pegava as rádios do Rio e São Paulo, aquele Zé Bettio, aquele Rádio Mundial. Não me lembro mais. O povo adorava, mas só à noite. E aquela onda só propagava à noite. E os outros eram locais. Então, era a rádio Difusora, não tinha outra rádio. Aí o povo falava, ah, liguei o ferro elétrico, pegou a rádio Difusora. Porque não tinha, não tinha opção. Mas eu vou falar uma coisa que é verdade. A antena era ali na rua da Antena, eu me lembro bem. E uma pessoa, na Praça São José, ligou um toca-disco. E começou a ter uma interferência da rádio Difusora. A gente ouvia a rádio, pois o som era captado pelo cristal do braço daquele toca-disco antigo, que a gente chamava radiola portátil. Esse é verdade, eu estava presente. Quando ligou, já começou. Claro que não era perfeito o som, mas a gente ouvia a interferência. Dava para reconhecer que era o locutor da rádio Difusora falando…”
À época da migração, Rogério Santos destacou nas redes sociais: “Há mais de 50 anos, a Difusora é propriedade do Professor Dorvelino Alves de Azevedo. Ele investiu na rádio, adotando um transmissor moderno e substituindo as ‘pick-ups’ (toca-discos) por MDs (mini discs) e, posteriormente, por programas de computador. Os gravadores de rolo foram substituídos por ‘cartucheiras’, que também foram posteriormente substituídas por computadores. A rádio foi a primeira da região a operar 24 horas.”
Ele complementou: “Programas de auditório, entrevistas, transmissões de futebol, transmissão da Santa Missa e das solenidades da Semana Santa, bem como as Notas de Falecimento, fizeram da Difusora AM a líder de audiência na cidade sorriso. Prova disso é que a maioria das FMs que surgiram na cidade copiou sua programação.” Com uma programação eclética, a Difusora AM conta com apresentadores como Célio Sérgio, Kallifa, João Batista JB, Fernando Santos, Silvério Santos, Gilberto Tonhão e Carlos Roberto do Couto. Não poderia deixar de citar também os carismáticos Célio Luquine e Rosemberg Rodrigues, Samira Araújo, Alexandre Chaves, dentre vários outros que durante anos fizeram sucesso nas ondas da Rádio.
Marta Faria trouxe à memória os grandes ouvintes da cidade, ponderando: “Imagino qual seria a reação do Toim do Solau diante dessa notícia (da migração para FM), se estivesse vivo hoje.” Carlos Magno Foureaux acrescentou com humor: “E o Tim do rádio também… rsrs.” Tempos atrás, nas ruas, as pessoas especulavam: “Será que o Dorvelino pagava uma gorjeta para o Tim passear pelas ruas da cidade ouvindo a Rádio?” O que elas não sabiam era que Tim era afilhado de crisma do Professor Dorvelino, como me revelou seu filho, Damião.
Damião nos relata um fato marcante, um grande furo de reportagem da emissora: “Em 1994, a Caravana da Cidadania, primeira iniciativa desse tipo liderada pelo atual Presidente Lula, que priorizava o combate à fome e a pobreza, marcou seu percurso por diversas cidades, incluindo Bom Despacho, onde seu discurso foi captado pelo repórter da Difusora Ismar Lima de Oliveira. O furo de reportagem foi destacado pela revista Veja, em reportagem que fez sucesso na época. Durante um evento numa churrascaria da cidade, apoiadores venderam convites para um almoço com o político, garantindo a presença do radialista Ismar, que havia adquirido inteligentemente seu convite. Outros jornalistas de grandes veículos, como Folha de S. Paulo, Estado de Minas etc foram impedidos de participar, por não terem reservado convites, causando controvérsia. No entanto, esse momento exclusivo registrado pela Rádio Difusora em Bom Despacho, permitiu que Lula, até então discreto em sua campanha, se expressasse como candidato à Presidência da República pela primeira vez, marcando um evento histórico na trajetória política do líder, transmitido nas ondas da nossa rádio Difusora AM”.
A história de sucesso da Rádio Difusora é uma jornada longa e cativante, repleta de momentos marcantes e contribuições significativas para a cultura e a sociedade de Bom Despacho. No entanto, este é apenas um capítulo, pois há muitas outras fontes de informação prontas para nos guiar por novas descobertas. Continuarei a explorar e a compartilhar, mantendo viva a chama da comunicação em nossa sociedade, como forma de socializar conhecimentos.
Vida longa à nossa Rádio Difusora e milhares de “quilos de sucesso”, prosperando por muitos anos, trazendo sucesso e inspiração para todos os envolvidos, passados e presentes. Que suas transmissões continuem a unir comunidades, por meio da música e da notícia, e a deixar um legado duradouro de cultura, informação e entretenimento. (Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Fotos: Arquivo)
Ô Larai!!!!! Que registro histórico! Parabéns, Jornal de Negócios!!!Sem dúvida, a Rádio Difusora narrou grande parte dos acontecimentos de nossa Bom Despacho. Tenho orgulho de ter usado os seus microfones para levar notícias, informações para nossa comunidade. Os meios de comunicação, os mais diversos e plurais, são necessários para a democracia! A escrita cuidadosa de Vander e as inestimáveis fotos que ele conseguiu para esta matéria valeram a pena!!! Muito feliz por este momento, véspera do dia do trabalho e do aniversário de Bom Despacho, é um presente para todos nós!!!
Meu nome: Cleusa Carvalho, tenho 81 anos,sai de BD em 1954.Meu pai foi testemunha ocular do roubo das urnas de 1954 ,vocês não colocaram o mais importante da Rádio Difusora,que são os locutores da década de 40/50 ,Baeta,Maria Paixao( considerada uma das mIs belas ) e Zé Caetano.Dos programas de auditório aos domingos onde cantores se apresentavam ,entre eles minha prima Auxiliadora Carvalho e Raimundo filha do tenente e músico Jovete se apresentavam.Realmente lembro do show do Luiz Gonzaga, ficou super lotado e tinha gente até do lado de fora.Meu tio Juca Lopes por algum tempo foi diretor da Difusora.Hoje moro em Brasília, sem deixar os anos dourados que passei.
Excelente lembrança, Sra. Cleusa! Posso garantir que o Vander se esforçou para encontrar pessoas que dessem relatos sobre os anos 40 e 50 e encontrar material dessa época. Muito bom que a senhora tenha se recordado dessas pessoas! O Juca Lopes foi uma liderança importante do PSD e foi amigo do meu tio Augusto. Minha bisavó e, principalmente, a irmã dela, Tia Rita, eram boas amigas da Margarida, esposa do Chico Lopes (irmão do Juca). Ele tinha uma venda de picolé onde depois foi a venda do Nilson e da Vicência Pádua. O roubo das urnas em 54 foi algo que marcou a população na época. Por favor, compartilhe com a gente as suas lembranças dos relatos do seu pai sobre esse fato! 🙂 Grande abraço! Posso entrar em contato com a senhora?
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Esqueceram de mencionar o locutor Miquelino, que por anos apresentou programa diário na difusora, até sua morte em 1978. Se não estou enganado, Paulo Roberto do Couto assumiu seu lugar.
Oi, Marcelo. Miquelino é um que foi gerente do Cine Odeon nos anos 40? Pai do Vulcino e do Ronaldinho, que também foram locutores da RDB?