Corrida do João Jiló: veja como tudo começou

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – É engraçado como cada família bom-despachense, de alguma forma, guarda características peculiares. Eu, particularmente, adoro apreciar o que cada uma tem de especial. Sou fã de muitas delas. Dos Cabral, por exemplo, que são os protagonistas dessa história, gosto muito. Seja por suas colocações sinceras e inteligentes, pela atuação ativa na comunidade, ou por algum tipo de afinidade que temos com algumas pessoas sem saber explicar muito bem o porquê.

Há alguns anos participo da corrida João Jiló, promovida pelas meninas da Secretaria de Esportes. Sempre soube que a história guardava uma relação com a família Cabral, mas nunca tive a curiosidade de me inteirar dos detalhes.

Esse ano, como de costume, estou inscrita para a corrida que acontecerá neste domingo, dia 14 de abril. Mesmo gostando muito do esporte, por dificuldade vou correr apenas 5 quilômetros da prova, que promove disputas de 5, 10, 21 e 42 quilômetros.

O que será diferente dessa para as outras João Jiló que participei? Desta vez vou como conhecedora da história. O caminho, certamente, será mais especial.

A caminhada onde tudo começou

Fui convidada, este ano, a participar da Caminhada do João Jiló, a original, onde tudo começou e que deu origem à famosa prova esportiva.
Ela acontece todos os anos, na sexta-feira da paixão. Engana-se que pensa que está associada à quaresma ou algo religioso. Os caminhos desta história passam por outras searas.

Ao aceitar o convite, fui incluída em um grupo de whatsapp que criaram para os participantes dos 21 quilômetros de Caminhada do João Jiló. Pude acompanhar o movimento da família, os preparativos, a confecção das camisas e o Benício, organizador empolgado do evento, conduzindo conversas e discutindo tempo, possibilidade de estiagem e perspectivas.

A véspera foi de pura dúvida e ansiedade pra todos. Um vai não vai, um chove estia, um será que vai acontecer? A chuva foi torrencial em quase todo o dia e a noite que antecederam a caminhada. Quase ninguém acreditava que seria possível caminhar 21 quilômetros, na estrada de terra, com um tempo assim. Muitos desistiram. Benício manteve-se lá, firme, crédulo e empolgado. Ainda bem, porque não choveu, o sol nos deu uma trégua e a caminhada, que prometia ser um perrengue só, foi deliciosa.

Como adoro essas aventuras na estrada de terra, mesmo quando envolvem lama e imprevisões, me organizei para caminhar caso a chuva arrefecesse.

Ficamos em casa na noite anterior, Alexandre e eu. Tomamos um vinho e enquanto ele assistia o Palmeiras jogar, peguei o telefone para navegar nas conversas de whatsapp. Tentando acompanhar as movimentações do grupo, entre uma e outra taça de vinho, dei de cara com um link, publicado pelo Benício, que contava a verdadeira história da corrida. Resolvi bisbilhotar. Segundo o texto, a caminhada da Sexta-feira da paixão, realizada pela família Cabral, que deu origem à corrida promovida pela Secretaria de Esportes, começou por mero acaso.
Apaixonados por esportes, Benício e vários membros da família – irmãos, sobrinhos e amigos, sempre estiveram envolvidos em famosas corridas e práticas esportivas no Brasil e quiçá, mundo afora.

Alguns anos atrás, por volta de 2003, Benício, à época morando em Belo Horizonte, veio passar o feriado da semana Santa em Bom Despacho, acompanhado da mulher e das filhas. Já conhecia o percurso, que hoje é o trajeto da João Jiló, mas tinha a impressão de que eram 10 quilômetros aproximadamente, o que, segundo ele seria uma ótima distância para uma caminhada sem compromisso.

Perrengue com o dog alemão

Animado com a perspectiva, naquela semana Santa de 2003, ele convidou os parentes para acompanhá-lo na empreitada e aproveitarem o feriado juntos e praticando esportes. A adesão foi pequena, restando no final da contagem apenas ele, Benício, a mulher, Ordália, Sérgio, o irmão e um “dog alemão” que Sérgio possuía à época.

Segundo Benício, o cachorro gigante, criado em canil, diferente dos membros da família, não era dado à prática esportiva. Alguns quilômetros após o início da caminhada ele começou a dar sinais de cansaço.

Assim, a caminhada passou a ser entremeada por paradas, para que o cachorro, que se recusava a beber água das poças e dos riachos, pudesse matar a sede. Os intervalos davam-se nas fazendas do entorno, onde o grandão era servido por gentis empregados ou moradores que o socorriam com um balde e uma mangueira d’água.

Quantidade nenhuma de água era suficiente para o enorme e sedento animal.

Não bastasse toda a labuta com o Cão, já no adiantado do caminho, a chuva começou a cair. Benício, entendendo que já haviam ultrapassado uma quilometragem muito superior aos 10 quilômetros planejados, começou a se preocupar e crer que tinha errado o trajeto. Voltar foi a primeira ideia, mas nada de acharem o caminho de retorno. Concluíram, então, que estavam bem longe do retorno desejado e, provavelmente, não valeria pôr em prática aquela ideia.

Vieram as bolhas nos pés, o cansaço, a exaustão do cachorro e dos caminhantes. Como pequenas tragédias não andam sozinhas, a água potável acabou, a deles e a do cachorro, que como bem compreendido no decorrer do caminho, não se dava a beber qualquer tipo de água.
Quando pensaram que nada mais poderia piorar, chegaram à ponte, aquela logo na entrada do Raposo da Tibila e do falecido Mané Candinho, que fica entre dois grandes morros. O cachorro, gigante e exigente, ficou apavorado e se recusou a atravessar. Sérgio, como responsável pela “cria”, teve que sair da ponte e deslocar-se por dentro do riacho, com água até a cintura e, claro, levando no colo o grandão que, segundo relatos e descrições, pesava entre 30 e 70 quilos.

Nessa altura, quando tudo já estava perdido, alguém se lembrou que era Sexta-Feira Santa. Como bem sabem os antigos, nesse dia não se podia fazer nada. Para alguns, sequer pentear os cabelos. Lembraram da maldição contada na história do João Jiló, uma das muitas e belas fábulas da coleção “As Mais Belas Histórias”, que tinha, também, as histórias do Epaminondas, do Afilhado do Diabo, do Velho, do Menino e o Burro, dentre outras.

Segundo a história, João Jiló resolveu, contra todos os bons conselhos da vizinhança, ir caçar na Sexta-Feira Santa. Claro, foi uma tragédia. Tudo deu errado. João, depois de muito esforço, conseguiu caçar um galo que sempre gritava: “dói, dói, dói, João Jiló”. Mesmo quando foi ser escaldado e depenado, o galo continuou gritando “dói, dói, dói, João Jiló”. Quando foi ser levada para a penela, a ave saiu voando e gritando, até a cúpula do altar-mor da Igreja da Matriz e lá pousou. Reza a lenda que até hoje está por lá, como podem todos ver e, quando a chuva arma a cair, ela gira e aponta para o norte.

A aventura virou tradição. Segundo Benício, a partir de 2005 passaram a reunir grande parte da família Cabral, todos os que estivessem disponíveis em Bom Despacho na Sexta-feira Santa, para se aventurarem, sem o “dog alemão”, no trajeto percorrido em 2003. Claro, essa aventura foi batizada de caminhada do João Jiló. Descobriram, mais tarde, com medição precisa do Sérgio, tratar-se de 21 quilômetros de estrada de terra.

O evento passou a ter camisa, organizadores e convidados. Hoje está, também, como corrida, no calendário anual da cidade. Uma corrida muito prestigiada e com vários participantes, inclusive de outros municípios, com percursos de 5, 10, 21 e 42 quilômetros, a depender da capacidade física e da opção de cada um.

O trajeto é lindo. A paisagem, bucólica, entremeada por pequenas fazendas, uma capelinha, muito verde e quilômetros de estrada de terra. Passa por mata-burros, uma pontezinha, riacho, estradões e muitas trilhas. Permite aos participantes uma experiência muito prazerosa, com um pano de fundo tipicamente mineiro e regado, é claro, a muita conversa, risos, perrengues, atoleiros e aventuras.

Obrigada ao Benício e a todos os Cabral pelo convite, pela possibilidade de viver essa experiência, conhecer a história e compartilhar da interessante companhia de vocês! Que venham outras “João Jiló”. (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Fotos: Benício Cabral).

 

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