Mais cuidado com os lugares, a história e as árvores de BD

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Segundo as tradições, quem bebe da água da Biquinha e come o biscoito da Mariquinha, sempre volta a Bom Despacho.

Adoro nossos ditos, nossas histórias, nossas peculiaridades. Adoro, como sempre digo, nossas árvores e o rico cerrado mineiro que nos abraça com suas espécies.

Contudo, a forma como a vida vem crescendo e as pessoas definindo modernidade, progresso e segurança tem me assustado e chateado bastante.

A sensação que tenho é que toda a cidade será asfaltada, tornada cinza, “varrida”, “limpa”, sem árvores e com uma história que não condiz com nossa doce mineirice.

A Matriz, lotamos seu entorno com arranha céus e hoje mal dá para vê-la à distância.

As árvores, parece tentarmos aboli-las, junto com os trechos de terra, onde a chuva levanta aquele cheiro maravilhoso de terra molhada. Fora a questão da infiltração no solo, que desconsideramos completamente ao sair pavimentando tudo.

Lixo excessivo

Lidamos com as sujeiras dos plásticos, papéis, sacolas e latinhas do nosso excessivo consumo diário jogando tudo fora, sem critério e sem tentativa de reciclagem, mas achamos insuportável lidar com as folhas caídas diariamente das árvores. Pra mim, um tipo de lixo quase poético.

O que brigam comigo no meu bairro por causa do meu ipê e do meu jatobá que saem espalhando não apenas sua sombra, mas suas folhas mundo afora, não está escrito.

Igrejas cercadas

Construíram no bairro Esplanada, sem a minha ajuda, hei de confessar, com o trabalho e doação dos moradores, uma linda igrejinha, para depois cerca-la com muro e grades.

Pegaram aquela igrejinha de São Sebastião, que ficava sozinha na colina da Vila Gontijo e que na minha opinião era verdadeira obra de arte e onde eu ia quase diariamente ver o pôr do sol, e construíram um galpão gigante e destoante a seu lado. Não bastasse isso, agora cercaram a singela igreja com grades por todo o seu entorno.

Construíram, também, junto à bela Igrejinha da Vila Militar, onde meus pais se casaram, um gigante galpão de festa, em dissonância com toda a construção da nossa charmosa Vila Militar.

Não estou criticando quem pega e faz, porque sei que fazem da forma que acreditam ser a melhor e mais confortável, à custa de muita dedicação, luta e esforço. Valorizo as lutas e os esforços. Só me entristeço ao ver as construções precisarem ser cercadas, muradas, cimentadas, desprovidas de árvores, de verde, de partes infiltráveis e, também, sem os devidos cuidado de estética, beleza, história e poesia. Isso, claro, na minha opinião.

Ouvir as histórias

Desculpem-me os envolvidos em cada uma dessas edificações e saibam que, de verdade, eu os respeito. Gostaria apenas que abrissem mais, plantassem mais e ouvissem as histórias dos lugares onde estão construindo.

Segundo pesquisas recentes estamos na região mineira mais conservadora e, talvez, essa forma de edificar seja apenas um reflexo do que somos.

Outro exemplo que me entristece é a Mata do Batalhão. Usamos um bom dinheiro para cercá-la. Somos um grupo engajado e cuidadoso, hei de confessar, mas só eu e mais um não queríamos o cercamento. A meu ver, poderíamos ter usado o dinheiro investindo numa educação ambiental ou mesmo na restauração das ruínas da mata.

Pegamos nossas rotatórias, que eram jardins e colocamos em uma, a da Dr. Roberto, um cimentado monumento à Maçonaria e, na outra, perto do antigo SESC, um monumento ao Lions. Não tenho nada contra os monumentos e essas duas belas instituições homenageadas, mas porque cimentar em volta, porque não manter o jardim florido e o espaço para a água infiltrar e umedecer o solo?

Naquela parte que fica em frente à prefeitura cortaram toda a cobertura verde. Fui me queixar e me informaram que os eucaliptos estavam condenados e seriam substituídos por belos Ipês. Até ontem, nada.

Revitalização da Cruz do Monte

Agora, soube que há um projeto em andamento no berço da nossa cidade, no lugar em que tudo começou, na Cruz do Monte, que fica na colina mais alta da cidade.

Adorei a ideia de que vão fazer um projeto de revitalização do lugar, palmas para os restauradores. Mas, fiquei imensamente triste quando soube que o projeto pretende a derrubada da maioria das árvores e a construção de uma via-sacra. Nada contra as vias-sacras, pelo contrário. Só acho estranho fazer um projeto sem conversar com a história e o lugar. Lá é uma região quase quilombola, grudada na Tabatinga, vizinha de candomblés e terreiros, de onde sai a festa do reinado em um dos dias e que tem o peso de carregar o marco inicial da cidade.

Não sei exatamente o que será feito, tenho vontade, inclusive, de conhecer melhor o projeto. Espero que o canteiro central não seja, também, como várias outras obras, cimentado. Espero que haja espaço para as árvores antigas e as novas e que a ideia da via-sacra seja repensada. Somos religiões diversas hoje e ali, a meu ver, caberia algo sobre o nascimento da nossa história e que abrangesse a população de modo geral e não um segmento dela.

Sei que talvez essa seja uma visão bem particular mas, como cidadã, sinto-me no direito de expressá-la.

Queria muito que revertêssemos essa questão de sermos uma das regiões mais conservadoras do Estado, queria que plantássemos mais, asfaltássemos menos, usássemos menos grades, menos muros, nada de concertinas e nos portássemos como verdadeiros e acolhedores mineiros que somos.

Aqueles típicos, que abrem a casa e o coração, convidam pra entrar e servem uma boa quitanda com “cafezim” quente.  (Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Foto Google Inc.).

 

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