Não é proibido passar dos 80

 

DILERMANDO CARDOSO – Ao viajar pelas rodovias, país afora, vemos com frequência certa placa de sinalização do trânsito, colocada na lateral das pistas, que adverte telegraficamente a velocidade máxima permitida — 80 km —. Ultrapassar este limite traz consequências graves para o infrator. Na viagem da vida, entretanto, ao atingir a famosa marca dos 80 parabéns, experimentamos dois sentimentos distintos. De um lado, o misto de felicidade e gratidão por havermos “chegado lá” sãos e salvos — apesar da loucura dos homens e do mundo! Na contrapartida, em igual tempo, somos tomados pela tentaçãozinha marota que recomenda esquecer a lucidez e queimar pneus rumo aos 90… 100 anos… Irresponsavelmente!

Adicionei este nariz de cera ao texto porque um amigo-companheiro de laudas e lutas — professor Tadeu —, ainda lépido e lúcido comemorou dias atrás as suas primeiras 80 primaveras! Sem dificuldade eu poderia espichar as linhas do presente artigo, narrando passagens memoráveis da vida deste Personagem da Semana — mestre da língua, político, jornalista… Contudo, outros o farão com mais “engenho e arte”. O que relato a seguir não vai além de um breve capitulo da nossa conivência.

Chegavam ao final os agitados anos 1980… Sempre 80! Traumatizado, o Brasil ainda se ressentia da Ditadura dos Generais, quando certo grupo de idealistas resolveu sacudir a política da conservadora Bom Despacho, então fundando aqui um impensável comitê do Partido dos Trabalhadores! Bem, comitê é modo de dizer, porque o lugar não passava de uma salinha acanhada onde mal se acomodavam os decididos revolucionários, localizada logo abaixo do antigo Bar do Ari, já praticamente nas goteiras do Quartel do Sétimo Batalhão… Temeridade ou ingenuidade pouca é besteira!

Porém, não se tramava ali a derrubada de governo nenhum, através das armas; nem se propunha ocupar qualquer empresa para dividir seu capital com os empregados; tampouco, invadir fazendas e repartir as terras em quinhões entre os camaradas… Na verdade, o que se discutia era como, politicamente, conscientizar e mobilizar o povo para as reformas sociais reclamadas, melhorar o ensino público, abrir postos de saúde…

Lembro-me que entre os “perigosos conjurados”, como a nós se referiam, à boca pequena e de esguelha, alguns enfurecidos patriotas de ocasião, contava-se o cisterneiro Godê; Zé Mamão, marceneiro; doutor Davi, médico; professor Tchesco; Dudu Costa, veterinário; o autor destas enviesadas linhas; sem falar de outros mais que, de momento, devastada pelo tempo a memória não me permitiu recordar seus nomes.

Ah, sim, esquecia-me, e me penitencio, por último, todavia não menos importante é dizer que aquele pequeno Exército de Brancaleone tinha seu general, representado pelo companheiro professor Tadeu Araújo; em nossa história escolhido como secretário, sendo ele, pois, quem redigia as atas das reuniões. Não salvamos o mundo, decerto. Talvez tenhamos melhorado um pouco a nós mesmos. Mas, ao final, valeu a pena! “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” — escreveu o poeta português. (Portal iBOM / Dilermando Cardoso é bancário aposentado e escritor).

 

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