As luzes que o amor pode acender

 

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Esta é uma história sobre escolha, renascimento, acolhimento e as luzes que o amor é capaz de acender.

Essa frase pode parecer meio brega: “as luzes que o amor pode acender”. No entanto, esta história é exatamente sobre isso.

Em outubro de 2004, seis anos antes de perder meu marido num grave acidente de transito, eu estava ansiosa para ser mãe. Já tínhamos quase 4 anos de casados e meu falecido marido só sabia me dizer: “vamos esperar um pouco mais para ter filhos”.

Então, numa noite de sábado do final do mês de outubro, discutimos sobre o assunto e fui dormir frustrada com a decisão de, novamente, adiar a maternidade.

No domingo do dia seguinte acordei cedo e, como sempre faço quando estou chateada, fui andar pelas ruas para pensar e digerir o assunto.

Estava subindo a rua da minha casa, quando um jovem me parou e, apontando o dedo na direção de um senhor que estava a poucos metros de nós, me pediu: – Poderia, por favor, entregar essa menininha pro avó dela que está ali no portão esperando.

Eu, apaixonada por crianças, olhei a menina que ele me entregava e fiquei emocionada. Ela tinha uma pele clara, cabelos pretos e olhos bemmmm azuis. Parecia uma pequena boneca do alto de seu um aninho de idade.

Peguei-a imediatamente no colo e disse: – Claro.

Andamos poucos passos juntas, ela bem agarradinha ao meu corpo, como se me conhecesse há séculos. Quando fui entregá-la ao senhor que a esperava no portão, ninguém conseguiu tirá-la de mim. Ela apertou fortemente o meu pescoço e gritou repetidas vezes: mamãe mamãe, mamãe. Parecia impossível desgrudá-la do meu corpo. Ela estava convicta de que eu era a sua mãe.

Eu, ainda no calor da discussão da noite anterior, com uma imensa vontade de extravasar meu lado materno, disse para todos os que se empenharam na tentativa de nos separar: Sou Roberta, moro aqui, na rua de vocês, sou filha do Professor Tadeu, que todos conhecem. Deixem-me dar uma voltinha com ela até que ela se acalme. Depois a trago de volta. Prometo.

Nesse dia, ela passou o dia inteiro comigo. Visitou minha casa, a casa dos meus pais e não houve quem conseguisse tirá-la de perto de mim.

Descobri um pouco sobre sua história: que não morava com os pais, que tinha um aninho de vida, que se chamava Dayane e ainda não havia sido batizada.

Foi amor recíproco à primeira vista.

A partir de então, fui em busca de saber cada vez mais sobre a história dela e achar sua mãe biológica para me autorizar a batizá-la. Convenci o Leo, meu marido à época, e nos tornamos seus padrinhos de batismo.

O tempo passou e os laços só fizeram estreitar-se entre todos nós. A Eleuza, com quem ela morava quando a conheci, engravidou, passou a ter muita dificuldades para cuidar de duas crianças tão novinhas e Dadá, como até hoje a chamamos, foi morar conosco.

Ela acrescentou muito à vida de todos nós. Permitiu a mim e ao Léo sermos pais.

Nossas famílias, tanto a minha, quanto a dele, a acolheram como se ela sempre tivesse sido uma de nós.

Veio a convivência, a guarda, a adoção. Foi o que posso chamar de um projeto familiar. Nós todos a adotamos, acolhemos e amamos, intensamente.

Qual a relação disso com o Natal? As luzes. Não apenas as que esse amor acendeu em nossas vidas, mas as luzes de Natal propriamente ditas. Minha família, até então, nunca tinha tido o hábito de montar árvores, luzes ou enfeites natalinos. Quando a Dada veio morar conosco era quase Natal e ela não sabia falar quase palavra alguma. Dizia apenas água, mamãe e ficava tão enlouquecida quando via qualquer árvore de Natal enfeitada que saía apontando o dedinho e gritando: tatal, tatal, tatal!

Minha mãe, como avó maravilhosa que sempre foi, nesse ano montou, em homenagem a ela, uma linda árvore de Natal, com muitas luzes e brilhos. Depois disso, vieram outros netos e ela nunca mais parou. Nossos natais, deste então, são iluminados e decorados.

Dayane, ainda pequenina, com o Léo, que faleceu pouco depois.

Poucos anos depois, meu marido faleceu e nunca cheguei a ter um filho biológico. Ela foi a luz que ficou para amparar minha perda e dar sentido à minha vida.

A Dadá, minha querida filha, achou um lar que a amou e acolheu. Nos ensinou a ser pais, avós, tios e acendeu nas nossas vidas, de forma definitiva, as luzes do Natal.

Esse ano, eu e ela viemos dirigindo a São Paulo para passar o Natal com a família do Alexandre, meu novo companheiro paulistano. Paramos em cidades e lugares lindos para relembrar essa história e apreciar as luzes natalinas.

Que na história de todas as pessoas possa haver alguém para acender as luzes do amor e do Natal. E que cada criança dessa terra possa achar um lar que a acolha, alimente e ame.

Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal

One thought on “As luzes que o amor pode acender

  • 2 de fevereiro de 2023 em 07:19
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    Roberta, deu texto foi uma volta, literalmente, ao passado. Revivi cada instante dessa sua descoberta como mãe, da Dadá aprendendo a aceitar amor, de seu crescimento suas dores. Sua e dela com a perda do Léo.
    Você, por amor, sempre vencedora e criou uma filha que herdou de você e do Léo ( quem disse que só se herda pelo sangue) o que de melhor o se humano pode ter. Parabéns. Te admiro incondicionalmente. Dadá você tem u’a mãe maravilhosa, avós incríveis e uma família nota 10.

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