Era uma vez no sertão do Bom Despacho!
Trinta anos depois, foi que me vi ali, com o texto já digitado de um conto que me fora dado em mãos na antiga sede da Câmara Municipal da cidade. O Gilberto Coimbra me convidara, na época, para ilustrar com meus desenhos a grafite, cenas da antiga Bom Despacho para emoldurar as paredes daquela casa da vereança. Enquanto folheava o conto e lia vorazmente aquele linguajar que me era tão familiar, pude perceber que o autor era senão o Professor Tadeu.
Afamado professor da língua portuguesa da nossa cidade, se aventurara ali naquela folha A4 a destilar sua prosa sobre um caso antigo ocorrido nos finais do século dezoito bem ali, na Praça da Estação. Na verdade, eu estava ali para conhecer um outro escritor bom-despachense, que vinha com um lançamento de um certo “Gato de Curitiba” e, enquanto não era recebido por ele e pelo Gilberto, tomara a tal folha A4 no balcão. A caligrafia alinhada logo terminou num ponto de exclamação que não ditara o fim da estória. Fiquei intrigado e curioso para saber o final. E que final! De repente, uma voz chama meu nome:
— Ôh Wagner! — Quando me virei, ali estava ele, o autor sorrindo por detrás de seus óculos, apalpando a barriga e vindo em minha direção. — Tava procurando esse papel!
— Uai, adorei o conto, mas cadê o final?
— O Jacinto cismou que tenho que publicar um livro!
— É, acho mesmo que ele tem razão! — Disse eu, entregando o rascunho ao professor.
— O Vicente me mostrou o seu conto também, ele terminou de o digitar ontem! — Na época, o Vicente, funcionário da Câmara se oferecera para digitar nossos contos para um certo festival em Uberaba, nos oferecido pela Secretaria de Cultura da época do então prefeito Célio Luquini. — Rapaz, que coisa fabulosa. Você lê muito o “Guimarães”, né?
Fiquei sem palavras, pois afinal, o Professor Tadeu elogiar um texto meu, um jovem aspirante a escritor, era já o tal prêmio que pleiteávamos.
— Você também vai se encontrar com o Jacinto?
— Também, mas vim entregar esses quadros para a Câmara! — E apontei as telas no canto da sala de espera onde a secretária Hilda me acomodara.
— Acho que também não, apesar do Jacinto querer muito que publique, mas acho que essas estórias não vão ter público, são muito peculiares…
— Mas eu acho que vão sim!
Esse encontro aconteceu num intervalo de mais de vinte anos. Ambos publicamos nossos textos, e depois, nos encontramos mais uma vez, para um evento fabuloso onde a escritora mineira Adélia Prado foi agraciada com “uma cadeira”, fundamos, o Professar Tadeu e eu, juntamente com mais vinte confrades, a ABDL, Academia Bondespachense de Letras. Ali, pude abraçá-lo e constatar sua previsão: — O regionalismo tem vez, sabe? Se você contar as coisas como você conta, se você valorizar sua terrinha. Tem sim. E ouvindo esse conselho que perdurara por mais de trinta anos, estou nas vésperas de lançar minha própria editora, especializada em literatura regional. Na época, incentivou-me a continuar, incentivou-me a escrever sobre o quê eu via, sobre as pessoas próximas, sobre as peculiaridades da nossa terra, mesmo que eu bordasse algo aqui e ali como o realismo fantástico que sempre me aprouvera.
Já fiz o convite ao professor Tadeu para que, juntos, publiquemos os tais contos que, há trinta anos, aspirávamos os louros de uma fama que esteve sempre presente, no regionalismo mágico que é fazer parte dessa terra mágica chamada Bom Despacho!
Wagner Cruz é músico e escritor
Pingback: Tadeu Araújo: o mestre num encontro de almas - iBom