Sua mãe também é uma peça?

 

Com todo o respeito que merecem histórias marcantes como Central do Brasil e Cidade de Deus, o que me vem à memória quando penso no cinema brasileiro são nossas comédias. Desde a infância, quando não perdia nenhum lançamento de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, esse foi o gênero que me fidelizou no cinema nacional. A comédia brasileira tem essa coisa de cotidiana, de resgatar cenas do nosso dia a dia, que faz com que nos identifiquemos. Uma das sequências mais divertidas a que assisti foi “Minha Mãe é uma Peça”.

“Minha Mãe é uma Peça” fala de família, das coisas comuns às diferenças, do carinho às desavenças, dos planos ao improviso, e, principalmente, do amor sem par em torno dessa categoria tão especial de pessoas marcantes em nossas vidas, as Mães! Fala com humor peculiar, relatando uma série de episódios divertidos e ao mesmo tempo emocionantes proporcionados por Dona Hermínia. Desastrada, amorosa, possessiva, inteligente, exagerada… No meio de tantos adjetivos, você pode já estar adjetivando sua mãe como uma peça.

“Serei eu uma peça?” – podem estar se perguntando algumas mães por aqui.

De minha parte, minha mãe é sim uma peça! Rara e valiosa! Dona Rita é impagável, acho que daria bem uns 7 ou 8 roteiros de sucesso no cinema. Então deixe ver, que histórias posso compartilhar aqui sem tomar uma chamada quando chegar na casa dela? Brava ela?… Nada, imagine! Era braba mesmo! Pergunte lá para os ex-alunos se havia professora mais exigente? Então imagine como era em casa! É um bom começo inclusive…

De personalidade, pulso e voz fortes, ela nunca aliviou pra gente não! Lembro-me que tínhamos um acordo de que, para poder brincar na rua no final do dia, tínhamos que fazer todos os deveres, estudar todo o conteúdo dado em aula e acertar tudo que ela nos tomava ao cabo dos estudos. Se fizesse tudo, estudasse tudo e errasse duas perguntinhas? “Sem futebol hoje, Paulo Henrique” – era o que ouvia. Isso valia também para meus irmãos. Daí não era incomum eu ficar com meu irmão no portão da Frederico Ozanan vendo os meninos jogando bola na rua – e pensando que no dia seguinte estudaria mais! Acho que foi isso inclusive que me fez estudioso, a disciplina de Dona Rita!

E você acha que eram só os meninos que ficavam ávidos para cruzar aquele portão? Uma vez, minha irmã, a caçula, resolveu passar por baixo do portão, se arrastando, para sair para brincar. Era menorzinha, a gente achava que passaria, mas… ela ficou com a cabeça agarrada embaixo do portão. Tentamos ajudá-la a sair dali, mas tivemos afinal que chamar “alguém” para nos ajudar. Pense… Primeiro veio o desespero ao ver a filha presa lá embaixo. Depois, veio a força e a inteligência para arrumar um jeito de tirá-la. Em seguida, o carinho para abraçar os três filhos aos prantos. E, ao final, aquela eloquência para sentar os três na cama e nos convencer a nunca mais fazer aquilo. É, eloquência sim, porque podia faltar o chinelo, mas vinha sempre uma robusta lição de moral!

“Mas foi a primeira e última vez que fizemos, tá, Mãe?!” 🙂

Era impressionante, ela sempre estava lá! Pense uma pessoa presente! Dona Rita era a presença em pessoa. Lembro-me da primeira vez que me aventurei a fazer um curso de programação de computadores. Foi em BH, fiquei na casa de Vó Meranda, e Dona Rita estava lá junto. Lembro-me também do primeiro e maior porre que tomei na vida, em que fui o churrasqueiro na casa de uma amiga e perdi a consciência bebendo cerveja o dia todo sem nada comer. Lembro-me de acordar à noite em um sofá, de ir caminhando pela Avenida das Palmeiras até em casa, de chegar e vê-la assustada me receber, me levar para um banho frio e me colocar para dormir na cama. Sim, rolou um sermão histórico no dia seguinte. Nunca mais bebi daquela forma – já se vão mais de 25 anos – e acredito que aquele episódio forjou muito do que tenho como respeito e responsabilidade com meu corpo.

Mas, como diz Dona Rita, “pau que dá em Chico também dá em Francisco”. Anos depois, já com meus filhos, lembro-me bem de uma certa ceia de Natal… Saí de casa com minha filha para participar de uma missa e já estava ela à mesa com meus irmãos tomando uma cervejinha ou um bom vinho. Quando voltamos, lembro de minha pequena sussurrando comigo: “Vovó está engraçada, papai…”. Ela cantava, contava piada, ria alto, estava mesmo eufórica e contagiava a todos! Os meninos adoraram e nunca esqueceram aquela noite de Natal! Nem Dona Rita, que ficou anos se desculpando…

“Que vergonha o quê, Dona Mãe! Todos se divertiram foi é muito!”.

Difícil imaginar presença mais forte e constante ao longo dos meus 47 anos, desde a infância até os dias atuais, passando pelos nascimentos e primeiros anos de vida de meus filhos. Seja lá discutindo comigo porque queria pegar no colo a bebê que se debulhava em lágrimas no berço, seja enchendo os netos de mimos toda vez que a visitam em BH, seja com participação marcante em momentos cruciais. Como quando meu segundo filho passou 11 longos dias na UTI neonatal, em função de uma infecção indetectável, que se curou milagrosamente depois da visita da Vovó Rita e do primeiro contato na incubadora do hospital.

Falando em família, Dona Rita sempre nos presenteou com exemplos de vida do que é e como deve ser o vínculo familiar. Desde o já tradicional “Irmão não briga, irmão tem que dar certo” até os fartos almoços e jantares (exagerados mesmo!), minha mãe sempre buscou nos manter juntos, unidos e sintonizados. Mesmo à distância, mesmo cada um tendo constituído seu próprio núcleo familiar, está sempre buscando nos aproximar, sempre dando notícia de um para o outro, compartilhando uma alegria ou preocupação. Semana passada, em Brasília, na casa do meu irmão, um almoço comum serviu como oportunidade para uma oração, um agradecimento e uma benção.

“Oração de mãos dadas, claro! Como deve ser, né, Dona Rita?” 🙂

Minha Mãe é uma peça! As histórias são incontáveis, o amor e a gratidão imensuráveis. MÃE, te AMAMOS demais!

E a sua mãe? Braba, presente, agregadora, exagerada, divertida, amorosa,…? Quantos adjetivos cabem para essa peça? Quanto amor? Tanto quanto couber nos corações de toda a humanidade…

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