Bom Despacho, eu e Marília Mendonça

ALEXANDRE MAGALHÃES – Faz muito tempo que não vejo televisão aberta, como Globo ou SBT. Sempre tive um pouco de ojeriza dos programas sobre mortes e estupros ou os sensacionalistas, como “O Povo na TV”, que era exibido todas as tardes em algum canal aberto quando eu era criança.

Acho que já faz uns quarenta anos que não vejo uma novela. A última que assisti era um dramalhão mexicano chamado “Os ricos também choram”. Eu era criança quando passava isso. Outro dia, alguém me disse que esta novela foi reprisada mais recentemente. Não é a reprise que vi, mas a original.

Por causa desta distância que mantive desde muito cedo com a TV aberta, nunca vi Chaves, nem Xuxa, nem Casseta e Planeta, nem nada que fez muito sucesso entre meus dez e meus cinquenta e cinco anos de vida.

Apenas para ilustrar minha ignorância com assuntos de TV aberta, lembro de dois episódios:

1) quando morreram os Mamonas Assassinas, em um trágico acidente aéreo perto da casa de minha mãe (aliás, o avião deles saiu do aeroporto em frente a casa dela, onde corro ao redor quase todos os dias), eu estava correndo no Parque do Ibirapuera. Recebi uma ligação de meu irmão, que aos prantos me deu a notícia da morte dos integrantes da banda. Quando acabou de contar a história, eu perguntei: “quem morreu? Mamonas Assassinas? O que é isso?”;

2) a segunda história, já mais recente, entre 2000 e 2008, aconteceu quando trabalhava no IBOPE. Uma de minhas tarefas na empresa era atender à imprensa (jornais, rádios, TVs, revistas etc) que queria obter dados de consumo de audiência de sites na internet. Eu enviava os dados para as matérias e analisava-os para os jornalistas. Ao final da conversa, eu anotava o nome do jornalista, seu e-mail, o veículo no qual a pessoa trabalhava e seu telefone. Explicava que esses dados serviriam para que eu pudesse enviar o tradicional comunicado mensal que eu produzia sobre a situação da internet no Brasil e enviava para todos os jornalistas que algum dia haviam conversado comigo.

Uma ocasião, me chamou uma jornalista da Rede Globo para saber como andava a internet em algum setor econômico específico. Conversamos uns quinze ou vinte minutos, expliquei os dados para ela. Ao final, como de costume, pedi que me passasse seus dados. Ela me passou tudo e eu confirmei em voz alta ao telefone: “OK, Miriam Leitão. De que veículo você é?”. Ouvi uns gritos, que indicavam que parte de minha equipe riu e parte chorou de desgosto. “Perdão, Miriam. Você deve ser conhecida, pois minha equipe desaprovou minhas perguntas. Você é de TV aberta?”. Diante de sua confirmação, que era da Globo, da TV Globo, expliquei que não via TV aberta havia muitos anos. Ao desligar o telefone, fui ridicularizado por todos que estavam no ambiente. Hoje, depois disso, sei que é a Miriam Leitão.

Também nunca fui de ouvir rádio. Rádio AM, então, nem pensar. Raramente, escutava a Rádio Cultura FM ou a Rádio USP, a primeira de música erudita e a segunda com programação de MPB, jazz e um pouco de Rock and Roll.

Sempre achei a maior para das músicas do rádio ruim, além de não gostar das interrupções que os apresentadores fazem a cada música que termina. Acho que essa ojeriza ao rádio foi adquirida quando eu era criança e minha avó, que morou conosco uns anos, ouvia todos os dias e nessa ordem: Programa do Zé Bétio, que dava a hora minuto a minuto e começa às 5:00 horas da manhã, o que me estressava muito; depois o programa do Gil Gomes, com casos de assassinatos e mortes aos montes e, para arrematar a manhã, um programa que se chamava Dose Dupla, que tocava a mesma música duas vezes em seguida e era apresentado por Vagner Montes, que, por acaso, era do programa “O Povo na TV”, já mencionado nesta coluna.

Logo depois que passei a frequentar Bom Despacho, o que ocorreu há exatos quatro anos, tive a minha atenção atraída para um outdoor que ficava na Avenida Doutor Roberto Melo Queiroz, quase na esquina com a Rua do Rosário, bem pertinho do delicioso espaço do Saul, onde sempre tomo um coco gelado após as corridas do fim de semana. Nele, via-se a figura de uma mulher com um microfone na mão e uma chamada para um show que já havia acontecido há alguns meses. Pode ser minha memória que está me enganando, mas parece-me que aquele outdoor ficou meses ali. Sempre que passava pela região, via a chamada. Um dia perguntei para minha namorada bom-despachense quem era Marília Mendonça. Ela me explicou que era uma cantora sertaneja que havia visitado a cidade e feito um show. Que era famosa e era incrível que eu não a conhecesse.

Toda vez que escutávamos alguma música da Marília Mendonça em alguma loja ou bar de Bom Despacho, minha namorada bom-despachense anunciava, quase como uma gravação: “essa música é da Marília Mendonça…” e diante de minha cara de “do que você está falando”, explicava: “aquela do outdoor da Avenida Dr. Roberto”.

Quando soube da morte da cantora, ao contrário do que aconteceu com os Mamonas Assassinas ou com o telefonema da Miriam Leitão, eu sabia quem ela era. Lembrei do outdoor e de como ela parecia muito nova naquela foto eternizada em minha memória.

Continuo sem saber cantar qualquer música dela, sem conhecer sua trajetória musical e sem ter noção muito clara de seu sucesso e importância para a música sertaneja. Tenho certeza de que só sabia quem ela é por causa de Bom Despacho. Por causa de um outdoor que ficou muito tempo na esquina da Avenida Dr. Roberto e da Rua do Rosário.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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