Bom Despacho faz 109. Viva!

Cidades costumam ter vidas milenares. Atenas, Roma, Istambul, Alexandria e Liampó são exemplos disto na Europa, África e Ásia. As Américas não ficaram para trás. Há mais de oito mil anos os povos Maias já construíam cidades, como provam as ruínas de Kaminaljuyú. Perante centros urbanos tão antigos e tão longevos como estes, Bom Despacho, aos 109 anos, está apenas na primeira infância. Mas na escala de mortais de vidas tão breves como as nossas, podemos vê-la como vetusta anciã, amada e respeitada por seus filhos.

Pelo segundo ano seguido a Rua Dr. Miguel não verá seu tradicional desfile de 1º de junho. O motivo é conhecido de todos: a persistência do coronavírus SARS-CoV-2, causador da covid-19. Até esta data (25/5), Bom Despacho teve 7.168 notificações, 3.214 casos confirmados, 2.623 casos suspeitos e 69 mortes por covid-19. Portanto, oficialmente 7% da população já teve a doença. O número deverá ser pelo menos o dobro, pois o índice de subnotificação é elevado.

Até semanas atrás tivemos uma pequena trégua no avanço da doença. Contudo, nas últimas três semanas tivemos um recrudescimento. Os motivos são conhecidos: baixa taxa de vacinação, baixa adesão ao uso de máscaras, desrespeito ao distanciamento social e grande circulação de pessoas.

Isto significa que, mesmo após um ano de epidemia, 17 milhões de contaminados confirmados, 450 mil mortos e 1,2 milhão de pacientes em tratamento, a população ainda prefere o lazer coletivo à segurança pessoal e familiar. Isto vale especialmente para os jovens. Por isto mesmo a doença agora está se alastrando mais entre eles do que entre os idosos.

Mas nada disto é novidade. Tudo que acontece hoje com relação à covid-19 já aconteceu um século atrás, com a gripe espanhola. Em 1917 a gripe espanhola surgiu numa fazenda do condado americano de Huskell, no estado do Kansas e dali se espalhou rapidamente mundo afora. Em 1918 já havia atingido o mundo inteiro. No Brasil matou mais de 300 mil. Entre os mortos, o Presidente da República, Rodrigues Alves.

O que estamos vendo hoje também foi visto em 1918. Havia autoridades que negavam a doença; havia curas milagrosas, como o quinino; havia culpados que não o eram (como os alemães). Até o nome foi falsificado, pois embora chamada de gripe “espanhola”, ela nada tinha de espanhola. Era americana legítima.

Assim como hoje sofremos com as fake news circulando na Internet, na época o mundo sofreu com os boatos que circulavam de boca em boca ou se espalhavam por carta, telégrafo, jornais.

Tirando os elixires e panaceias que pioraram a situação, o que ajudou na época foram as mesmas medidas que ajudam hoje: máscaras, distanciamento social, higiene rigorosa.

Em Belo Horizonte a doença chegou pelo “noturno”. Assim era chamado o trem de ferro que todas as noites fazia o percurso entre o Rio e a capital mineira. De BH a doença se espalhou para o resto do território mineiro.

Quanto a Bom Despacho, não encontrei os registros da época. Provavelmente vou encontrá-los nas anotações feitas pelo vigário de então. É possível também que haja anotações nas atas de associações religiosas. Sabe-se que a Sociedade São Vicente de Paula, por exemplo, costumava prestar assistência aos pacientes e às suas famílias.

Se por aqui os registros ainda não foram encontrados, em Pará de Minas a passagem da doença ficou bem documentada. Lá, segundo estudos, jornais e outros documentos disponíveis no museu municipal (http://www.muspam.com.br), a gripe bateu forte em 1918. Teria infectado algumas centenas de paraenses e matado quase uma centena.

Para uma população então estimada em 10 mil pessoas, a infecção de centenas e a morte de quase cem pessoas são números que nos assombram. Significaria algo em torno de 300 mortos na Bom Despacho de hoje.

Tanto em Pará de Minas, quanto em Belo Horizonte, quanto no resto do mundo, a gripe espanhola foi mais trágica entre os pobres. É o que sempre acontece com doenças contagiosas. É o mesmo que está acontecendo entre nós, com a covid-19. Os mais pobres têm mais debilidades por causa da subnutrição. Eles também estão mais presentes em moradias insalubres, com maior número de pessoas por metro quadrado. Finalmente, eles têm maior dificuldade em obter auxílio médico. Por tudo isto, entre eles a doença se espalha mais e tem resultados mais funestos.

Mas, ironicamente, quem faz a doença circular mundo afora são os ricos. Na época da gripe espanhola, os ricos viajavam de trem, de automóvel ou de navio. Iam longe levando a doença. Atualmente os ricos viajam de avião. O espalhamento da doença é mais rápido ainda. Contudo, apesar de os ricos serem os vetores do espalhamento mundial, os pobres são as maiores vítimas. Eles pagam o preço mais alto em dias sem trabalho, em sofrimento familiar, em mortes.

A vida não para

A covid-19 está aí. Não temos motivo para acreditar que nos deixará em breve. Ao contrário. A demora na vacinação, as novas mutações do vírus e o comportamento coletivo e individual favorável à transmissão apontam para um caminho longo até a extinção da doença. Pensar em alívio até o final de 2021 é muito otimismo. Por cautela devemos trabalhar com a ideia de que só teremos trégua para valer no final de 2022. Ou até além.

Apesar disto, a vida não para. Os aniversários são datas que precisam ser comemoradas. Em especial, devemos comemorar o aniversário da nossa cidade. Nossa Bom Despacho que faz 109 anos.

Mas estas comemorações não podem ser como aquelas com as quais nos acostumamos. Temos que ter cuidado redobrado e temos que respeitar as regras do distanciamento social, do uso de máscaras, da higiene cuidadosa.

Por isto, não haverá desfile de estudantes, não haverá desfile das Forças Armadas, não haverá desfile da Polícia Militar. Especialmente, não teremos o povo que abrilhanta as comemorações postando-se nos passeios de um lado e de outro da Rua Dr. Miguel. Desta vez será preciso ficar em casa. Mesmo assim, a data não passará em branco. A prefeitura preparou uma programação especial que poderá ser acompanhada pelas redes sociais, pelos blogs, pelas rádios de Bom Despacho.

Veja a programação, que contará com a colaboração da Banda do Sétimo Batalhão:

AÇÕES DO DIA 1º DE JUNHO

9h – Praça Matriz
Hasteamento da bandeira (live Instagram)

9h – Praça Matriz
Banda do Batalhão

10h – Rádio locais / Redes sociais
Mensagem do Prefeito e vice (áudio e vídeo)

11h – Bairro São Vicente
Inauguração da reforma do CRAS

15h – Bairro Bela Vista
Inauguração do CEMEI Dona Íris

Bom Despacho não soma os milênios que moldaram Roma e Atenas e lhes deram glória e fama perene, mas nos seus 109 anos tem a vetustez que demanda nosso respeito e nossa admiração. Ela é a nossa cidade. Vamos comemorar com alegria o seu aniversário e fazer a nossa parte para que em pouco tempo a covid-19 seja apenas uma memória que se dissolve no tempo.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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