A humanidade de meus novos contratantes é a cara de Bom Despacho

Dia 26 de novembro, contra todas as probabilidades, arrumei um novo emprego. Por causa da pandemia de covid-19, minha expectativa de dar certo esta contratação era quase nula. Minha primeira conversa com os chilenos, os donos da empresa que me contratou, foi ainda em 2018. Um amigo, o José Calazans, que havia sido meu funcionário quando trabalhei no IBOPE, empresa privada de pesquisa (não confundir com o IBGE, que é uma empresa pública de pesquisa), me ligou e me disse que havia uma empresa procurando alguém com o meu curriculum.

Conversei longamente com um sujeito norte-americano, que sabia detalhes sobre a contratação. Ele não era da empresa chilena, mas um diretor da Nielsen, a maior empresa de pesquisa do mundo. O David Eastman é muito amigo do fundador da empresa chilena e fez o favor de fazer uma triagem para contratar um executivo no Brasil.

Passei 2019 conversando com todos os executivos da Admetricks, nome da empresa chilena. Foram umas vinte conversas, com gente do RH, gente de tecnologia, gente do marketing, pessoal de vendas, pessoal de estatística, responsável por finanças, funcionários que de alguma forma teriam contato com o novo contratado. Por fim, passei horas conversando com os dois sócios fundadores, Felipe e Patricio del Sol.

Em fevereiro, pré-pandemia do novo coronavirus, fui contratado. Marcamos para eu ir até o Chile passar por um longo treinamento. Minha namorada bom-despachense começou a olhar passagem aérea para me acompanhar durante estas semanas nos Andes.

Veio março e as notícias sobre a pandemia chegaram. Abril, época da viagem, trouxe o aumento do contágio e das mortes. Minha contratação foi cancelada, sem data para acontecer. Em julho, decidiram que não abririam a empresa no Brasil. Fui demitido, sem nunca ter sido contratado. Esqueci da empresa.

Em outubro, os chilenos me ligaram e perguntaram se eu aceitaria fazer um teste, para ver se o mercado brasileiro estava aquecido o suficiente para comprar os produtos da empresa. Aceitei e aqui estou contando a história.

Não fiz o treinamento que faria em abril, portanto, fui conhecendo a cultura da empresa no dia a dia. Todos os dias, às 9:00, temos uma reunião com toda a equipe internacional: gente do Chile, da Colombia, da Venezuela, do México, da Espanha, do Caribe e eu, do Brasil. Antes de cada reunião, cinco minutos de “ioga”. Todos em silêncio, meditam por cinco minutos. Ótimo e relaxante. Percebi que antes de todas as reuniões, há a meditação.

Cada quinze dias, há um café da manhã com todos os funcionários da empresa, de todos os países. Tudo, claro, à distância, pelo computador. Em minha primeira experiência, participei esperando o momento que a discussão de negócios começaria. Depois de quarenta e cinco minutos, começaram as despedidas. Sem entender, perguntei se a reunião estaria acabando sem que se discutisse nada relevante. “Este café da manhã é para sabermos como todos estão, se estão bem, se podemos ajudar alguém que não está em um bom momento da vida…”. Terminei a reunião e liguei para minha namorada bom-despachense. Relatei minha reunião e disse a ela que os chilenos pareciam bom-despachenses, tamanho o apreço pelo ser humano.

Na semana passada, recebi um convite para um almoço na sexta-feira, dia 4 de dezembro, dia que irei a Bom Despacho à noite. Aceitei o convite. Secretamente, contatei meu chefe chileno e perguntei qual era o tópico a ser discutido no almoço. “Nada”, respondeu. “Gostamos de passar tempo juntos, de conversar, de saber como estão todos. É um jeito de nos aproximarmos”. Desliguei dessa conversa e liguei para minha namorada bom-despachense: “esses chilenos são bom-despachenses”, afirmei. Isso é o anti-paulistanismo da melhor qualidade.

Na semana passada decidi comprar um novo computador, já que o meu estava muito velho, teimoso, às vezes não ligava, demorava para fazer cada operação, ou seja, estava morrendo e iria me deixar na mão a qualquer momento.

Comentei minha compra com meu chefe e, para minha surpresa, ele disse: “que bom! Temos uma política de reembolso para computadores dos funcionários. Mande-me a nota fiscal, por favor”. Ainda me pediu “por favor”. Desliguei e liguei para minha namorada bom-despachense para contar as novidades: “essa empresa é de Bom Despacho, só pode ser”, garanti a ela.

Hoje, recebi uma mensagem sobre o almoço de sexta-feira, dia 4. O e-mail informava que a comida seria paga pela empresa, pois era uma confraternização. Trazia o valor que cada pessoa em cada país poderia gastar. No meu caso, meu almoço reembolsável pode atingir R$ 168,51. Terminei de ler a mensagem e liguei para minha namorada bom-despachense: “esses chilenos nasceram em Bom Despacho”, afirmei rindo. Faz meses que não gasto R$ 168,51 em um almoço ou jantar. “Será um banquete”, afirmou minha namorada bom-despachense. E com razão.

Trabalhei em boas empresas em São Paulo e fora do Brasil. Sempre fui respeitado como profissional. Porém, nunca tinha trabalhado em uma empresa que preza tanto a parte humana dos funcionários. Justamente, a parte humana, que sempre elogiei das pessoas de Bom Despacho. Pela primeira vez, estou trabalhando em uma empresa bom-despachense, que por engano, foi criada no Chile.

Desde sábado, 5 de dezembro, estou em Bom Despacho, juntando trabalho e uma cidade com muito foco nas pessoas. Dá para viver bem, sendo bem humano! Obrigado, Bom Despacho! Obrigado, Chile! Meu 2020, apesar da covid-19, até que foi bem feliz: passei a maior parte do ano em Bom Despacho e arrumei o emprego dos sonhos!

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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