O sequestro do Cabeçote

 

DILERMANDO CARDOSO – Durante muito tempo, funcionou na Rua do Rosário o Supermercado Pikeno; melhor fora que chamasse Empório da Alegria. Seu proprietário atendia pela alcunha de Cabeçote: tão singular era o apelido que foi incorporado ao próprio nome! Pessoa sempre de alto-astral, a todos tratava com distinção. Tinha o bom-humor como marca registrada e sua companhia era certeza de boas risadas. Também gostava de pregar peças nos amigos! Em minhas folgas me acostumei a passar por seu comércio, e ali desopilava o fígado ouvindo causos e piadas, ou informava-me sobre as notícias da cidade. Porque, vamos e venhamos, em Bom Despacho ninguém nascia, morria, ou roubava a namorada e fugia pra Goiás sem que ele não soubesse!

Não é novidade que os estabelecimentos comerciais têm dias de muito movimento, e dias com menos vendas. Sempre fui ao Supermercado Pikeno mais para o final do mês, quando os fregueses já houvessem zerado o salário, assim não ficando com dor na consciência por tirar o Cabeçote dos seus afazeres. Afinal, conversa fiada não enche o bolso! Numa véspera de Natal, chegando lá, o comerciante recebeu-me com aquele jeito brincalhão: — Primo, você caiu do céu! Tenho umas entregas pra fazer no Campo de Aviação, e sua colaboração é bem-vinda.

Rapidinho, ajeitamos as caixas de compras numa caminhonete-baú, e comigo ao volante partimos. No Realengo, fizemos a primeira entrega. Ao voltar para a Fiorino, parado num ponto de lotação, lá na frente, o Cabeçote avistou o Jair Guarda-roupa — outra figurinha carimbada! Quando percebi, meu primo se escondera na carroceria, em meio às entregas. E então me disse: — Que tal passar um trote no Jair? Pare o carro perto dele e peça ajuda. Fale que eu fui sequestrado! Assim fiz: — Jair, vestidos de Papai Noel, três bandidos sequestraram o Cabeçote e levaram lá pro Campo… Num segundo, o valente amigo acomodou-se na cabine!

Na entrada da Siderúrgica União, o Jair teve a dita ideia que levou a vaca pro brejo: — Vamos separar. Ocê vai de carro, nas ruas de dentro, que eu subo a pé, por fora. Quem achar o Cabeçote primeiro, solta um foguete pra avisar! Do jeito que o diabo gosta, acima, na rotatória da Avenida Dr. Juca, a PM fazia uma blitz! Sem saber que meu primo viajava escondido na traseira da caminhonete, desesperado, o Jair pediu socorro aos militares. Via rádio, de imediato, outras viaturas foram mobilizadas. Ao escutar a zoeira das sirenes e pneus cantando no asfalto pensei comigo: deu merda! Aí, arranquei de quinta pela estrada de terra que vai pra Moema. Entre as caixas — pulando igual pipoca na panela quente —, o Cabeçote fazia sinais para eu retornar…

Depois do Ano Novo, meu primo e eu recebemos uma intimação para comparecer à Delegacia de Polícia: é que no meio daquele fuzuê todo, perturbado, ao fazer a denúncia do sequestro o Jair Guarda-roupa também exigiu que fosse aberto um Boletim de Ocorrência!

Sabe aquela situação em que você não acha lugar para enfiar a cara, nem onde meter as mãos? Pois então, foi assim que chegamos, ou pelo menos eu cheguei, à DP. Ao entrarmos na sala do Delegado, cordial, o Dr. Senna não segurou a risada: — Eu não acredito! Foram vocês — dois cidadãos de bem — que armaram aquela trapalhada toda? Pelas despesas com petróleo e desperdício de tempo dos “home” nas viaturas, concordamos em doar uma dúzia de cestas-básicas para famílias carentes. O Jair acabou reconhecido como inocente, já que havia entrado de gaiato na Fiorino! Porém, até o final da sua vida, continuaria acreditando que bandidos perigosos haviam sequestrado o Cabeçote, e que ele ajudara na libertação do amigo. (Portal iBOM / Dilermando Cardoso é bancário aposentado e escritor / Foto: Arquivo JN).

 

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