O que os olhos não veem …

 

VANDER ANDRÉ ARAÚJO – Nem tudo o que nos importa é visível aos olhos. Ou, quem sabe, fingimos não ver ou apenas acreditamos naquilo que vemos, assim como nos demonstrou Tomé, o homem de pouca fé do início da era cristã.

Um exemplo recente: a desativação do antigo lixão de Bom Despacho. Por décadas, o local apelidado por alguns de “Pico do Urubu”, foi o destino final dos resíduos da cidade. Ver o lixo espalhado incomoda a muitos e saber que aquele local deixará de receber os resíduos após 50 anos trouxe alívio e esperança para boa parte da população.

Já era hora. A montanha de lixo crescia tanto que quase permitia ver nosso “Itacolomi” particular do alto da colina da ainda bem conservada e gentrificada Praça da Matriz. O famoso pico mineiro, lá pras bandas de Ouro Preto, com seus 1.772 metros de altitude, foi referência para bandeirantes que, não muito diferentes dos atuais, pouco se importavam com o meio ambiente, na sua ânsia de desbravar territórios e conquistar riquezas.

Nosso “pico” bom-despachense, por sua vez, era um incômodo visível e urgente, um símbolo de descaso que agora dá lugar a uma promessa de mudança. Um menino “levado” (com o perdão do trocadilho), mau-cheiroso, mal-falado e malvisto, demandava atitude urgente por parte das autoridades públicas. Mas será que apenas mudar o lixo de lugar bastará? O que os olhos não veem… Mas, afinal, o que passaremos a ver naquele local?

A promessa é de que os resíduos serão destinados a um parque de transformação ambiental licenciado em Bambuí-MG. Conforme prometido pelo poder público, a região do antigo lixão, próxima ao Bairro Ana Rosa, deve ser valorizada com a diminuição de fumaça, poeira e mau cheiro, além de passar por um processo de recuperação ambiental.

Torço para que essa transformação se concretize da melhor forma possível e que ela venha acompanhada do engajamento de toda a população. Cuidar do lixo que produzimos é um dever de todos, e isso só será possível com educação e conscientização. Quem nunca varreu a sujeira para debaixo do tapete que atire a primeira pedra!

O bom exemplo da Alemanha

Muitos países já seguem modelos sustentáveis de gestão de resíduos. Aqui na Alemanha, onde estou morando temporariamente, separar lixo é um compromisso cotidiano. Plástico, papel, vidro, orgânicos para compostagem, tudo tem seu destino certo e a sua reciclagem.

Aprendi, por exemplo, que garrafas de água, refrigerantes e sucos podem e devem ser devolvidas nos supermercados, em máquinas específicas. Em troca, o cliente recebe um cupom com desconto para as próximas compras. A lógica é simples: quem consome, devolve e ganha com isso. Os alemães fazem questão de me ensinar, com rigor e orgulho, como separar corretamente o lixo e eu fico feliz ao aprender mais essa lição na minha vida. E há consequências para quem não cumpre as regras.

Ao visitar outros países, é impossível não se impressionar com a limpeza das ruas, o cuidado com os espaços públicos e o comprometimento coletivo com a sustentabilidade. Isso não é por acaso: é cultura, disciplina, educação, algo que podemos e devemos cultivar também em nossa tão querida cidade, que se vangloria de ser “a cidade das oportunidades”, onde se encontra “mão de obra, gente boa, qualidade de vida, etc”. Que possamos também encontrar nela pessoas conscientes do seu papel de cidadão, zelando pelo futuro das próximas gerações, cuidando do próprio lixo.

Em 11 de dezembro de 2023, Fernando Cabral escreveu um texto para sua coluna aqui no Jornal de Negócios, relatando sua experiência em diversas cidades na Europa, especialmente no que diz respeito à limpeza urbana. Confira o texto AQUI.

Entre as várias situações descritas, destacou a necessidade de pagar por sacolas nos supermercados, caso o cliente não leve a sua própria ecobag, medida inserida na estratégia de reduzir a produção de lixo (especialmente o plástico) e incentivar a reutilização dos materiais que consumimos.

Agora que o antigo lixão está prestes a desaparecer do nosso campo de visão, ou pelo menos deixar de ser tão imponente, precisamos abrir os olhos para outra realidade: a da responsabilidade individual e coletiva.

Em Bom Despacho, já existem iniciativas louváveis que devem ser reconhecidas, como a do Boticário, que recebe frascos de perfume em vidro, para reciclagem; a Reciclabom – Cooperativa de Trabalho de Catadores de Recicláveis de Bom Despacho que recicla papéis, papelões, plásticos (misto e cristal), alumínio, metais e vidro e tem Ponto de Recebimento de Recicláveis na Sede do TG 04-006, na Avenida das Palmeiras; a Cooperbom, que recolhe pilhas usadas em algumas das suas unidades comerciais, além de embalagens vazias de agrotóxicos (de acordo com regulamentação e fiscalização do Ministério da Agricultura); a Drogasil que recebe embalagens de medicamentos. Além disso, acompanho com satisfação a iniciativa recente da Prefeitura de fazer o Mutirão da Limpeza contra as arboviroses, recolhendo materiais como geladeiras, sofás, fogões, pneus, garrafas PET etc.

Certamente há outras empresas e instituições na cidade que posso não ter citado aqui e desde já peço desculpas. O importante é reconhecer que é possível transformar. Mas, para isso, precisamos ver e agir, sentindo muito, mesmo que para isso precisemos começar pelas tão invisíveis minorias… (iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo, escritor e aposentado / Fotos: Vander André e arquivo JN).

 

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