Primeiro de Junho: silêncio e tristeza

 

Bom Despacho tem um prefeito e um vice-prefeito forasteiros. No primeiro aniversário da cidade sob o comando deles, mostraram que não conhecem nossa história, não respeitam nossas tradições e não têm o senso de civismo e cidadania que aflora em todos nós a cada primeiro de junho. Optaram por quebrar uma tradição que nos é cara. Sem motivo justo, pela primeira vez em 113 anos, nossa cidade não terá o desfile de 1º de junho. A explicação para este desrespeito? Uma desculpa que não convence a ninguém, pois não se coaduna nem com os fatos, nem com nosso passado: segundo o prefeito, é porque o aniversário caiu num domingo e a prefeitura não consegue organizar desfile em domingos.

FERNANDO CABRAL – Primeiro, vamos lembrar nossa história. Nos nossos 113 anos, o aniversário da cidade caiu num domingo dezessete vezes. Quem quiser, pode conferir: 1913, 1919, 1924, 1930, 1941, 1947, 1952, 1958, 1969, 1975, 1980, 1986, 1997, 2003, 2008, 2014 e 2025.

Nestes anos todos, nenhum prefeito jamais se declarou incapaz de organizar um desfile comemorativo. O atual foi o primeiro. Mas é uma mentira esfarrapada, pois a tradição é tão arraigada que o desfile quase se organiza por conta própria. Cada um sabe o seu papel. Ano após ano, cada organização se prepara para o acontecimento. À prefeitura, cabe apenas organizar a sequência das entradas e coordenar o andamento. As secretarias — todas elas — já sabem o que fazer. Têm traquejo, experiência e conhecimento para tanto. Os servidores, estes nunca se negaram a colaborar, qualquer que fosse o dia da semana.

Mas, vamos a alguns exemplos.

O Tiro de Guerra, desde sua criação em 1943, nunca deixou de participar de forma ativa.

A Polícia Militar, com seus pelotões e sua banda marcial — patrimônio cultural da cidade — é a grande atração que reúne de netos a avós para assistir e aplaudir.

As escolas municipais, estaduais e particulares se esmeram nos ensaios. Das crianças que mal dão seus primeiros passos, aos jovens adultos que se preparam para entrar nas universidades, lá estão eles, todos os anos, celebrando, marchando.

A APAE também, com seus alunos especiais, que todos os anos desfilam com grande alegria e recebem os aplausos de todos.

As organizações sociais — todas elas — comparecem com entusiasmo. E lá também estão as empresas, os cortes de reinado, os Demolays, os escoteiros, os capoeiristas, os motociclistas, os clubes de futebol, os cavaleiros.

Todos se esmeram. Todos se orgulham. Todos querem participar. Custo para a prefeitura? Nenhum! Trabalho para a prefeitura? Muito pouco!

E as escolas municipais? Cada diretora, cada professora, cada aluno se envolve. Ensaiam. Preparam suas fantasias, contam nossas histórias, revivem nossas personagens, Desfilam com orgulho e são retribuídos com o carinho de todos os presentes.

As secretarias da prefeitura mostram seu trabalho. Ajudam a organizar o desfile e mostram o fruto do seu trabalho em prol dos bom-despachenses. Não há uma só delas que não tenha o que mostrar.

Mas o desfile é também um momento de patriotismo e civismo. O hasteamento da bandeira, ao som do hino nacional tocado pela Banda do Sétimo, marca o início oficial do desfile. É o símbolo de nossa integração com um universo maior, chamado Brasil.

Com a decisão absurda de apagar nossas tradições e não celebrar o aniversário da cidade, o prefeito e seu vice mostraram que não reconhecem e não respeitam o que o desfile de primeiro de junho simboliza para o povo bom-despachense.

Nas palavras que o engenheiro Ítalo Coutinho me repassou, “quando o desfile do dia 1° de junho é cancelado, não é só um desfile que perdemos, isso cancela a festa de aniversário de Bom Despacho, cancela um momento cívico e cultural, cancela a história da cidade, cancela as memórias do futuro, cancela a história da cidade, cancela as coreografias dos alunos, silencia as fanfarras das escolas, cancela a criatividade dos professores, cancela os parabéns tocado pela Banda do Batalhão, cancela os servidores públicos mostrando seus serviços, cancela as balizas e porta bandeiras, cancela o sorriso das crianças que nos fazem querer melhorar a cidade, cancela os atletas exibindo suas medalhas e troféus, cancela a história da cidade encenada pelos alunos, os pequenos vestidos de soldado, irmã Maria e outras personalidades importantes da cidade, cancela as maquetes da biquinha, da Igreja da Matriz feitas com tanto esmero, cancela as faixas com frases positivas, cancela os bombeiros fazendo rapel e esticando a faixa escrita ‘Parabéns Bom Despacho’, cancela a marcha sincronizada do Tiro de Guerra, cancela o pelotão da Polícia Militar que enche os olhos, cancela os vídeos do desfile nas redes sociais, cancela o barulho das sirenes dos carros que desfilam, cancela as motocicletas diferentes que encantam, cancela o desfile inclusivo da APAE, cancela um pouco nosso orgulho de ser bondespachense, cancela o sorriso da cidade sorriso no dia do seu aniversário…e muito mais!”

E acrescenta:

“A cidade precisa de eventos cívicos, eventos que reforcem o sentimento de coletividade, e qualquer ação contrária a isto deveria ser pautada como desrespeito à comunidade bom-despachense”.

Assim é.

O ano de 2025 ficará registrado na nossa história como dia em que um prefeito decidiu apagar o evento cívico mais importante da cidade, frustrando assim milhares de pessoas que se preparam para mostrar seu orgulho cívico no desfile, aplaudindo ou sendo aplaudidas.

Mas, talvez, nem tudo esteja perdido. Há notícias (ainda não confirmadas) de que o Sétimo Batalhão e sua Banda, a despeito da omissão e indiferença do prefeito, farão o seu próprio desfile comemorativo. Que assim seja. E tomara que outras organizações também resolvem fazer o mesmo.

Mas, o certo é que, em 2025, o aniversário da cidade sentirá falta do sorriso das nossas crianças, dos alunos da APAE, dos cortes, dos times de futebol, de todos, enfim.

Bom Despacho não merecia um aniversário sem o rufar dos tambores, sem o som dos taróis, sem a música das fanfarras escolares. Mas todo prefeito passa, a cidade permanece, a esperança não morre e as tradições renascem. (Portal iBOM / Fernando Cabral / Imagem produzida com IA).

 

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

2 thoughts on “Primeiro de Junho: silêncio e tristeza

  • 2 de junho de 2025 em 00:13
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    As cidades também têm Alzheimer, esquecem seu passado?!
    Se é uma tragédia pessoal perder a narrativa de sua própria história, mal maior é a cidade que perde o fio de sua trajetória, ficando à mercê dos fatos, tal qual um sonâmbulo na noite escura, perdido, sem rumo, tateando na escuridão. Cabe ao administrador público, já que se candidatou a tal cargo, ser o guardião da comunidade para que ela não perca o sentido de sua existência, ficando à deriva. Aos eleitores, cabe a indignação para tal descaso, escamoteado por discurso vazio domingueiro. Não seria os domingos os melhores dias para se comemorar, como uma reza pública, agradecendo colheitas?

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    • 2 de junho de 2025 em 05:56
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      “Não seriam os domingos…”

      Resposta

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