A Páscoa de cada um e as mudanças da vida

 

Nesta matéria, o colunista fala das mudanças da vida e compara a passagem do Mar Vermelho com essas mudanças.

ALEXANDRE MAGALHÃES – A Páscoa, que significa passagem e é a tradução do termo hebraico Pessach, é muito ligada à duas das grandes religiões mundiais: o judaísmo e o cristianismo. Para os judeus, a Páscoa ou passagem é a celebração da fuga do povo judeu, liderado por Moises, da escravidão no Egito para procurarem a terra prometida. Tem como imagem mais conhecida a abertura do mar por Moises para que os judeus atravessassem para o outro lado e, claro, o fechamento do mar após a passagem do povo escolhido, os judeus, e a morte dos membros do exército egípcio afogados. Após cruzarem o Mar Vermelho, os judeus vagaram por 40 anos no deserto, sempre liderados por Moises, até chegaram finalmente à terra prometida.

Os cristãos tomaram a Páscoa para si e mudaram a comemoração para a passagem de Jesus do mundo dos homens para o mundo divino, ou seja, sua ressurreição após a morte por crucificação.

Tanto para os judeus, como para os cristãos, a Páscoa é um dos mais valiosos símbolos religiosos. Lembro-me que durante minha vida de religioso católico, tinha a obrigação de confessar meus pecados pelo menos uma vez por ano, justamente na época da Páscoa.

Mudanças na vida

Hoje, por causa de minha não religiosidade, uso a terceira visão sobre a Páscoa, que é a passagem ou mudanças que a vida nos oferece. Toda vez que a vida me oferece ou me obriga a fazer grandes mudanças, lembro-me da imagem da abertura do mar por Moises, e sem pensar muito, atravesso o mar e tento chegar vivo até o outro lado, ou seja, encarar a mudança e continuar vivendo tentando ver sempre o lado bom da mudança. E, claro, preparado para “vagar 40 anos” até ter algum sucesso na nova vida.

Atravessei o meu Mar Vermelho algumas vezes. Quando morei fora do Brasil, quando nasceu minha filha, a cada vez que troco de emprego, quando me separei da minha ex-esposa, quando iniciei minha já longa relação com minha namorada bom-despachense ou decidi parar de fumar, após algumas décadas me intoxicando com tabaco. Todas estas foram travessias do meu Mar Vermelho por decisão própria, por minha vontade.

Mas, muitas vezes o mar se abre sem que queiramos, por obra da natureza humana, ou para quem acredita, por vontade divina. Neste tipo involuntário de mudança, algumas alteraram minha vida para sempre. A primeira grande travessia forçada ocorreu há exatos 42 anos, especificamente no dia 8 de abril de 1983. Nesta data nasceram meus dois irmãos deficientes, gêmeos, fruto de um erro médico alguns dias antes do nascimento. Com o nascimento do Daniel e do Rafael, minha família fez a passagem de uma família tradicional para uma família especial (o especial aqui pode ser utilizado em todos os sentidos possíveis). Nos primeiros 40 anos desta nova etapa, meus 40 anos vagando pelo deserto sem chegar à terra prometida, eu tinha irmãos especiais, mas não fazia muita coisa no dia a dia. As tarefas maiores de cuidar dos gêmeos eram “obrigações” de minha mãe e de meu pai. Este, abandonou o emprego de 44 anos no Banco Mercantil de São Paulo para cuidar dos filhos. Somente com a morte de minha mãe há um ano e meio (meu pai morreu há oito anos), é que finalmente comecei meu período de enfrentar os 40 anos no deserto, ou seja, na prática passei a cuidar de meus irmãos nas pequenas e grandes tarefas diárias.

Desafios diários

Como em toda vida nova, há a fase de adaptação e aprendizado, que é como me sinto agora. Todos os dias tenho de mudar partes de minha vida para adaptar-me aos cuidados dos gêmeos. Deixei de ser dono do meu horário e tenho de adaptá-lo aos horários deles (de ir ao banheiro, de almoçar, de dormir, de tomar banho, etc), exatamente como meu pai e mãe fizeram há 42 anos. Para ir ao cinema ou tomar um chopp com um amigo preciso combinar com meus outros irmãos ou com minha namorada bom-despachense para que me substituam nas tarefas corriqueiras. E, ao mesmo tempo aprendo sobre meus irmãos e sobre a sociedade, que em geral não respeita as pessoas nestas condições. É um longo deserto e que um dia me indicará a terra prometida…

Por causa de um dos meus irmãos, o Rafael, que passou cinco meses em Bom Despacho comigo, fiz um curso de fabricação de queijos na APAE. Um curso patrocinado pelo FAEMG SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, em parceria com o Sindicado dos Produtores Rurais de Bom Despacho e a APAE. Para que eu pudesse fazer o curso de 40 horas (o número 40 aparece o tempo inteiro neste texto), 5 dias inteiros, minha namorada bom-despachense assumiu a tarefa de cuidar de um dos meus irmãos deficientes o tempo todo. De alguma forma, eu arrastei minha namorada para minha Páscoa pessoal.

Esse curso abriu um novo Mar Vermelho em meu caminho e estou tentando montar uma fábrica de queijos em Bom Despacho, unindo-me a vários amigos bom-despachenses e de outras cidades. Espero que essa nova oportunidade não me deixe 40 anos andando pelo deserto e que eu consiga chegar logo à terra prometida. Aguardem…

Espero que os raros leitores e as raras leitoras tenham uma excelente Páscoa! E que a vida sempre ofereça boas aberturas de mar para todos! (Portal iBOM / Alexandre Magalhães / Imagem ilustrativa).

 

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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