Afinal, o que você vai ser quando crescer?

 

VANDER ANDRÉ – Quantos de nós já passamos pela fase em que as pessoas ao nosso redor, curiosas, nos perguntam: “O que você vai ser quando crescer?”, esperando que nos vejamos como profissionais de respeito, renomados, atuando em atividades rentáveis e de grande destaque na sociedade?

Infelizmente, na nossa cidade, e por que não dizer, no Brasil, o caminho é árduo. Tornar-se “alguma coisa” ao crescer é cada vez mais complexo. As oportunidades são raras e os apoios, tanto de governos quanto de familiares, são escassos. O que nos resta, então, quando não somos filhos de famílias abastadas, é contar com a “sorte” ou com aquilo que o destino (ou deus-Tino) nos reserva, ancorados em nossa formação escolar — e veja só, em uma escola pública de qualidade.

Talvez para encontrar respostas sobre onde estamos hoje, muitos de nós, já aposentados ou ainda na ativa, promovemos reencontros com nossos contemporâneos. Reencontros costumam despertar um misto de nostalgia e surpresa, um olhar para o passado que nos leva a refletir sobre o quanto mudamos e o que permanece em nós daqueles tempos de convivência infanto-juvenil.

Nestes eventos, as conversas surgem com facilidade, como se ainda estivéssemos juntos na “quinta série”. Logo surgem comentários: “Aquele era o mais inteligente”, “Essa tem a letra mais linda”, “Aquele era o mais traquina”, “Essa, a mais bonita”, e por aí vai, a longa lista classificatória, as “caixinhas” que criamos em nossas mentes, muitas vezes classistas e excludentes.

No sábado, 17 de agosto, os antigos colegas da Escola Estadual Miguel Gontijo, que estudamos juntos entre 1982 e 1985, na inesquecível sexta série D, tiveram a oportunidade de vivenciar essa experiência durante um reencontro especial na Churrascaria Fazendinha, em Bom Despacho.

Nos reconectamos por meio de um grupo de WhatsApp, que foi agregando mais e mais colegas, culminando em um belo reencontro. Será que o tempo e o espaço têm o poder de nos transformar em “outras pessoas”? Talvez as experiências vividas ao longo desses mais de quarenta anos, desde que nos tornamos colegas, tenham modificado nossos corpos, corações e mentes.

Mudamos para melhor? Fica a reflexão. O que percebemos é que crescemos como indivíduos, cidadãos e profissionais respeitados e isso é muito bom. Levamos conosco uma bagagem escolar moldada por uma educação moral e cívica, disciplinas isoladas em uma grade curricular um tanto ortodoxa, fruto de um período de transição política e econômica no Brasil. Apesar disso, somos também frutos de uma escola que precedeu o movimento das Diretas Já, que clamava pela redemocratização do país. Concluímos a oitava série em 1985, quando lampejos de desenvolvimento e participação social já se esboçavam em uma nova Constituição.

Alguns de nós tiveram uma oportunidade única naqueles anos difíceis. De origem simples, dois jovens ingressaram como menores aprendizes no Banco do Brasil, indicados pelos professores devido ao desempenho escolar: eu e o Djalma. Permanecemos lá até a aposentadoria, após longas carreiras e diversas funções em várias cidades. Como seria este país se mais jovens tivessem a chance de iniciar suas carreiras por meio de programas de aprendizagem, respaldados por um bom desempenho escolar?

Outros membros da nossa turma deixaram Bom Despacho ainda na sétima série, em busca de escolas preparatórias para os difíceis vestibulares em Belo Horizonte e tornaram-se médicos, engenheiros, bióloga, arquiteta… Há também a colega que buscou melhores oportunidades de trabalho nos Estados Unidos, onde constituiu sua família, mas que fez questão de estar presente nesse dia tão emocionante.

A lista é extensa e eu poderia escrever um longo texto sobre no que cada um de nós se transformou nesta fase adulta, já passando dos cinquenta anos. Muitos moram longe de Bom Despacho, desenvolvendo suas atividades em outros estados do Brasil. Para não me esquecer de comentar sobre nenhum deles, encerro aqui e deixo o registro do que “somos” hoje na imagem fotográfica que ilustra este texto, sentindo a ausência de vários que não puderam estar presentes nessa data.

E, para pôr ordem na classe e encerrar a “aula”, com o desejo de até breve, lá estava também a memorável professora de Ciências, Dona Vane Teixeira. Com seu abraço carinhoso e olhar cuidadoso, ela trouxe a todos as lembranças microscópicas que vivemos em laboratórios e o desejo de enxergar a vida com uma visão mais ampla. Parafraseando Lulu Santos, “a gente vive junto, a gente se dá bem… sem desejar mal a quase ninguém”! (Portal iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo, escritor e aposentado).

 

One thought on “Afinal, o que você vai ser quando crescer?

  • 1 de setembro de 2024 em 20:47
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    A base construída na sociedade, com aceitação, com respeito, com apoio e com incentivo é fundamental para nos tornarmos mais que cidadãos com posição e sucesso e, sim, cidadãos que acrescentam e colaboram na construção de uma cidade melhor para todos.

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