Violência que ameaça a vida e afeta o cotidiano das pessoas

 

O raio caiu duas vezes no mesmo lugar? Meu pai, de 85 anos, por infeliz coincidência e sem saber, esteve próximo de duas situações de violência em Bom Despacho/MG nos últimos dias

VANDER ANDRÉ – Será possível a adversidade atingir o mesmo ponto duas vezes? Ou o raio cair duas vezes no mesmo lugar? Em tempos de frequentes tempestades de verão, com relâmpagos cortando o céu da cidade, meu pai se depara pela segunda vez com uma situação mais assustadora do que os raios e trovões: a crescente insegurança nas ruas de Bom Despacho.

Seja por coincidência ou não, o destemido fazendeiro, habituado a seguir seu caminho rumo à Fazenda da Prata há mais de 50 anos, continua sua rotina. Saindo de casa no centro, ele parte nas primeiras horas da manhã, sobe pela Rua Flávio Cançado Filho – ou Rua do Céu, para os saudosistas -, e passa pela Tabatinga. Realiza seus passos com a serenidade de quem confia na conclusão segura desse trajeto habitual.

O hábito faz o monge, e assim ele segue o curso de suas responsabilidades aos 85 anos. Senhor de seu próprio café da manhã e do volante de um carro, sabendo que a sua CNH está à beira da não renovação devido a problemas auditivos e visuais comuns na melhor idade. Além, claro, de um coração doce resistindo ao esforço físico de mais de oito décadas. Assim, ele decide apear na Padaria Mileto para sua compra diária de pão para o café da manhã, apesar de ele não tomar mais café, diga-se de passagem, em razão de suas promessas aos santos por alguma graça alcançada, que eu já não me recordo mais.

Já conhecido naquele estabelecimento, as atendentes sabem exatamente qual pão doce ele prefere, e aproveitam para perguntar sobre sua noite. O fazendeiro, sempre disposto a compartilhar suas inúmeras histórias de vida e superação, é simpático e traz um toque de animação e leveza ao local. No entanto, uma reviravolta inesperada ocorre quando, alguns dias atrás, meu pai foi à padaria e saiu do local 6 minutos antes de um assalto, conforme registrado pelas câmeras de segurança do próprio estabelecimento e mostrado aqui neste jornal.

Comparação das duas imagens (acima e do alto da página) mostra que meu pai saiu da padaria 6 minutos antes do assalto

A ocasião faz o ladrão, assim ouvimos, e um rapaz encapuzado, recém-chegado de Valadares para vender abacaxis na cidade, levou todo o dinheiro e as moedas do caixa, incluindo as pratinhas que meu pai acabara de deixar em troca do seu alimento diário.

Por sorte, ele escapou ileso dessa situação dramática. Talvez, devido à sua idade e à falta de familiaridade com a violência na nossa região, imagino que ele não suportaria a emoção do momento. Após o incidente, ao rever as imagens das câmeras de “segurança” nas telas dos celulares dos filhos e netos, ele caçoa sobre a situação, demonstrando bravura e até se oferecendo para proteger as jovens na próxima vez, até que a polícia chegue.

Porém, consciente de que a precaução é a melhor aliada, decide mudar de padaria nos dias seguintes. Afinal, gato escaldado tem medo de água fria.

Ainda antes do sol se pôr, na última terça-feira (17/1), ele foi à Padaria Conjolo du Conf Conf, na esquina onde por décadas costumava virar seu carro quando entregava latas de leite na Cooperbom. Em meio ao que ele imagina ser fogos de artifício, questiona os atendentes sobre a celebração, sem perceber o perigo iminente e por estar consciente de que as festas do Reinado ainda estão longe de acontecer.

De repente, segundo ele, a turma toda se escondeu debaixo dos balcões e gritaram “tiro, tiro, abaixa”. Com suas juntas prejudicadas, com um joelho que ele alega ser seu principal problema de saúde, avalia melhor a situação, manca para fora do estabelecimento, avista um Palio em alta velocidade – algo incomum na pacata Avenida Ana Rosa – e corre para seu carro, seu escudo de proteção no agora inseguro cenário urbano, naquele terreno “sem lei”. A cena parecia filme de faroeste, daqueles que ele provavelmente nunca tenha assistido alguma vez nos seus momentos de lazer.

Dessa vez, não houve escapatória, e meu pai testemunhou mais uma cena triste na nossa pacata cidade do interior. Segue seu destino, toca para seu canto de paz no mundo, buscando a proteção de um ambiente mais tranquilo, onde viveu grande parte da sua vida sem violência, na Fazenda da Turma, ali perto das Granjas. Em mais uma de suas reflexões filosóficas sobre a vida moderna, observa ao seu redor, sentado na porta da sua casa, onde aprecia a fresca, após mais um dia quente de verão e comenta conosco: “O que eu costumava ver na televisão todos os dias, nesses programas diurnos, parece ter chegado aqui. É melhor nos prepararmos.”  (Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Foto/vídeo de câmeras de segurança da padaria Milleto).

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *