A morte da minha sogra me apresentou nova realidade

ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – No último 2 de novembro, feriado de Finados, acordei com a triste notícia de que minha sogra havia falecido. Namoro o Alexandre Magalhães há seis anos e nessas minhas idas e vindas a São Paulo, frequentando a casa dela em diversas ocasiões, nunca a via chateada, triste ou mal-humorada. Ela tinha sempre um sorriso no rosto, uma piada pronta na manga e um cafezinho quente para oferecer.

Era desses seres raros que a Terra possui. Sempre brinquei que ela era o mais parecido com um anjo que poderíamos conhecer.

Dona Leonor teve cinco filhos, além do Alexandre: Daniela, Eduardo e os gêmeos Rafael e Daniel. Rafael e Daniel hoje têm 40 anos e, em decorrência de um erro médico, nasceram deficientes, com severas restrições.

Dona Leonor perdeu o marido em 2017 e, desde então, cuidava dos gêmeos, praticamente sozinha, sempre com um sorriso no rosto e uma leveza de impressionar.

Assim que ficamos sabendo de sua morte, eu e Alê pegamos o carro e fomos direto para São Paulo. Éramos sete na casa, além dos gêmeos, cada um executando uma tarefa e tentando, os sete, fazer o que ela, diariamente, fazia sozinha.

Trocamos, cozinhamos, servimos, calibramos o pneu das cadeiras de roda, ajudamos com as necessidades diárias. Mal houve tempo para chorarmos pela saudade e pela ausência. Ela partiu como viveu: serena e suavemente. Nos deixou um belo legado.

Voltei para Bom Despacho poucos dias depois, para retomar a vida e o trabalho.

Lá em São Paulo eles dividiram as tarefas entre si. Buscavam, daqui para a frente, oferecer aos gêmeos um pouco do que Dona Leonor oferecia.

Eu, fiz o mínimo que me cabia, coloquei-me à disposição para o que pudesse ajudar. Voltei para Bom Despacho e passei a viver envolvida por esse novo sentimento e ver o entorno com um novo olhar.

Falamos tanto em acessibilidade e possibilidades ofertadas a pessoas com deficiência, mas muito pouco sabemos e fazemos a esse respeito.

Passei a observar o entorno, os lugares que frequento e constatar que oferecemos muito pouco a essas pessoas e seus cuidadores. Notei que, na verdade, a acessibilidade está, infelizmente, mais em nossa fala do que em nossas ações.

Nossos espaços físicos não são preparados para essas pessoas. As calçadas, as ruas, os restaurantes, os ambientes de lazer, clubes e, muito menos, nossa própria casa. Somos incipientes nesse quesito.

Como os outros irmãos do Alexandre já estavam com viagens de Natal e Ano Novo programadas, ficamos combinados de que vou buscar Alexandre e os gêmeos em São Paulo, no final de dezembro, para passarem as festas de fim de ano e um pedaço de janeiro conosco.

Resolvi me organizar, me informar e descobrir a melhor forma de recebê-los.

Grata foi minha surpresa ao descobrir que, apesar de serem em locais pontuais, há muitas pessoas atuando nessa área e fazendo um trabalho belíssimo.

A APAE e cada uma das pessoas que por lá me atendeu fez um trabalho incrível e gentil, de orientação, conversa e disponibilidade. A Cíntia, fisioterapeuta e toda a equipe, quando visitei o setor, deram-me não apenas amparo, mas ensinamento e perspectiva. Conheço a Cíntia há anos, vejo o trabalho que ela realiza na Praça de Esportes com os associados. Sabia que ela trabalhava na APAE, mas foi a primeira fez que pude acompanhar um pouquinho de perto a lindeza do que ela realiza.

Descobri também, com a ajuda do Murilo, do Centro de Saúde Bucal, que, tanto a Cláudia como a minha amiga de infância Roberta Keila Cardoso Gontijo realizam, como dentistas, um trabalho específico e exclusivo voltado para as pessoas com deficiência.

Não foi diferente o atendimento do pessoal do PSF do meu bairro e de outras pessoas com quem conversei, buscando ajuda e orientações.
Tem sido muito importante essa trajetória. Cheia de aprendizado, descobertas e conhecimentos. Tem sido uma grata surpresa me deparar com profissionais tão dedicados e com situações tão delicadas e emocionantes.

Em contrapartida, tem sido sofrido constatar que não temos quase acessibilidade nenhuma na cidade, quiçá País afora.

Tenho imaginado como foi a vida e a luta da minha doce sogra Leonor Magalhães e de tantos que têm a missão de abrir caminho para as pessoas com deficiência passarem.

Tenho tentado entender como é a vida e a bela luta travada por cada um desses profissionais, que tenta cavar e apresentar oportunidades para esses seres com a vida e as oportunidades restritas.

Tenho pensado particularmente, qual é o papel da pessoa com deficiência nessa existência? O que eles precisam nos ensinar, como compor a vida com eles e fazer com que eles se sintam parte do todo?

Como oferecer a eles oportunidades de acesso, lazer, educação e cultura de uma forma mais simples? Como tornar a vida mais igual?

A morte da minha sogra me causou uma grande tristeza porque, como eu disse, ela era como esses anjos que vêm passar um período na Terra, mas também me apresentou uma nova realidade. Um mundo para o qual os meus olhos viviam fechados, por inexperiência, desconhecimento ou omissão.

Mesmo que um dia eles não mais façam parte da minha vida, acredito que nunca mais serei a mesma. Espero, sinceramente, que as pessoas não precisem, como eu, viver a realidade da convivência para despertar para um assunto tão delicado.

Que possamos construir um mundo, de fato, com maior acessibilidade para todos e, particularmente, para as pessoas com deficiência e seus cuidadores.

O meu muito obrigada a cada um dos profissionais que conversou comigo, me orientou e me abriu um novo horizonte nesse curto processo de descobertas que vivi. Obrigada Cíntia, Beta, Álvaro, Murilo, Júlia, Dr. Davi, a assistente social da Apae e tantos outros pelo lindo trabalho realizado.

E o meu pedido, sincero, de desculpas, por não ter despertado antes para um assunto tão delicado e importante.

(Portal iBOM / Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal / Imagem ilustrativa)

 

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