Não é fácil manter a cultura e a tradição
ALEXANDRE MAGALHÃES – Nos últimos meses, por meio de minha namorada bom-despachense, fui apresentado ao Reinado em geral, e mais especificamente a um corte de Reinado de linha “Moçambique”, conhecido como o corte de Dona Sebastiana.
Já relatei neste espaço que adorei assistir ao corte em algumas ocasiões, dançando, andando pelas ruas da cidade, durante a descida dos mastros, entre outras oportunidades.
Tive o prazer de dividir o carro com membros desta corte, pessoas diversas, com funções diferentes na Festa do Reinado, com tempos diferentes de inserção nesta cultura. Foram várias aulas de vida e uma imersão grande na cultura do Reinado, coisa que não existe em São Paulo, infelizmente.
Fiquei várias vezes emocionado de ver o grupo dançando e cantando, com muitos membros mostrando enorme fé. Comentei que conheci um rapaz que mora em São Paulo e vem todos os anos, há décadas, para Bom Despacho para participar do Reinado.
Tudo muito lindo e emocionante!
A vida depois que descem os mastros
Um fato que eu não sabia é que os cortes continuam sendo requisitados para dançarem em locais ao redor de Bom Despacho, povoados que pertencem ao município.
Após a descida dos mastros, o corte de Dona Sebastiana foi convidado para mostrar sua arte no Engenho e Passagem, além de possíveis outros locais que eu não soube.
Quando minha namorada bom-despachense me disse que dançariam nestes locais, imaginei que seria uma visita rápida, algo como uma ou duas danças e músicas, uma missa e voltariam para casa. Ledo engano.
No Engenho, por exemplo, o corte saiu pela manhã de Bom Despacho, ao redor das 10:00 horas, e voltaram para casa depois das 21:00 horas. Em pleno domingo!
São horas e horas sob o sol forte (antes da descida dos mastros em Bom Despacho, houve um dia que dançaram horas sob uma chuva fortíssima), evoluindo pelas ruas vagarosamente, cantando e dançando com muita fé e respeito à tradição e às pessoas que assistem ao corte.
O cansaço, que é inevitável, não os fazem parar de mostrar sua arte, sua fé e sua cultura.
Cenas do Reinado
Acompanhar um corte, especificamente o de Dona Sebastiana, que é o que vi mais de perto, é ter uma lição de amor à cultura, além de dedicação a seus familiares, amigos e amigos.
Várias vezes, vi a capitã deste corte, a Holdry, que é quem puxa os cantos, amamentar seu bebê durante a festa. Mais que isso, alimentava a criança enquanto cantava a plenos pulmões. Nos intervalos entre as mamadas, o bebê ficava com o pai ou parente. Imaginem uma mãe amamentar e cantar horas sem fim sob um sol escaldante! Muita dedicação.
Vi o rei e a rainha do corte, seu Eustáquio e sua companheira, já com bastante idade, andar por muitas horas com um manto de veludo com um calor fora do normal neste último fim de semana, ou com muita chuva há um mês, sem reclamar nada, com um sorriso no rosto e mostrando que aquilo é muito importante para eles.
Muitas vezes, vi que um dos músicos, o Anderson, que toca um instrumento enorme, que por ignorância não sei o nome, mas que parece um grande bumbo, colocando seus filhos sobre o instrumento para que dormissem, enquanto ele continuava dando ritmo para as danças. Muito emocionante!
Mantendo a tradição
Vendo tudo isso que relatei, percebi que para manter essa linda tradição é necessário um esforço incrível.
Pessoas de todas as idades, com muitas crianças e muitos adultos e idosos entregando vários fins de semana suas horas de descanso, para manter uma tradição, sem salário, sem ganho algum, a não ser o prazer de fazer parte dessa arte, que aprenderam com seus pais ou familiares, e que julgam ser importante prosseguir, sob sol ou sob chuva, com calor ou com frio.
Graças a essas pessoas, de todos os cortes, o Reinado permanece vivo e pessoas como eu, que não tinha ideia do que é essa linda festa, possam entender um pouco da cultura religiosa, negra, dos escravos e, claro, de Minas Gerais e de Bom Despacho.
Que pessoas tão desapegadas continuem a manter a tradição, uma festa que me encantou muito e me emocionou demais.
Parabéns a todos os cortes por não desistirem de dançar o Reinado, especialmente ao corte da Dona Sebastiana, que acompanhei mais de perto!
(Portal iBOM / Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por BD e SP)