Em cima do muro do Parque de Exposições

VANDER ANDRÉ ARAÚJO – Houve um tempo em que a gente esperava o ventoso mês de setembro chegar para curtir a Exposição. Naquela secura de fim de inverno no cerrado mineiro, a poeira levantada no Parque de Exposições era vista de longe, dada a intensa movimentação no local. O som e as luzes do palco eram testados durante vários dias-prévios e a gente ouvia, e via, com entusiasmo, sinais retumbantes de muita festa e shows no Arraial. O cheiro do silo chegava com o vento quente e invadia os ares e olfatos da região. Percepções sensoriais nos alucinavam de todas as formas.

De casa e dos barracões, toda a gente comentava: espia só, o gado das melhores raças lá vem chegando das mais variadas roças e distritos da região e até de Luz, Dores e outras plagas! Dezenas de nelores estão descendo com a calma que lhes é peculiar, transportados nas imensas carretas. Os cavalos mangas-largas apeavam nos currais do Parque, relinchando de alegria em reconhecimento aos bons tratos dos seus donos. Junto com eles, chegavam os peões renomados, com suas roupas country, estimulando a troca urgente das roupas e acessórios nas vitrines das lojas na cidade, bem como alimentando os sonhos das moçoilas casadoiras que tinham lá seus fetiches.

Bené Peão

O Bené Peão chegava sempre com a sua alegria contagiante e a fama de ser bicampeão dos rodeios em Barretos. Ele era sempre uma presença cativa, o primeiro bom- despachense a destacar o nome da cidade até no estrangeiro, atraindo multidões nas arquibancadas, sempre na expectativa das suas belas apresentações em cima do cavalo.

Cartazes eram afixados nos postes, com toda a programação, incluindo o feriado da Independência “no meio”, flyers eram distribuídos nos pontos de parada dos carros, spots eram repetidos insistentemente nas rádios, recados paroquiais nos finais das missas, convites não faltavam para que todos nós prestigiássemos a maior festa da cidade.

Os organizadores, notadamente o Sindicato Rural e a Cooperbom, contavam com o apoio de órgãos públicos e estimavam que a população prestigiasse e comparecesse em peso.

Chegava enfim o período para conferirmos a propalada abundância da riqueza oriunda do agro por aquelas bandas, a produção leiteira que nos dava a alcunha de maior “bacia” leiteira de Minas Gerais. Tudo isso poderia ser acompanhado de perto durante aqueles dias da Exposição, nos concursos para definir a vaca de grande úbere que mais enchesse o balde de leite, e era arrematada por milhões nos leilões, o boi mais bravo que derrubasse o peão paulista bem-afamado e aclamado pelo locutor entusiasmado com sotaque de terras longínquas.

Corríamos atrás das calças jeans surradas, cintos largos, botas de cano alto, botinas agapê lustradas nos trinques, chapéus, camisas com franjas, casacos de couro importados da Argentina. Fazíamos de tudo para entrar no clima da festa, seguindo as modas sertanejas, para a gente ficar bonito na fita e de quebra, conquistar namorados e namoradas.

Shows

Só não contávamos com o preço alto dos ingressos, que não eram nem um pouco convidativos, naqueles tempos em que tínhamos que medir as nossas economias, molhando os dedos na boca para conferir as poucas quantidades de cédulas que nos sobravam nas mãos, naquele final de mais um interminável mês de agosto.

Mas, havia o show da Gretchen, do Ritchie, do RPM, do Leandro e Leonardo e tantos outros, imperdíveis.

O jeito era conseguir um empréstimo, contrair mais dívidas, na expectativa do décimo-terceiro salário para quitar o saldo negativo nas contas, ainda antes do Natal. Ou, pular o muro!

Ah, aquele extenso muro que mais parecia a muralha da China, cercava toda a extensão do Parque, nos vários quarteirões do Arraial dos Lobos.

Ele estava todo recém-pintado de branco com uma cal, mas, por incrível que pareça, tinha seus pontos de fragilidade, onde a luz dos postes pouco iluminava, onde os viriangos não conseguiam acompanhar, tampouco impedir a nossa ação delituosa e o pulo “gatuno”. Só não podíamos ficar em cima do muro… Era pegar ou largar e rápido.

Valia muito a pena transgredir. Lá dentro, podíamos aproveitar um parque de diversões com roda-gigante, trem-fantasma, tromba-tromba. Leilões de gado regados de uísque paraguaio no fino propósito de facilitar os lances dos compradores.

Oportunidades para acompanhar os rodeios nos bretes, respirando aquela poeira seca da areia e torcendo pelo peão artista da novela. Shows tardios e memoráveis, com grande parte do público já abrindo a boca de sono, alguns deles cancelados por causa de agendas sobrepostas dos artistas que não cumpriam contratos.

Maçãs do amor

Fazíamos visitas incontáveis aos estandes, num zigue-zague sem fim, seja para ganhar iogurte da Cooperbom, ou reparar no povo do Banco do Brasil e nos seus clientes, e da recém-fundada Credibom, ou apenas pegar folder de nova marca de trator ou implemento agrícola.

E as comidas? Havia os irresistíveis espetinhos no churrasco; as maçãs do amor que faziam a alegria dos enamorados; os cachorros-quentes com milho, maionese e muita mostarda e ketchup; batatas chips fritas num óleo duvidoso… Ah, e o gado em exposição, reluzente, tranquilo, alimentado e já fazendo meia-noite nos seus cantinhos privilegiados.

E eis que, após um duro período de pandemia, surge novamente a 51a Expobom, no começo de mês de julho, com uma programação intensa e atrativa que inclui exposições de produtos e serviços, palestras, workshops, concurso literário, apresentações musicais locais e regionais. E lá vamos nós, desta vez sem ficar em cima do muro, aproveitar toda a magia que só um evento como esse pode proporcionar aos bom-despachenses.

(Portal iBOM / Vander André Araújo é advogado, filósofo e escritor / Foto do alto: Bené Peão, Antônio Ferreira, dois peões bom-despachenses e o locutor Digrilo no Parque de Exposições de BD / Foto cedida por Marília, filha do Bené Peão)

One thought on “Em cima do muro do Parque de Exposições

  • 6 de julho de 2023 em 17:14
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    Boas lembranças da infância, dos tempos das exposições agropecuárias e a volta desse evento após esse difícil período da pandemia. Estamos prontos a reviver essas emoções e é o que esta crônica nos traz com detalhes. Parabéns e obrigado, Vander André Araújo!

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