O que a escola bom-despachense me ensinou
ALEXANDRE MAGALHÃES – Semana passada eu entrei em uma loja de material de construção em São Paulo e perguntei para um vendedor se ele tinha gomeira. O sujeito me olhou no fundo dos olhos e perguntou: “go o quê?”. Com um dó enorme do pobrezinho, dei um sorriso para dar a entender que o problema era meu, e emendei um “desculpe-me, é que lá na minha terra (vejam que adotei Bom Despacho, pelo menos no discurso), mangueira é chamada de gomeira”. Ele me trouxe um exemplar de uns dez metros, que comprei sem nem perguntar o preço…
Voltei para casa com a mangueira nas mãos e pensando sobre as palavras que a cultura bom-despachense me ensinou.
Gomeira
Segundo minha namorada bom-despachense, gomeira é uma palavra que só é utilizada em Bom Despacho e alguns lugarejos ao redor da cidade.
Quitanda
Já escrevi sobre “quitanda” neste espaço.
Em São Paulo, quitanda é um lugar, uma espécie de mercado, onde os produtos vendidos são legumes e verduras.
Aprendi muito cedo, que em Bom Despacho, e talvez em grande parte de Minas Gerais, quitanda não é um lugar, mas são os produtos usados para servir um bom café da tarde, como bolos, quitutes, pães de queijo e outras guloseimas.
Vasilhas
Vasilha em São Paulo é um pote, de plástico ou vidro, usada para guardar comida ou servir os alimentos durante os almoços ou jantares. Se não for relacionada à comida, não dizemos vasilha, mas pote.
Uma vez, lavando louça do almoço na casa da sogra, alguém pediu para eu lavar as vasilhas. Olhei para a cuba da pia e só vi garfos, facas e copos. Não vi nenhuma vasilha paulista. Irritada, minha namorada que estava a meu lado para enxugar a louça, apontou aquelas peças sujas e repetiu para eu lavar as vasilhas. Percebendo que eu estava perdido, perguntou o que eu entendia por “vasilha” e diante de minha explicação, afirmou que em Bom Despacho, tudo que é louça é sinônimo de vasilha. Incrédulo, perguntei se “copos” eram vasilhas. “Sim”, ela respondeu, segurando o pano de prato ainda seco em suas mãos. “Garfos e facas são vasilhas, também?” “Claro, que sim”.
Quase não dormi à noite, imaginando que “vasilha” era uma espécie de “trem” em Bom Despacho, ou seja, servia para tudo e não designava nada específico.
Cenoura ou batata barôa
A mandioquinha, que como desde criança em São Paulo, em Bom Despacho é cenoura barôa, que eu nem sei se leva acento circunflexo. Além disso, alguns ainda a chamam de batata barôa.
Lembrei de minhas aulas na quinta série, que acho que agora chama-se sexto ano, nas aulas de biologia, quando aprendi que a família das batatas chama-se “solanaceae” e as cenouras pertenciam ao ramos das “apiaceae”. Pobrezinhas, em Bom Despacho viraram a mesma coisa.
Hoje em dia, não consigo mais comer mandioquinha em São Paulo, sem derramar uma lágrima… “tadinha dela, tão linda e gostosa.. e fizeram isso com a mandioquinha…”, sempre penso.
Banana Caturra
Em uma das minhas primeiras compras no Fidelis, parei diante de uma banca de bananas nanicas, olhei a placa que dizia “bananas caturras” e fiquei procurando onde estavam as “caturras”, que eu queria ver como era. Como o local todo só tinha “nanica”, eu pedi auxílio para um empregado: “qual é a banana “caturra”?. Incrédulo, ele apontou com o queixo e disse: “ôh, sô, é essa aí na sua frente”. Olhei por alguns segundos a “nanica” e olhei para o rapaz com cara de cachorro perdido em dia de mudança: “aqui só tem a nanica…”.
Descobri que “caturra” era minha adorada “nanica”… vivendo e aprendendo…
Lotação
Em São Paulo, “lotação” está ligado a um transporte não-oficial, clandestino, e com maiores riscos de acidente, já que os “cobradores” seguram as portas da van (lotação, em São Paulo, é feito por vans, não por ônibus) para agilizar o embarque e desembarque dos usuários e fugir da fiscalização.
Em Bom Despacho, descobri que ônibus é tratado por lotação…
Tiu ou Til
A mais entranha das palavras, ou dos ensinamentos que recebi em Bom Despacho, é a palavra para indicar um cachorro: “til”. Ou seria “tiu”? Ou ainda “tio”? Não sei.
A primeira vez que ouvi uma conversa entre minha namorada bom-despachense e uma vizinha, na qual ambas apontavam para um cachorro e diziam “til”, “tiu” ou “tio”, julguei que o nome do bicho era esse, como se fosse um “rex” ou “lola”.
Alguns dias depois, quando ouvi alguém se referir a outro cão como “til”, comentei com a namorada que havia muitos cachorros com o mesmo nome na cidade. Foi aí que ela me “ensinou” que “til”, “tiu” ou “tio” é sinônimo de cachorro.
Depois desse dia, contratei um professor particular para aprender bom-despachense…
E viva a cultura de cada cidade! A vida fica mais linda com essas diferenças! (Portal iBOM / Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por BD e SP / Imagem ilustrativa)