Serenata numa noite em 1979

Recebi essa interessante crônica enviada pelo amigo Júlio Campos e resolvi publicá-la aqui. A crônica foi escrita pelo “Eduardo da Cambuá”, também conhecido como Dudu Veterinário. Ela fala de um grupo de amigos que se une para fazer uma serenata na Bom Despacho dos velhos tempos.

Dezessete de fevereiro de 1979. Bom Despacho, noite úmida, o carnaval seria na semana seguinte, dia 24. Choveu intensamente à tarde. Temporal típico de verão. Lulu e suas companheiras decidiram refrescar-se do calorão, na Churrascaria Itapoã, quase em frente à casa do Sr. Antônio Leite, eleito ano passado para seu terceiro mandato. Chegaram animadas e sentaram em um espaço no fundo, mais reservado e sossegado, para o ensaio da serenata/surpresa que Lulu prometeu fazer ao seu eterno e amado João Teodoro da Costa, o afamado João Zueira. Na mesa, quem passasse por perto, identificaria, pela beleza, graciosidade, alegria, felicidade, a presença da nossa querida Secelma. Junto às duasle estavam a Neiva do Robertinho, a Marília do Sr. Odílio e a Lilice, que além de sua presença super agradável, nesse dia, muito elegante, grávida, vestia uma blusa verde clara, fazendo destacar ainda mais a beleza de seus olhos verdes. Realmente estava deslumbrante.

João morava no Hotel Glória, pouco abaixo da churrascaria. Enquanto isso, a roda e a animação dos amigos só aumentava. O Aritana redobrava, esforçando, daqui e para ali, no trabalho de garçom. E as garrafas vazias só aumentando… De repente aparece o violonista junto com o saxofonista, cedidos por empréstimo, do Sétimo Batalhão, que não negavam nunca um pedido sequer da Lulu. O Taquinho do Zé do Pedro, tumbando o ambiente, achou que lhe cabia uma vaga e veio do Sinucão do Zé Maria, com um pandeiro, e formou o trio. Pouco mais tarde, Gustavo e Carma se juntaram à turma. Taquinho, muito vivaz e solícito, percebendo a brecha, diz que no Sinucão tinha também um Reco-reco. De pronto correu lá e num segundo o Gustavo, já meio embalado, pegou o instrumento e mostrou alguma habilidade, formado o quarteto. Para surpresa de todos aparece o Roberto do Tio Peri. Disse que vindo de Itaúna e indo para Brasília, aproveitou para encontrar com os parentes e amigos. Foi uma alegria só!

No início do planejamento da serenata, Carma questionou que seria necessário ter uma autorização do Ubirajara para adentrar no hotel e posicionar todos na janela do John! Lulu, de imediato, respondeu, gritando, devido ao já alto alarido, que já tinha a autorização da dona Faustina. E começaram a seleção musical e vai mais rodadas de cervejas. Mais uma pinga ali, uma dose de rum para o Gustavinho… Lulu enfatizava que não faltasse sua preferida, Noite do Meu Bem, no que foi aplaudida de pé e brindada três vezes com grande entusiasmo e euforia.

Assim foram selecionadas e meio ensaiadas, umas do Roberto, outra do Noel, Nelson Gonçalves e até a marchinha Noite dos Mascarados, de Zé Keti, foi incluída a pedido da querida Marília. Animação total! Lá pelas 23 horas e pouco, já nos preparativos finais, Valdirão e o Tõe Zé que estavam na mesa vizinha, se juntaram à roda. O burburinho só aumentando, mal se enxerga direito, quer pelo alto teor etílico dos presentes como pela fumaça dos cigarros. Cinzeiros abarrotados de gimbas corroboravam com o ar asfixiante do local.

Aos 30 minutos do já domingo, decidiram que chegara a hora da esperada serenata. Antes de saírem, Secelma deu um palpite que enervou toda a galera: queria que subissem a Faustino Teixeira, descessem a Alferes Tavares e lá ela convidaria e levaria, nem que fosse de pijama, o controverso Hudson Avelar. Todos reclamaram, uníssonos e Carma, enérgica, respondeu pela turma: o carnaval é sábado que vem, hoje só serenata e ponto final! Secelma acabou concordando com a maioria. Quando todos, já quase levantando das mesas, uma surpresa!? O Leão Quirino, prá lá de tonto, vindo de não sei onde e já se inteirando do assunto, juntou-se à roda dos músicos. Disse em bom tom e com tal propriedade, que daria o ritmo à serenata com sua caixinha de fósforo marca Beija-flor. Já caminhando para o destino, Lulu tenta conter o ânimo dos mais exaltados e, chegando no Glória, por incrível que pareça, ela consegue um silêncio sepulcral. Todos imbuídos que o Zueira tivesse a surpresa na hora H! Postados em seus lugares, instrumentos afiados, Lulu, como uma maestrina, ordena a abertura da cantoria, com o Uirapuru de Nilo Amaro e os Cantores de Ébano, música, segundo ela própria, preferida do Zueira.

Seguiram-se a Noite do Meu Bem e mais e mais canções melodiosas, que fizeram lágrimas rolarem pela face da Lulu e de companheiras mais emotivas. Depois das exímias performances dos músicos do Sétimo e o belo vocal das meninas, Neiva até perdeu a voz. Nunca esquecendo do pandeiro do Taquinho, o esforço hercúleo do Gustavinho com o Reco-reco e, é claro, não teria o mesmo brilhantismo, sem a imprescindível intervenção rítmica da caixinha de fósforo do nosso querido amigo Leão.

Chegando a hora da tradicional despedida, todos concentrados e no maior capricho e atenção iniciaram os acordes do Boa noite, diga ao menos boa noite. Bem no meio da apresentação algo prenunciava um desconforto. Um barulho de carro estacionando, porta fechando, a visão de uma Brasília amarela, barulho de portão abrindo. Nesse momento Lulu, com evidente nervosismo, ordena que parem imediatamente a música. Todos atentos, o suspense dos passos indecisos e dificultosos e Zueira, sem outra alternativa, aparece sorrateiro e sem graça, para o espanto de todos e decepção da Lulu. Ele, mesmo desconcertado, agradece a todos, que mudos vão se retirando um a um. Parte do grupo ainda tentou quebrar o gelo, com gracejos e brincadeiras aos quais Lulu com raiva e em prantos, amparada nos ombros da Neiva, repreendeu energicamente.

Enfiaram a viola no saco, os mais animados retornaram à Itapoã onde prolongaram a noite, bebericando, divagando e analisando a situação delicada do Zueira e da Lulu.

Mais tarde, o Zueira confidenciou com o Tõe Zé que, naquele dia, foi com o Tõe Virgílio, radiotécnico, para o cabaré famoso em Luz, e lá ficaram até a hora daquele triste e fatídico encontro.

Nota do autor: Essa riqueza de detalhamento só foi possível devido à Lilice que, no dia, estando grávida, não bebeu e com sua memória privilegiada e detalhista, nos permitiu colher o máximo de dados possíveis. (Portal iBOM / Foto: arquivo Eduardo Veterinário)

One thought on “Serenata numa noite em 1979

  • 24 de junho de 2023 em 19:35
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    DETALHES, DE ROBERTO CARLOS, E O CAMBURÃO NA SERENATA NA PRAÇA SÃO JOSÉ

    Bons tempos das famosas serenatas. Lá pelo idos de 1983 um amigo estava arrumando um namoro ali pelos lados da Praça São Jose. Preparou as canções de Roberto Carlos, afinou os violões, chamou os amigos e arrumou até flores.
    Na primeira dedada nas violas apareceu o camburão da PM:
    _ Que isso aí?
    Corri na veraneio:
    _ É só uma serenata curta; já vamos parar…
    _ É você Baiano? Perguntou o guarda, que conhecia meu pai e me conhecia do Colégio Tiradentes.
    _ É né, sou eu, respondi. E a turma cantando e tocando (…detalhes tão pequenos de nós dois, são coisas muito grandes pra esquecer…)
    A voz dos cantores de uma rateada, mas todo mundo jura que não. Fazer o que!
    _ Tem golo? Perguntou o policial.
    Achei que ele ia querer e falei:
    _ Não, Não. A gente não bebe…
    E o guarda avisou ao sair:
    _ Ok. Tamo na área. Se der alteração já sabem, né?

    SERENATA COM TOCA DISCOS NA MÃO
    Outra namorada e outra serenata, agora sem violão. Inventaram de levar um pequeno toca discos, daqueles com agulha e uma caixinha de som na tampa. Um som horrível.
    Colocaram uma musica internacional e um amigo segurava o aparelho. Salvo engano um sucesso que toca até hoje: Please don’t go, de KC & The Sunshine Band.
    Só que o amigo, sacaneando, deixava o aparelho virar na mão, um pouco, de propósito.

    Please don’t go
    Don’t go “uououou”
    Don’t go away
    Please don’t go
    Don’t go “uououou”
    I’m begging you to stay

    Amigo é assim; ajuda a perder a namorada, mas não perde a brincadeira.

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