Diferenças entre viver em Bom Despacho e SP
Nenhuma das diferenças é necessariamente boa ou má, são apenas maneiras culturais de encarar a vida. Que bom que posso viver nas duas cidades simultaneamente.
ALEXANDRE MAGALHÃES – Desde que comecei a frequentar Bom Despacho, há cinco anos e meio, comento que as culturas de São Paulo e daqui são muito diferentes. A cultura mencionada não tem nada a ver com conhecimentos artísticos ou livros lidos, mas significa a maneira de enxergar a vida, de viver, de se vestir, do que se come, enfim, a maneira de fazer as coisas.
Apesar de já estar em contato frequente com a cidade, seus moradores e sua cultura, ainda me espanto com algumas diferenças culturais.
Aniversário
Todo mundo faz aniversário uma vez por ano, tanto em Bom Despacho, quanto em São Paulo, claro. Porém, alguns aspectos são bem diferentes na comemoração dessa efeméride.
Primeira grande diferença é que em São Paulo não é comum comemorar o aniversário antes da data oficial. Muitos paulistanos acreditam que fazer uma festa antecipada dá muito azar ao aniversariante. Nem se aceita receber os parabéns mais cedo. Algumas pessoas, quando percebem que a pessoa vai dizer “feliz aniversário” antes do dia “certo”, começam a gritar e pedir para a pessoa não terminar a frase. “Dá azar falar antes”, explicam. Em Bom Despacho, vejo as pessoas comemorando seus aniversários antes do dia de seu nascimento, recebendo ou dando os parabéns para amigos e familiares antes da data e ninguém se revolta com isso.
Outra diferença é que em São Paulo o aniversário é menos importante do que em Bom Despacho. Há muita gente que não comemora ou não liga para esta data. Em minha família, por exemplo, nunca fazemos festa, nem compramos bolo, nem saímos para jantar, nada especial em nossos aniversários. Nunca vi meu pai, mãe ou irmãos darem muita importância para suas datas de nascimento. Eu mesmo já esqueci um aniversário e só me dei conta da data quanto um companheiro de trabalho me cumprimentou. Percebo que em Bom Despacho o aniversário é mais importante e as pessoas costumam comemorar muito essa data. Enfrentei alguns problemas com a namorada, logo no começo do relacionamento, já que eu não fazia muita questão de estar aqui na cidade na data, caso tivesse algo importante para fazer em São Paulo, como uma reunião ou compromisso profissional. Hoje, sabendo da importância dessa data por aqui, procuro estar em Bom Despacho para alguns aniversários, especialmente da amada.
Até a música de aniversário é diferente: em São Paulo, o final da música é “é pique, é pique, é pique, é hora, é hora, é hora. Ra. Tim. Bum”. Em Bom Despacho, canta-se “é big, é big, é big…”.
Quanta diferença!
Padrinhos
Nada mais diferente do que ser padrinho em São Paulo ou Bom Despacho. Em São Paulo, ser padrinho é um cargo fictício, que a pessoa fica orgulhosa de ser convidada para ser, mas que nunca mais terá qualquer implicação prática.
As diferenças são grandes entre as cidades para padrinhos de batismo, crisma ou casamento, indiscriminadamente.
Outro dia, estava no bar do Ernane Ferramenta e um casal de amigos estava em nossa mesa. Em determinado momento o casal comentou, um pouco nervoso, que haviam ligado para a madrinha do filho, dizendo que queriam sair para beber e a “dindinha” não quis ficar com a criança. Afirmaram que, o fato de ser madrinha, praticamente a obrigaria a ficar com o afilhado. Espantado, perguntei por que eles achavam que era obrigação da madrinha ficar com o menino. “É madrinha, tem essa obrigação”. Sem entender a ligação entre as palavras “madrinha” e “obrigação”, fiz uma batelada de perguntas sobre o tema, até que descobri que culturalmente essa é a expectativa que os pais de uma criança têm em relação aos padrinhos.
Comentei com o casal que em São Paulo ninguém contaria com a ajuda dos padrinhos para cuidar de um afilhado. Nem olhar a criança por algumas horas, nem morar com a criança, nem ajudar financeiramente a família, nem nada. Ser padrinho ou madrinha em São Paulo é trabalho para um dia, o dia do batizado, crisma ou casamento. A amnésia aparece logo após o evento e nunca mais lembramos disso.
Às vezes ouço minha namorada bom-despachense dizer algo como “sou madrinha, tenho de fazer isso”, que pode ser cuidar do afilhado, visitá-lo/a de tempos em tempos, entre outras tarefas que nem passaria pela cabeça de um paulistano.
Eu, por exemplo, nunca aceitei ser padrinho de nada e de ninguém, pois não acho isso importante. Lembro-me que minha mãe me convidou para ser padrinho de um de meus irmãos gêmeos, dezoito anos mais novos do que eu. Dei uma desculpa qualquer e recusei. E ninguém ficou chateado ou triste. Simplesmente, meus pais convidaram outro padrinho e a vida seguiu normalmente.
Em Bom Despacho, ainda há a figura da “madrinha de representar” ou algo parecido, que não tenho ideia do que seja e nunca vi nada parecido em São Paulo.
Quanta diferença!
Olhar nos olhos dos motoristas
Em São Paulo, jamais olhamos nos olhos das pessoas nas ruas. Especialmente, quando cruzamos com um carro em sentido contrário, estando nós a pé ou dirigindo, nunca olharemos nos olhos dos motoristas. Isso seria visto como uma afronta ou uma chamada para brigar e trocar socos com o motorista. Se for uma mulher que olha nos olhos de um motorista, os paulistanos dizem que está se insinuando para a outra pessoa, querendo arrumar um namorico rápido.
Em Bom Despacho, todas as pessoas que conheço olham para todos na rua e nos olhos dos motoristas. E o feio é não olhar. Pelo que entendi da cultura local, olha-se fixamente para o motorista para ver quem é e, se for um conhecido, acenar para a pessoa. E se for um amigo, e não se tomar o cuidado de cumprimentar o motorista, pode ser visto como sinal de falta de educação.
Isso é tão diferente entre as duas cidades, que minha namorada teve um problema em uma de suas visitas a São Paulo. Acostumada a olhar nos olhos dos motoristas em sua terra natal, Bom Despacho, fez a mesma coisa em São Paulo e foi perseguida por um motorista, que achou que ela o havia convidado para tomar uma cerveja ou um encontro amoroso.
Quanta diferença!
Andar fora da calçada (passeio) ou ver cachorros pelas ruas
Como já escrevi neste espaço no passado, em São Paulo ninguém anda pelo meio da rua, como acontece em grande parte das ruas de Bom Despacho. Se alguém se arriscar a fazer isso em São Paulo, a chance de morrer atropelado é altíssima, para não dizer perto de 100%. Aqui, as pessoas adotam essa prática, pois em grande parte da cidade, os passeios inexistem ou tem mato ou buracos cobrindo o espaço.
E, tristemente, em Bom Despacho há um exército de animais vivendo nas ruas, muitos famintos e doentes. Muitos, correndo atrás dos carros, das bicicletas, das motos e dos corredores nas estradas de terra, como aconteceu comigo recentemente, perseguido que fui por um grupo de cachorros que estavam no meio do mato.
Em São Paulo, há muitos programas de adoção de animais de rua, com grande aceitação por parte da população, já que muitos paulistanos não querem mais ter filhos e preferem adotar animais domésticos.
Quanta diferença!
Nenhuma das diferenças é necessariamente boa ou má, são apenas maneiras culturais de encarar a vida. Que bom que posso viver nas duas cidades simultaneamente. Que sorte! (Portal iBOM / Imagem meramente ilustrativa).