É hora de falar de despedidas

Tudo tem um fim. Feliz ou infelizmente, tudo tem um fim. E é chegado o momento desta coluna se despedir. Aqui no Jornal de Negócios com vocês desde agosto de 2020, a coluna se despede nesta edição. Mas antes de tratar disso, quero falar de outras duas importantes despedidas recentes em BD.
Padre Jayme

No final da década de 1960, surgiu em Bom Despacho o Roda Viva, movimento cristão de jovens liderado por um jovem padre da cidade, Jayme Lopes Cançado. Visionário, ele quis desenvolver um trabalho de formação cristã (e cívica!) com adolescentes, faixa etária que contava com pouco apoio da Igreja Católica, até por ser considerada de difícil trato. Era comum evangelizar crianças e adultos, mas os jovens tinham poucos programas que falassem diretamente a eles.

Eu fui um dos milhares de jovens bom-despachenses que tiveram o prazer de participar do Movimento Roda Viva, de ser parte do rebanho de Padre Jayme. Participei de jornadas e encontros, fui membro de grupos de jovens e vivi na minha juventude a parte mais efervescente de minha vida católica. Morador da Avenida das Palmeiras e frequentador da Igreja do Rosário, eu tinha mais intimidade com o saudoso Padre Vicente, a quem visitava frequentemente para tomar um café ou um livro emprestado, falar de meus conflitos e aspirações, discutir o mundo. Tempos bons… Mas Padre Jayme também foi figura marcante naquela fase da vida de toda uma geração de bom-despachenses católicos, que aprenderam a viver a religião com alegria, entusiasmo e visão de vida cristã como serviço.

Retomei o contato com ele nos últimos anos, já idoso. Meu pai, Majela, tornou-se seu motorista e amigo fiel, acompanhando-o por um bom tempo de casa até diversos compromissos, desde a fisioterapia ou alguma consulta médica até as missas mensais na Capela dos Alves. Nos últimos 5 anos, quase sempre que eu ia a Bom Despacho, meu pai me levava para uma visita àquele querido amigo, fosse para levar um jornal, rememorar histórias do passado, falar de política ou comentar algum feito do América. Momentos maravilhosos, abençoados!

Padre Jayme, o senhor transformou nossas vidas e nunca será esquecido. Deus seguramente já o tem em bom lugar. Sua benção!

Milton

Milton José Teixeira, ou Miltão da Dirol, também nos deixou neste mês de maio. Conheci Milton na infância, quando viajávamos juntos de férias frequentemente. Não sei dizer como isso começou, mas, dentre outros amigos que também acompanhavam minha família nas viagens de férias, Milton, Fátima e suas filhas eram os mais frequentes. Não consigo pensar em Caldas Novas na minha infância sem ver a imagem deles conosco.

Milton sempre me impressionou pelo vozeirão e firmeza no olhar. Era até engraçado ver ele e meu pai conversando. Enquanto Milton trovejava e ria alto, meu pai falava manso, compassado. Lembro-me de nos encontrarmos de madrugada na piscina do Hotel Privê, para tomar um banho quente na primeira água do dia. Lembro de nos sentirmos milionários quando ganhávamos uma rodada no bingo do hotel à noite. E ainda houve aqueles constrangimentos de adolescência quando se propunha que tinham que arranjar o casamento dos filhos de um com as filhas do outro. A face que eu tinha do Milton – Miltão da Dirol, empresário poderoso à época – era uma que acredito que poucos conhecessem.

O tempo passou, a minha vida adulta chegou e mantínhamos contatos raros, em eventos em Bom Despacho ou bate-papos com meu pai na rua por aqui. Em 2020, por oportunidade da candidatura a vereador, procurei Milton para buscar apoio. Conheci finalmente o Miltão, o empreendedor. Já um pouco debilitado por problemas de saúde que vinha enfrentando há alguns anos, ele marcou comigo no banco ali no Edifício Assunção que tem o nome dele gravado.

A voz continuava a mesma, forte e alta, e ele me mostrou uma visão bem negativa da política bom-despachense, especialmente quanto ao subdesenvolvimento da cidade. Disse que estava completando 50 anos que começara seu negócio de produção de aves, a Granja Ana Rosa, que fora pioneiro nisso na região, alcançara considerável sucesso e realização, mas nunca contara com o apoio das administrações municipais. “Nunca!” – ele foi muito enfático nisso. Enquanto isso, concorrentes de Pará de Minas viram no negócio que ele iniciou na região uma oportunidade, tiveram apoio dos políticos e das administrações locais e transformaram aquela cidade em um polo muito mais próspero do que Bom Despacho. Ele dizia que todos que entraram para a política em BD – e ele apostou em muitos – se perderam e se apequenaram depois que assumiram cargos eletivos. E que, por isso, não torcia por meu sucesso na política, porque tinha carinho e respeito muito grande por mim e nossa família. Opinião de empreendedor e conselho de pai.

Miltão será sempre Milton para mim. Isa, Gisa e Grazi, meus sentimentos.

Enfim, muito obrigado

Por fim, esta coluna se despede hoje do JN. Comecei a coluna em agosto de 2020, a convite de Alexandre, para apresentar ideias que vinha discutindo com lideranças locais para promover o desenvolvimento de BD. A coluna girou um bom tempo em torno desses temas, especialmente enquanto eu os vivia junto com vocês aí na cidade, no segundo semestre daquele ano.

No final de 2020, retornei a Brasília, para retomar meu trabalho na Câmara dos Deputados, onde sou servidor concursado desde 2008. Nunca abordei esse lado da minha vida por aqui, até porque o enfoque foi sempre tratar questões e histórias de BD. Mas já se vão 1 ano e meio longe da cidade e meus textos foram também se distanciando. Hoje, não me sinto confortável para escrever sobre BD como antes, minha visão é muito limitada e frequentemente tenho que recorrer ao passado para me aproximar de vocês. Decidi que é hora de parar.

A Alexandre e ao Jornal de Negócios, muito obrigado pela oportunidade. Escrever aqui foi a realização de um sonho e a rememoração de tempos de juventude em que a redação era parte muito viva do meu dia a dia. A você que leu e acompanhou esta coluna por tanto tempo, concretizando esse meu sonho de adolescência, o meu melhor muito obrigado. Que Deus siga abençoando a você e sua família! Um grande abraço e a gente se vê por aí.

(Padre Jayme / Foto iBOM – Milton Teixeira / Foto do arquivo de Célio Luquini publicada pela página Bar do Tonhão)

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

One thought on “É hora de falar de despedidas

  • 15 de junho de 2022 em 20:45
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    Que pena Paulo Henrique Alves de Araújo… sentirei falta de sua coluna… mas parar as vezes é mais difícil do que continuar e admiro sua decisão assim como admirava seus artigos. Tambem vivi minha infância em BD e hj moro em BH. A distância é sim um impecilho. Mas agradeço sua contribuição a BD. Siga seu caminho, com louvor… abcs

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