A mente sofre e adoece também

Festas de final de ano, férias, cliques, postagens e alegria nas redes. Ao mesmo tempo, a angústia ronda os lares de algumas famílias. Uma sensação de descompasso com essa “exibição de felicidade”, um questionamento sobre qual seu lugar nesse mundo, um vazio angustiante porque faltam perspectivas ou meios para atingi-las, uma tristeza profunda sem explicação razoável. Infelizmente, roteiros mais comuns do que gostaríamos. Relatos recentes me lembraram histórias passadas e me deixaram a sensação de que valia a pena escrever um pouco a respeito.

Neste início de ano, um amigo me confidenciou que venceu há pouco um processo de depressão. No ano passado, outros dois relataram que a depressão tinha tomado seus filhos, e um terceiro que acreditava que sua mãe estava depressiva. Tema delicado, difícil de abordar, imagine quando acontece diante de nossos olhos, em nossas casas. De repente, você se dá conta de que uma pessoa normalmente cheia de vitalidade se torna murcha, apagada. Ou excessivamente irritada, com tudo tomando uma dimensão muito maior do que tem. As doenças da mente são um tema sensível, de que pouco falamos e pouco conhecemos.

Eu cresci na era de Daniel Larusso e Cobra Kai. Há muitas coisas fantásticas nessa nossa geração, mas algumas nem tanto. Um exemplo é a abordagem rasa e muitas vezes jocosa sobre as dores e doenças da mente. Aprendi que psicologia era uma bobagem, para não dizer frescura, e que psiquiatria era coisa de “gente doida”. Tinha para mim que uma conversa com um amigo seria sempre suficiente e melhor do que uma sessão de terapia. A gente até ouvia burburinhos, mas faltava informação de verdade sobre o tema.

Os tabus eram muitos para tratar dos problemas da mente – e acredito que ainda são. Notem que, por exemplo, se eu adjetivasse essa expressão e usasse problemas “mentais”, a maioria já entenderia bem diferente o que escrevi. Precisamos vencer essas barreiras e abrir espaço para que as pessoas conheçam um pouco mais, saibam lidar melhor com desequilíbrios e entendam que pedir ajuda pode ser necessário. Acredito ser fundamental aceitarmos que a mente também é um órgão vivo, que pode precisar de apoio para se desenvolver, pode se machucar e pode adoecer. Para tanto, precisamos nos abrir para, além do apoio das pessoas mais próximas, contar com o suporte de profissionais capacitados, como psicólogos e psiquiatras.

Já tive o auxílio de psicólogos em momentos e situações distintas da minha vida. Além de contatos pontuais em processos seletivos e de acompanhamento profissional, fiz psicoterapia em duas oportunidades. Numa, fiz por orientação de um amigo, em um momento profissional crítico. Eu era cético quanto a fazer terapia, defendia a tese de que uma pessoa próxima seria muito melhor do que um estranho para discutir meus problemas e dúvidas. No entanto, aquele amigo me convenceu de que eram coisas distintas – ou pelo menos suscitou dúvida suficiente para me levar até as primeiras sessões. Ele argumentava que, assim como eu estudara por alguns anos para me tornar um profissional de tecnologia e depois de gestão, um psicólogo recebia a capacitação para facilitar o desenlace de “nós mentais”, o autoconhecimento e o desenvolvimento de habilidades psicossociais. Foi fantástico, aprendi muito sobre mim e desenvolvi algumas habilidades que me foram e são muito úteis.

A outra oportunidade aconteceu quando chegou ao fim meu primeiro casamento. Eu me via sem chão, não sabia como seguir sem a continuidade do projeto mais importante da minha vida, a família que eu tinha constituído. Tinha a sensação de que, com o fim do casamento, tinha fracassado, e perderia meus filhos e a família que tínhamos constituído. Já se vão 12 anos e, ainda que não seja a família que concebemos, conseguimos uma versão que nos enche o coração. Meus filhos sempre tiveram muito presentes pai e mãe e nunca perderam a visão de que somos uma família, ainda que diferente.

Há casos, entretanto, em que os apoios das pessoas próximas e de um psicólogo são insuficientes. A tristeza pode avançar até a depressão e sua mente pode não responder apenas com os estímulos externos. Entra nesse caso outro profissional essencial para nossos cuidados com a mente, o psiquiatra. Uma especialização da medicina, a psiquiatria é responsável pelo diagnóstico e tratamento de doenças da mente em geral.

Popularmente associado à prescrição de medicamentos “tarja preta”, o trabalho de um psiquiatra é bem mais amplo do que prescrever remédios controlados. Além do tratamento de quadros depressivos ir além da medicação, eles atuam em uma série de outras doenças da mente, desde distúrbios do sono até o tratamento de dificuldades de desenvolvimento social e intelectual, atendendo de crianças até idosos.

Quero deixar claro que sei que não tenho a formação ou o conhecimento necessário para tratar de assunto tão delicado. Sei ainda que há várias outras condições em que esses profissionais da saúde podem nos ajudar. Sugiro inclusive que o JN traga pessoas capacitadas para abordar esse assunto. Mas, percebendo o sofrimento recente de alguns, quis trazer um pouco de informação, usando alguns casos como ilustrações.

Nossa mente é complexa. Num mundo com excesso de informações e alternativas, com uma cultura que acelera e intensifica mudanças, com uma sociedade que vende uma espetacularização da vida, há sim motivos para nossa mente sofrer. Além desses elementos externos, cada um de nós tem sua genética e sua história que podem contribuir para doenças da mente.

Vale ressalvar, entretanto, que nem todo sofrimento é doença. Acredito sim que nossa mente tem capacidade para superar inúmeras adversidades sozinha, e temos que cuidar para não banalizar doenças como a depressão. Cuidado com a automedicação, com a hipocondria, com as receitas milagrosas que chegam pelos aplicativos de celular e com os maus profissionais, que existem em todas as profissões.

Busquem informação. O fato é que precisamos de conhecimento, para compreender um pouco melhor, ter a consciência de que problemas e doenças da mente podem nos acometer a todos e que há tratamentos. A ignorância turva nossa visão, pode machucar e trazer danos irreparáveis.

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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