Tiu, o outro nome para cachorro
Na segunda-feira, pós Dia das Mães, eu e minha namorada bom-despachense saímos para caminhar pela cidade. Não tínhamos um percurso muito definido, mas tínhamos de passar em uma farmácia para comprar um antibiótico para a colaboradora de minha namorada, a Eleuza, que estava com dor de dente. Andamos uns quatro quilómetros e chegamos à farmácia Santa Maria, perto da Praça da Matriz.
Entramos. Ela foi até o balcão para pedir o remédio e eu fiquei fuçando os produtos, sem intenção alguma de comprar. Olhei quase todos os produtos e nada comprei, apesar de identificar um desodorante que eu uso e que estava mais barato ali.
“Aqui é tudo mais barato”, comentou minha namorada ao ver que olhava o produto com atenção.
Fomos ao caixa e este estava sem sistema. Ficamos uns quinze minutos na fila, aguardando a solução do problema. Na verdade, minha namorada ficou na fila, enquanto eu zanzava pela loja, olhando os produtos, sem nenhum interesse específico.
Para passar o tempo, peguei um produto chamado “Figatil” e levei para ela. Só para brincar, disse: “vou levar esse produto, mas não sei se é para o fígado ou para o gato”. Ela riu, meio sem graça porque a piada era ruim e acrescentou: “ou para o cachorro”.
Eu estranhei o comentário, coloquei os óculos para leitura, que sempre fica no decote da camisa, li atentamente todos os detalhes da embalagem. Não encontrando nada que fizesse sentido com o “ou para o cachorro” que ela havia proferido, perguntei: “por que para o cachorro? Não entendi seu comentário”.
Ela devolveu rapidamente: “o til… é o cachorro”.
Peguei novamente a embalagem, li tudo novamente e sem encontrar sentido no comentário dela, resolvi voltar ao assunto: “qual é a relação do remédio com um cachorro? Seja didática comigo”. Minha namorada me perguntou se “tiu” não era cachorro em São Paulo. Tentando evitar um ataque cardíaco com tamanho absurdo de pergunta, eu mal conseguia articular uma frase básica para sair daquela inércia.
Vendo que eu estava bem perdido na conversa, ela tentou explicar que em Bom Despacho, “tiu” era cachorro e que todos usavam essa palavra para se referir aos simpáticos animais quadrúpedes.
Como eu parecia estar ouvindo um poema em russo arcaico com tradução simultânea em grego pré-socrático, ela ficou com um dó de mim e resolveu ser mais didática: “você nunca ouviu as pessoas da cidade falando “saia daqui, tiu” ou “tenho um tiu em casa”? Todo bom-despachense fala assim…”.
Tive de pedir um copo d´água para a atendente, pois estava passando mal com tamanha revelação absurda.
Passados alguns minutos, depois de o sistema ter voltado ao normal, chegou nossa vez de passar pelo caixa da Santa Maria. Para provar que ela estava certa, perguntou para as duas caixas da farmácia: “Se alguém fala que tem um “tiu” em casa, o que vocês entendem?”. Pegas de surpresa com a pergunta, elas pensaram por uns segundos e responderam simultaneamente: “que temos um cachorro”.
Indignado eu perguntei: “e como se chama o irmão de sua mãe ou de seu pai?”. Responderam “tio”, com a mesma pronúncia de “tiu”.
Meu coração disparou e quase fui parar na Santa Casa. Evitei ir, pois o medo da covid-19 é maior.
Desde quando “tiu” é cachorro?
À noite, fomos visitar meus sogros, que haviam chegado da Bahia havia algumas poucas horas.
Levantei o assunto com meu sogro, especialista em língua portuguesa. Ele demorou um tempo para entender minha dúvida. Quando situou-se, explicou-me que algumas pessoas realmente chamam os cachorros de “tiu”. “Ouço mais as pessoas usando “tiu” para espantar um cachorro de rua, como “passa, tiu””. Eu perguntei se ele sabia qual a origem desse uso, mas ele, para minha tristeza, não soube me explicar por que “tiu” virou sinônimo de cão.
Hoje, terça-feira, saí pelas ruas de Bom Despacho e verifiquei que “tiu” é usado por todos, ou pelo menos, conhecido por todos como “cachorro”. Não ouvi ninguém usando o termo com um cachorro, mas perguntei a alguns conhecido e todos confirmaram que conhecem a palavra.
Liguei para minha mãe para perguntar sobre sua saúde e aproveitei e comentei sobre o “tiu”. “Tiu ou trem? Não é trem que é usado para tudo em Minas?”, quis saber. “Acho que pode ser “tiu” ou “trem”, respondi confuso.
À tarde pesquisei sobre a origem do “tiu”. Nada.
Tentei contato com o professor Pasquale Cipro Neto e com o Sergio Rodrigues, dois especialistas em língua portuguesa, ambos colunistas da Folha de São Paulo. Acredito que eles me tomaram como louco ou consideraram minhas perguntas alguma brincadeira.
Estou pensando seriamente em alfabetizar-me novamente, desde a pré-escola, aqui em Bom Despacho. Acredito ser a única forma de eu manter uma conversação minimamente desente com minha namorada bom-despachense, seus amigos e a população local.
É muito “trem” e “tiu” para a cabeça de um paulistano analfabeto na língua mineira e bom-despachense.
Hoje, fui ao bar do Fabinho. Havia dois “tius” na porta, implorando por comida. Comprei dois espetinhos de carne e chamei-os: “tiu, vem cá. Comam esses espetinhos”. Senti-me o mais puro dos bom-despachense.
Imitando Valdick Soriano, passei o dia cantando: “eu não sou “tiu”, não, pra viver tão humilhado…”
Moro em Lagoa da Prata, perto de Bom Despacho. Nunca achei a origem da expressão “Til” que acqui escrevem com L.
Sou de Bom Despacho e moro há em no litoral em SP. A vida inteira aí todos chamávamos cachorro de til. Com L. Assim como gaúchos o chamam de cusco.
Estava aqui agora procurando essa expressão no dicionário on LINE para mandar pro meu filho. Em BH , quando eu era criança, havia uma família que usava essa palavra e nós também!!!! Todas as crianças falavam: sai,til, vem cá, til… Pronunciando assim, com l. Não como tio. Que a gente fala o “O”do tio como ô.. tiô!!!!
E tem mais! Dizer que alguém estava se esbaldando com algo era “fulano
está lavando o til sem sabão” !!!! Vai entender, rs