Ainda faltam mulheres em posição de mando

FERNANDO CABRAL  – Gambetta achava que a República Francesa “não tinha mulheres”. A nossa, ao que vi outro dia, tem boa cópia delas. Elegantes, cumpre dizê-lo, e tão cheias de ardor, que foram as primeiras ou das primeiras pessoas que deram palmas, quando entrou o presidente da República. Vede a nossa felicidade: sentadas nas próprias cadeiras do legislador, nenhuma delas pensava ocupar, nem pensa ainda em ocupá-las à força de votos.

Não as teremos tão cedo em clubes, pedindo direitos políticos. São ainda caseiras como as antigas romanas, e, se nem todas fiam lã, muitas as vestem, e vestem bem, sem pensar em construir ou destruir ministérios.

 

A passagem acima é da pena elegante e mordaz de Machado de Assis. Consta de crônica do dia 18 de setembro de 1894. Referindo-se a uma solenidade no Senado Federal, Machado ironiza o papel das mulheres dizendo que nas cadeiras dos senadores, nenhuma delas prensava ocupar, nem pensa ainda em ocupá-las à força de votos.

Com sua ironia fina, Machado deixa registrado que em 1894 a mulher estava relegada ao papel de bibelô na política nacional. Alienadas, sentavam-se na cadeira do legislador apenas para aplaudir as autoridades masculinas incensadas na solenidade. Para elas mesmas, nada reivindicavam.

Como contraponto, Machado registra também as palavras de Léon Gambetta, primeiro-ministro francês que uma década antes lamentava a falta de participação feminina na República Francesa.

Este breve reencontro com Machado de Assis nos permite reconstituir a longa jornada que as mulheres têm empreendido em busca dos seus direitos e da sonhada igualdade política, jurídica e social com o homem. Igualdade que não têm ganhado por outorga, mas sim, que têm conquistado com luta. Luta muitas vezes cara demais, como aconteceu no caso de Marie Gouze, mais conhecida como Olympe de Gouges.

Em 1791 esta brava francesa escreveu e divulgou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. O que ela pretendia era simples: que as mulheres tivessem os mesmos direitos que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseguravam aos homens franceses.

Numa época em que se guilhotinavam pessoas com frenesi, Olympe de Gouges declarou que se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna. O que bastou para que ela mesma fosse guilhotinada.

Isto prova que os revolucionários franceses, tão ávidos por concederem direitos aos homens, não queriam conceder nada às mulheres.

O tempo passa.

As inglesas reivindicam igualdade e direito ao voto.

As americanas reivindicam igualdade e direito ao voto.

Em 1892 as neozelandesas conseguiram o direito ao voto.

Por distração do legislador português, em 1911 Carolina Beatriz Ângelo foi eleita para a Assembleia Constituinte de Portugal. É que o legislador, distraído, escreveu que podiam votar e serem votados os portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. Ora, Carolina sabia ler e escrever, tinha mais de 21 anos. Como era viúva e sustentava a família, também provou ser chefe de família. Portanto, se enquadrava nas exigências legais. Conseguiu impor sua candidatura, mas antes da eleição seguinte a distração legiferenda foi corrigida e as portuguesas perderam seu fugaz direito ao voto.

A constituição brasileira de 1891 garantiu cidadania e voto aos homens. Mas ficaram de fora as mulheres, os analfabetos, os indígenas, os negros e os pobres. Ou seja, a casta dos cidadãos era composta por menos de 3% da população.

Em 1927 a potiguar Celina Guimarães Viana conseguiu seu título de eleitora. Para isto, usou uma lei do Rio Grande do Norte e se tornou a primeira eleitora brasileira.

Daí em diante a luta pelo voto explodiu no Brasil.

Em Minas Gerais uma poetisa de 20 anos, estudante de Direito, reinterpretou o art. 70 da Constituição de 1891 e concluiu que a mulher era cidadã. Entrou com mandado de segurança e conseguiu seu título e seu direito de se candidatar.

O Poeta Carlos Drummond de Andrade registrou o feito neste poema, chamado Mulher Eleitora:

“Mietta Santiago

loura poeta bacharel

Conquista, por sentença de Juiz,

direito de votar e ser votada

para vereador, deputado, senador,

e até Presidente da República,

Mulher votando?

Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?

O escândalo abafa a Mantiqueira,

faz tremerem os trilhos da Central

e acende no Bairro dos Funcionários,

melhor: na cidade inteira funcionária,

a suspeita de que Minas endoidece,

já endoideceu: o mundo acaba”.

A luta continuou. Década após década, as mulheres lutaram pelos seus direitos. Finalmente, em 1988 a Constituição cidadã, no inciso I do seu artigo 5º trouxe a tão sonhada e suada igualdade:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

No papel a igualdade está estabelecida. Mas, e na realidade?

Na realidade a defasagem continua grande. As mulheres ainda recebem salários menores pelos mesmos empregos. O número de mulheres em cargos executivo é marcadamente inferior ao número de homens. Nos cargos políticos a presença das mulheres é muito inferior à dos homens em todos os escalões. Das câmaras municipais ao Congresso Nacional, as mulheres mal chegam aos 15% das cadeiras. No executivo, então, nem se fala.

Ou seja, embora elas representem mais da metade do eleitorado, elas mal chegam a 1/6 das vagas eletivas.

Quadros tirados do G1 e adaptados pelo IBOM.

 

Estes números mostram que, a despeito de uma luta de mais dois séculos pela cidadania feminina, as mulheres continuam em desvantagem.

Sim, ecoando Gambetta, à República do Brasil ainda faltam mulheres em posição de mando.

Mas tem havido avanços. Avanços que não se devem à outorga espontânea dos detentores do poder, mas sim à conquista advinda de uma luta renhida, obstinada e persistente. Com muito suor e por vezes sangue, pouco a pouco Machado de Assis perde o motivo de sua ironia: agora elas já ocupam as cadeiras do legislador, e pensam ocupá-las à força dos votos e não como bibelôs que aplaudem seus maridos.

Sim, elas agora pensam em ocupar, e ocupam. Pouco a pouco, é verdade, mas cada vez mais.

É por esta luta, e por tantas vitórias que deixo aqui meu reconhecimento, meu agradecimento e meus parabéns a todas as mulheres guerreiras de Bom Despacho.

 

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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