Legislativo gasta muito e gasta mal

FERNANDO CABRAL – No Brasil o Poder Legislativo tem um gasto desproporcional. É o único poder que não gera um centavo de receita, mas paga os maiores salários, exige o menor tempo de dedicação ao trabalho e oferece os maiores benefícios aos parlamentares e a seus assessores. Este modelo começa no Senado Federal e na Câmara de Deputados, passa por todas as assembleias legislativas e chega às câmaras municipais.

A Câmara de Bom Despacho segue este padrão de gastos desproporcionais, frequentemente irresponsáveis e não raramente imorais e ilegais. São ilegais atos como pagar multa de trânsito por culpa do motorista. Nossa Câmara faz isto. Também é ilegal pagar cursos de formação profissional para quem ocupa cargo comissionado. Nossa Câmara faz isto. É imoral, e pode ser ilegal, nomear parentes para cargos comissionados. Nossa Câmara faz isto. Temos até suspeita (não confirmada) de compra de voto para a eleição da presidência.

Olhando os gastos da Câmara nesta legislatura podemos conferir como as despesas crescem de forma desmesurada. Em 2017, sob a presidência do Vereador Vital Guimarães, os gastos somaram R$ 2.983.588,16. Isto representou um decréscimo de 10,5% com relação ao ano anterior (2016). Naquele ano, casa vereador custou R$ 370.317,23 por ano. No primeiro ano da administração do vereador Vital (2017), caiu para R$ 331.509,79. Tivemos um bom começo com a chegada do vereador Guimarães à presidência.

No ano seguinte os gastos subiram para R$ 3.412.514,31 e o custo de cada vereador foi para 379,168,26 por ano. Um aumento modesto, se considerarmos a inflação de 2 anos (2016 e 2017) e a queda do ano anterior. Foi uma boa gestão, com economia real.

Em 2019 a vereadora Joice assumiu. Os gastos subiram para R$ 3.470.470,00. Um aumento modesto, de 1,70%. Perfeitamente aceitável e mais do que justificado pela inflação. O custo anual de cada vereador foi para R$ 385.607,78. O aumento foi razoável e compatível com a inflação. No entanto, para obter este resultado bom, a presidente eliminou serviços, como atendimento com psicóloga e assistente social.

Em 2020, porém, a situação mudou de figura. O que parecia uma administração comedida desbordou para a gastança. Até outubro deste ano a presidente já requisitou R$ 4.679.166,68. Portanto, em 10 meses já superou todo o valor gasto em 2019. E não foi por pouco: 34,83%.

A cada mês, desde janeiro, ela vem requisitando R$ 467.916,67. Nesta toada, até dezembro ela terá requisitado R$ 5.615.000,00. Se ela gastar tudo, o custo de cada vereador saltará para R$ 623.888,89 por ano. Ou seja, um aumento de 62% de 2019 para 2020!

Considerando que em 2019 a presidente Joice Quirino diminuiu os serviços prestados, e considerando que o subsídio (salário) dos vereadores não teve aumentos, é difícil de explicar a necessidade de requisitar valores tão altos.

A falsa economia

Esta semana a Câmara publicou um demonstrativo na tentativa de convencer o cidadão de que a presidente economizou dinheiro. Afirma que, em 2019, ela devolveu 33,27% do dinheiro requisitado. Este número, porém, não mostra economia, ele mostra má gestão. Economizar é gastar menos do que foi gasto no ano anterior. Isto a presidente não tem como demonstrar, pois gastou muito mais.

O que ela fez foi uma manobra que engana quem não está atento. É o que acontece na estorinha a seguir.

Um menino requisita ao pai R$ 40,00 para comprar um livro. O pai não tem dinheiro trocado e dá ao filho uma nota de R$ 50,00. O menino compra o livro e devolve R$ 10,00 de troco. Isto significa que ele devolveu 20% do que requisitou.

Outro menino requisita os mesmos R$ 40,00 do pai. Como este pai também não tem dinheiro trocado, ele entrega ao filho uma nota de R$ 100,00. O menino compra o livro e devolve R$ 60,00 de troco. Portanto, devolveu 60%.

Qual dos meninos economizou mais? O que devolveu 20% ou o que devolveu 60%?

Nenhum. Os dois gastaram R$ 40,00. A diferença de percentual está no dinheiro a mais que cada um recebeu. Teria economizado o menino que pagasse menos de R$ 40,00. Isto sim, seria economia. Por outro lado, teria desperdiçado o menino que tivesse pago mais de R$ 40,00.

Voltando ao caso da Câmara, é o que está acontecendo. Figurativamente, em vez de pegar a nota de R$ 50,00 para pagar R$ 40,00 ela está pegando a nota de R$ 100,00. Com isto ela tem que devolver um percentual maior. Não porque tenha feito economia, mas porque pegou dinheiro a mais.

Mas a realidade é pior do que na estorinha. Além de pegar uma quantia maior, a presidente da Câmara está também gastando um valor maior. É o que mostram os números. Até outubro ela já recebeu da Prefeitura R$ 4.679.166,68. Destes, já empenhou R$ R$ 3.465.062,14. Portanto, o valor empenhado até outubro já igualou o valor total gasto em 2019, que foi de R$ 3.470.470,00.

Acontece que faltam ainda as despesas de novembro e dezembro. Falta também o 13º salário. Parte disto pode já estar empenhado. No entanto, não é possível ter certeza neste momento porque a página de transparência da Câmara não está nada transparente. As informações não estão lá (por que será?)

Mas, o fato é que, assim como o menino que devolveu 60% de troco não fez nenhuma vantagem com relação ao menino que devolveu apenas 20%, também a presidente não fez nenhuma vantagem ao devolver um valor maior. Ao contrário, isto é um péssimo sinal. Quanto maior o percentual devolvendo, maior a irresponsabilidade do presidente da Câmara com o dinheiro público.

A má gestão

O Poder Executivo é o que corre atrás do dinheiro. O Poder Judiciário depende muito do Poder Executivo, mas tem também arrecadação própria. Ela vem das custas judiciais. O valor é pequeno, mas sempre ajuda. Já o Poder Legislativo só gasta. Se deixar, gasta muito e gasta mal. O pior é que nossa Constituição facilita a gastança e a má gestão. Esta facilidade começa com a autorização dada a uma Câmara como a de Bom Despacho para gastar até 7% da arrecadação municipal. Ou seja, de cada R$ 100,00 de IPTU que o cidadão paga, R$ 7,00 vão para o custeio dos vereadores.

Claro, 7% é o valor limite, mas os presidentes da Câmara entendem que é o que eles são obrigados a requisitar. E requisitam mesmo. Ao longo de 2020 a Presidente da Câmara vem requisitando até o último centavo que a Constituição permite: R$ 467.916,67. Ela não deixa para trás nem os centavinhos (veja o ofício abaixo).

Requisição mensal de R$ 467.916,67 de outubro/2020, assinada pela Presidente da Câmara

O primeiro problema desta garantia de receita dada à Câmara é que ela estimula a gastança. O presidente da Câmara não tem que economizar, não tem que ter austeridade. Desde que cumpra as formalidades legais, pode usar este dinheiro como quiser. Por exemplo, para investir em móveis planejados (como a Câmara fez), em carros, em diárias e até no pagamento de multas de trânsito, o que é ilegal, mas a presidente fez (e será processada por isto).

Mas, mesmo quando a presidência da câmara deixa de gastar e guarda o excesso na conta, ela está dando prejuízo ao povo. Ela está impedindo que o prefeito invista o dinheiro em educação, saúde, infraestrutura. Como a lei só obriga que a devolução seja feita no dia 31 de dezembro, é isto que a presidente está fazendo. No momento ela tem cerca de R$ 2 milhões guardados em conta da Câmara. Já que ela não poderá usar este dinheiro, o que ela está fazendo é apenas tirando benefícios dos cidadãos. Benefícios no valor de R$ 2 milhões. Valor suficiente para muitas cirurgias, muitos quarteirões de asfalto, e até uma boa gratificação para os servidores.

O pior é que, quando devolvem este dinheiro que nunca deveriam ter requisitado, fazem propaganda dizendo que economizaram.

Economizaram bulhufas! Apenas requisitaram a mais. Como o menino que recebeu a nota de cem e comprou o mesmo livro de R$ 40,00 pelo mesmo preço. Ou talvez até por preço maior. Que economia é esta?

Economia existe quando o gasto de um ano é menor do que o gasto do ano anterior. O resto é conversa para boi dormir.

É por isto que dizer que a Câmara devolveu 32,27% em 2019 não é um bom sinal. Ao contrário, é sinal de má gestão e de desrespeito com o dinheiro público. Se tivesse ficado com o Executivo ele poderia já ter sido aplicado a favor da população. Por exemplo, para asfaltar vários quarteirões, ou fazer mais de duas mil cirurgias, ou construir várias pontes… Mas a presidente da Câmara parece se orgulhar de fazer esta besteira financeira. Tanto que divulgou esta informação como se fosse motivo de orgulho. Que pena!

Em suma, quanto maior o percentual devolvido, pior a capacidade administrativa de quem está à frente da Câmara. Será bom administrador aquele que mantiver os mesmos serviços, não aumentar as despesas com relação ao ano anterior e devolver o menor percentual. Daquele que fizer isto, poderemos dizer: é um bom gestor do dinheiro público. Infelizmente, não é o caso da presidente da Câmara de Bom Despacho nos últimos dois anos. Ela diminuiu os serviços que antes a Câmara prestava à população (exonerou psicóloga e assistente social); aumentou os gastos reais do legislativo e congelou uma proporção maior do dinheiro que deveria ter sido investido a favor da população. Portanto, tivemos uma piora nos três itens que mostram a qualidade da gestão.

Não há dúvida de que, no geral, o Legislativo gasta muito e gasta mal. O legislativo municipal de Bom Despacho tem seguido esta regra. A presidente da Câmara tem gastado muito e tem gastado mal. E o que não gastou, não permitiu que a prefeitura usasse em benefício da população no momento apropriado: R$ 1,73 milhão em 2019 e previsão de mais de R$ 2 milhões em 2020.

Definitivamente, este é um modelo de má gestão.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *