Temos montanhas, uma das quais suja e que entristece BD
Fora os 7 a 1, a coisa que mais me marcou na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, foi o comportamento dos japoneses nos estádios. Não sei se você se lembra, mas, ao final de todos os jogos, os torcedores japoneses retiravam sacos de lixo de suas bolsas e caminhavam pelas arquibancadas do setor em que se encontravam no estádio recolhendo o seu lixo – embalagens, copos, papéis, etc. Não bastasse essa atitude dos torcedores em 2014, na Copa de 2018, na Rússia, o elenco e a comissão técnica japonesa limparam o vestiário e deixaram uma mensagem de agradecimento aos funcionários que mantinham aquele espaço ao final do jogo em que foram eliminados da Copa do Mundo.
O lixo é um problema sério e crescente em todo o mundo. O lixo é um problema seríssimo e crescente em Bom Despacho. Cidade pacata do interior de Minas, Bom Despacho tem ali na entrada pela estrada do Pica-Pau um cartão postal nada invejável: uma montanha de lixo. Uma montanha mesmo, literalmente! Embora vencidos os prazos para fecharmos essa página da nossa história, continuamos depositando lixo muito acima do nível do solo naquele local pela simples ausência de uma outra solução para descartar nossos resíduos sólidos.
Soluções já foram propostas, aprovadas, reprovadas, repensadas, reapresentadas, reaprovadas e reprovadas novamente. Os problemas são vários. Até aceitamos a ideia de um aterro sanitário, mas desde que seja longe da propriedade de qualquer bom-despachense. Já ouvi gente disposta a pagar uma taxa para outro município receber nosso lixo. Mas aí, tudo bem, revimos nossa posição e aceitamos um aterro no município. Daí nos chegou a informação de que o aterro seria regional (ou microrregional), e que teríamos portanto que receber também lixo de municípios vizinhos. A indignação voltou, “por que não no município deles” e outras questões afins lotaram os bate-papos e debates na cidade. Daí alguém conseguiu uma reclassificação de uma área na circunscrição do Rio Capivari e pronto, tudo foi devida e legalmente paralisado. E o lixo subindo a montanha.
Senhoras e senhores, esse problema não é um tropicalismo bom-despachense, acontece em todo município. A lei federal que proíbe os lixões estabeleceu prazos para substitui-los por outras soluções que deem destinos ambientalmente corretos aos nossos resíduos sólidos. A solução mais tradicional é o aterro sanitário. Mas já viu a confusão em torno dessa solução no parágrafo anterior. Outras soluções começam a ser aventadas, mas acredito que qualquer solução passe também pela nossa forma de enxergar o lixo.
Bom Despacho tem coleta seletiva em alguns bairros centrais. Acredito que sim, porque pessoas confiáveis me contaram, mas confesso que nunca vi. Estou temporariamente morando com meu pai em um prédio na Praça da Matriz e aqui não tem. Soube ainda que temos a Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis, a Reciclabom. Essa cooperativa recebe o material reciclável recolhido na coleta seletiva municipal, separa, prensa, embala e comercializa o produto do trabalho de seus cooperados. Bela iniciativa, recicla parte do lixo e gera renda para um grupo de pequenos empreendedores, cooperados. Mas quanto material eles recebem para trabalhar?
Bom Despacho tem alguns hábitos de urbanidade fantásticos. Um deles é o respeito à faixa de pedestre pelos motoristas (sua grande maioria!). Civilidade pura! Vá tentar, por exemplo, atravessar uma rua pela faixa de pedestre em Belo Horizonte ou em qualquer local com tráfego moderado de veículos… Não, não faça isso, porque você provavelmente será atropelado! Mas aqui em Bom Despacho, dê o sinal de vida com o braço e os veículos param! Nota 10.
Mas o que dizer do que fazemos e de como enxergamos o lixo que produzimos? Invejo os japoneses nesse ponto. Porque, se tivéssemos a cultura deles, eu não separaria apenas as latinhas para doar para reciclagem aqui em casa, mas também os demais materiais passíveis de reciclagem. No mínimo, separaria o lixo seco do lixo orgânico como eu já fazia em Brasília. É, amigo, a crítica vale para este que escreve também…
Temos muito o que aprender com os japoneses dos estádios das últimas copas. País destruído por guerras e desastres naturais, composto por um arquipélago de centenas de pequenas ilhas, consegue ser a 3ª maior economia do mundo. E acho sim que isso tem a ver com a forma como trataram o lixo nas arquibancadas e nos vestiários das últimas copas, com o respeito com que se tratam, tratam o próximo e tratam os recursos naturais de que dispõem. Respeito e disciplina são palavras chaves na cultura oriental japonesa e caminham juntos com criatividade, inovação e desenvolvimento, por estranho que possa parecer. Escrevo sobre isso depois…
Voltando ao nosso lixo de cada dia, vou comprar outra lixeira e passar a separar o lixo seco do orgânico, além das latinhas que meu pai cuida de separar desde sempre. Vou verificar se o condomínio pode colocar dois cestos de lixo por andar para depositarmos lixo seco e orgânico. Vou verificar se a coleta seletiva de Bom Despacho passa ou pode passar por aqui. Quero me sentir bem como me sinto quando paro na faixa para o pedestre atravessar. Convido você a fazer o mesmo no seu prédio ou residência. Quem sabe criamos uma corrente do bem pela reciclagem em BD?
Ao poder público municipal e, em tempos de eleições, aos nossos candidatos a prefeito, faço um pedido: vejam com carinho e responsabilidade nossa montanha de lixo ali na entrada da cidade. Aquilo nos entristece e nos envergonha. O novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado no último mês de julho, estabelece algumas facilidades para trazer parceiros privados para implementar a solução. Provavelmente não haverá uma perfeita, mas alguma solução tem que ser construída.
Sigamos nossos irmãos orientais também nisso: sejamos pragmáticos, resolutos e comprometidos com a busca e implementação de uma solução. Incluam esta entre as batalhas que precisamos vencer já.
Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação